O MacGuffin: abril 2004

sexta-feira, abril 30, 2004

DO LUSCO-FUSCO
O Alberto faz o elogio do Gato Fedorento, escrevendo: "o Gato Fedorento não é só o melhor programa português de humor desde o "Zip-Zip" e o "Tal Canal", o Gate Fedorente, como lhe chama o general Eanes, é o melhor programa português de humor e ponto." Eu diria mais: o Gato Fedorento não é só o melhor programa português de humor desde o "Zip-Zip" e o "Tal Canal", o Gato Fedorento é o melhor programa português de humor e ponto. E tenho pena de quem não tem TV-a-cabo.
AVISO
Este biltre acusa-me, de forma insidiosa e injusta, de nunca ter lido Borges. Mentira! Aparte esse atrevimento, costuma vangloriar-se de ter lido “a obra toda” de Borges. Por acaso, e aqui vai o míssil, é o mesmo biltre que não conhecia o poema sobre Israel…(que aqui transcrevi, emocionado).

Não fosse a avultada soma que me entregou, há coisa de um ano, para eu o lincar, estaria agora a ser removido da listinha de eleitos. Ainda assim, fica o aviso: mais uma dessas e calço-te uns patins.

PS: é o mesmo biltre que, só agora, numa provecta idade, decidiu desbravar a filmografia de Hitchcock (ainda há dias me confessava que ia ver, pela primeira, o "Mentira"). E que nunca leu Berlin. Um escândalo, é o que é!

quinta-feira, abril 29, 2004

BORGES, JORGE LUIS

A Israel
Quem me dirá se estás neste perdido
Labirinto de rios seculares
Do meu sangue, Israel? Ou os lugares
Que os nossos sangues têm percorrido?
Tanto faz. Sei que moras no sagrado
Livro que abarca o tempo e que essa história
Do rubro Adão redime e na memória
E agonia do Crucificado.
Estás nesse livro, que é sempre o reflexo
De cada rosto que sobre ele se inclina
E do rosto de Deus, que num complexo
E árduo cristal terrível se adivinha.
Salve, Israel, que guardas a muralha,
A de Deus, na paixão dessa batalha.

in Elogio da Sombra (1969)


+1 BB
Mais um bom blogue: Largo do Rato. Entretanto, o seu autor, o Luis, teve a amabilidade de me escrever, a propósito do ensaio de Vasco Pulido Valente:

"Caro Carlos,

Sou fã de VPV, e mesmo quando não concordo com ele leio com prazer e avidamente (tal a falta de "pensadores" na imprensa portuguesa) os seus artigos. Apesar de comprar normalmente o "Público", veio-me parar á mão no dia 25 um exemplar do DN. Achei o artigo magnífico e tirei-o da net.
Contrariamente á tua opinião, a qual eu poderia subscrever, dei-me conta em conversa com um "velho" militante socialista que a admiração por essa prosa do VPV era mútua (nomeadamente ele destacava, justamente, o papel de Mário Soares).

Acredito que artigo possa ter causado algum mau estar, mas principalmente na esquerda que saiu derrotada no 25 de Novembro de 1975, já que a análise se bem que polêmica em algumas apreciações pessoais, é atentatória da iconografia criada por essa mesma esquerda e que afinal é a causa da sua celebração da data todos os anos.

Aliás eu prevejo que essas correntes políticas transformem cada vez mais a celebração da data em manifestações anti-globalização com todos os temas recorrentes (abaixo EUA, contra poluição, pelo aborto livre, pelos casamentos homossexuais, a favor das causas palestinianas e árabes, abaixo Israel, abaixo os governos europeus, pela liberalização das drogas, contra a fome e a miséria no mundo motivadas principalmente pelos EUA e as multinacionais, contra a caça das espécies em perigo, etc)."


O GIN TÓNICO TONIFICA
Se um gin tónico tonifica, um gin tónico em casa de um argentino-de-gema-supersimpático-com-o-wallpaper-mais-bonito-do-universo tonifica duplamente. Cheers, Carlos.


UMA CRÍTICA ACERTADA : ESCLARECIMENTOS
Se estou de acordo com a condecoração de Isabel do Carmo? Não. Se a ordem é a da “Liberdade” e pretende condecorar quem lutou por ela, convinha distinguir, para a dignificar e não banalizar, quem lutou, como lutou e de que lado lutou. Isabel do Carmo lutou, na altura, do lado errado e com os métodos errados. Lutou ao lado de um grupelho (PRP/Brigadas Revolucionárias) que ousou utilizar o terrorismo como «método de trabalho». Não creio que a sua condecoração faça sentido ao lado de quem lutou por essa mesma liberdade respeitando a vida humana, a ordem e as linhas mestras do ideário democrático (coisas desconhecidas dos partidários e operacionais do PRP).

Por outro lado, não creio que Paulo Portas seja um «saudosista» do antigo regime. Quem o conhece sabe que Paulo Portas foi sempre um amante da liberdade, contrário a qualquer tipo de totalitarismo. Pensar isso de Paulo Portas revela má-fé.

Dito isto, parece-me excessiva a demarcação, marcada pela ausência, do Ministro da Defesa e do Estado. Em política não basta ser: é preciso parecer. Paulo Portas não é um mero político ou um mero deputado. É Ministro da Defesa e do Estado, e é o presidente de um dos partidos que, em coligação, governam este país. Iriam estar presentes nas condecorações personalidades cujo percurso político e pessoal, ao longo destes trinta anos, mereceriam a consideração do ministro. “Uma andorinha não faz a Primavera” parece-me ser o aforismo a evocar. A presença de Isabel do Carmo não deveria ofuscar os restantes agraciados. Nesse sentido, as ausências de dirigentes e ministros do PP nas cerimónias presididas por Sampaio, revelaram falta de savoir faire e falta de solidariedade para com o seu parceiro de coligação. E, espremido o assunto, chegamos à conclusão que o gesto despoletou mais uma polémica desnecessária.

Quanto à “pastilha elástica”, parece-me de um mau gosto a toda a prova. Nem merece mais comentários.

quarta-feira, abril 28, 2004

UMA CRÍTICA ACERTADA
Por Teresa de Sousa:

"(...) Temos um Governo cujo primeiro-ministro, sejam quais forem as apreciações sobre as suas políticas, soube interpretar a maturidade que a democracia portuguesa já atingiu, 30 anos depois da revolução, e agir em conformidade. Num espírito aberto, de reconciliação e de estímulo.
Isso não admira. Por mais defeitos que tenha, o chefe do Governo e do PSD também tem a democracia na massa do sangue, inscrita no seu código genético. Durão Barroso viveu a revolução, como tantos outros da sua geração, como um jovem de extrema-esquerda, radical, sonhador, excessivo. Esta é uma experiência que marca para toda a vida quem a teve. Como dizia Willy Brandt, nada melhor do que o radicalismo na juventude para se ser um bom social-democrata na maturidade.
Barroso, neste aspecto particular que é importante, não desiludiu. Ao convidar para São Bento todos os seus antecessores desde o 25 de Abril, o primeiro-ministro mostrou a grandeza de uma democracia reconciliada, madura e verdadeiramente livre, porque todos, sem qualquer excepção, têm nela lugar. Foi um belo gesto cheio de simbolismo.

Há, no entanto, outro governo em Portugal, ressabiado ou oportunista, reaccionário ou apenas tonto, não sei, que manchou deliberadamente a imagem que o primeiro-ministro quis dar às comemorações. E este é um governo que nos envergonha.
No dia 25 de Abril, o ministro de Estado e da Defesa resolveu participar nas comemorações oficiais na Assembleia da República e na Avenida da Liberdade evidenciando ostensivamente a sua distância e o seu desprezo pelo 25 de Abril. Não há outra explicação - a não ser a pura má educação - para que, no Palácio de São Bento, exibindo uma mastigação ostensiva de pastilha elástica, tenha resolvido "despachar" trabalho em plena cerimónia. Ou para, perante as câmaras da televisão, continuar a mascar furiosamente a sua pastilha elástica quando, na Avenida da Liberdade, decorria a parada militar.
Também não foi por acaso que o ministro da Defesa escolheu os ex-combatentes para celebrar o seu 25 de Abril. Já tínhamos ouvido o que pensa sobre a descolonização, obrigando de resto Barroso a demarcar-se dele. Tem sempre a boca cheia de "pátria" e de "nação" e de "bandeira". Ainda declina mal a palavra democracia.

Se restassem dúvidas sobre as intenções de Portas, logo na manhã de segunda-feira elas foram totalmente esclarecidas. Bastou ligar a rádio.
O PP resolveu não comparecer nas cerimónias de imposição da Ordem da Liberdade a várias personalidades nacionais, para protestar contra o facto de Isabel do Carmo fazer parte dos agraciados.
Na véspera à noite, no programa da SIC-Noticias "Outras Conversas" de Maria João Avillez, tínhamos assistido a uma civilizada e muito interessante conversa entre Isabel do Carmo, antiga militante de um partido de extrema-esquerda, Ana Maria Caetano, filha do último presidente do Conselho do anterior regime, e António Costa Pinto, historiador e Comissário das comemorações dos 30 anos, ele próprio, como Barroso ou tanta gente ilustre, ex-militante da extrema-esquerda maoísta.
A filha de Marcello Caetano defendeu o pai, até com alguns argumentos interessantes, mesmo que deles se possa discordar radicalmente. Isabel do Carmo explicou que continua a sonhar com uma sociedade diferente, igualitária - a sua utopia da "ilha de sítio nenhum" -, apesar de ter aprendido que a democracia, enquanto liberdade de cada um para fazer o que quer, pensar o que quer, dizer o que quer, é uma coisa óptima e um ponto de partida fundamental para tudo o resto.
De alguma maneira, o programa reflectiu a maturidade que a sociedade portuguesa atingiu trinta anos depois. A liberdade total de pensamento - sem o mais leve laivo de receio - e o confronto civilizado de ideias.
Estavam, todos satisfeitos e bem dispostos, os antigos primeiros-ministros que Barroso convidou para o Palácio de São Bento. Mesmo aqueles que podiam hoje sentir-se mais ressabiados e mais desiludidos com o rumo que a revolução tomou. Disseram o que pensavam aos microfones dos jornalistas presentes. Incluindo sobre este governo. Com a tranquilidade correspondente ao próprio facto de terem aceite o convite.
À escolha dos cidadãos que receberam a Ordem da Liberdade presidiu, como é óbvio, o mesmo espírito de reconciliação e de abertura. Só Portas não percebeu.

Felizmente, o país também está a uma enorme distância de Portas. Em primeiro lugar, na sua compreensão e na sua adesão à democracia liberal.
Há mais de 10 anos, não me lembro exactamente a data, uma sondagem sobre a relação dos portugueses com o 25 de Abril e com os valores essenciais da democracia deixou-me com um nó no estômago. Nessa sondagem, uma maioria de portugueses ainda valorizava mais a segurança e o bem-estar económico do que a liberdade.
Hoje, como demonstra a sondagem do PÚBLICO/ Universidade Católica, os portugueses revêem-se naquilo que é a essência da democracia liberal: a liberdade individual e a possibilidade de escolher e afastar governos através do voto. Não há melhor exemplo da maturidade da democracia portuguesa."

BRINDO A ISTO (1)
No Público:

"A maioria PSD/CDS-PP na Câmara do Porto 'chumbou' ontem uma proposta dos vereadores socialistas de abrir as portas dos paços do concelho ao FC Porto para festejar a vigésima vitória na Superliga.
Os 'dragões' vêem-se assim impedidos novamente de celebrar a vitória na varanda principal da sede do município, onde normalmente eram ovacionados por muitos milhares de adeptos e simpatizantes 'azuis e brancos' que enchiam a Avenida dos Aliados e a Praça da Liberdade.
A proposta socialista, rejeitada pelos seis vereadores da maioria PSD/ /CDS-PP (incluindo o presidente, Rui Rio) e com a abstenção do autarca da CDU Rui Sá, propunha que a autarquia, enquanto "legítima representante de todos os portuenses", "abrisse os Paços do Concelho aos atletas, treinadores e dirigentes [do FC Porto] em dia a combinar".
"A Câmara não entra na guerra das varandas", disse ao CM o chefe de Gabinete da Presidência, Manuel Teixeira. "A Câmara está disponível para uma recepção ao FC Porto nos moldes que organiza para chefes de Estado, mas não aceita noitadas, acenos nas varandas, nem folclore. Como o FC Porto não aceita este modelo, nem fazemos o convite para não reacender guerras antigas. Ceder seria ir ao tapete e desdizer tudo o que Rui Rio afirmou no passado sobre promiscuidade entre futebol e política autárquica", acrescentou Manuel Teixeira."
CÂMARA-DE-ECO
Via Aviz:

«"Não foi para isto que fizemos o 25 de Abril!" "Isto" pode ser tudo. A evasão fiscal, os carros dos ricos, as filas de espera nos hospitais, a pobreza, as propinas universitárias, os incêndios das florestas ou os imigrantes clandestinos. Acontece que foi exactamente para "isto" que se fez o 25 de Abril. Fez-se o 25 de Abril para poder pensar, falar e amar em liberdade. Para escolher quem nos representa. E para derrubar quem nos governa mal. Nesse sentido, Abril está cumprido. Apesar dos que, depois de terem falhado durante cinquenta anos o derrube da ditadura, tentaram confiscar o movimento libertário. E não obstante haver quem queira "aprofundar Abril" ou "cumpri-lo integralmente". Deus nos livre!...
É verdade que muitos dos que o fizeram, e todos nós hoje, temos outras ambições. Queremos uma justiça decente e uma saúde eficiente. Boas escolas e melhor segurança social. Mais cultura e mais produtividade. Uma direita liberal e uma esquerda inteligente. Mais igualdade social, mais oportunidades e um lugar mais destacado ao mérito. Menos compadrio, menos corrupção, menos complacência. E mais brio para um país que o tem pouco. Quero, queremos muito disso. É possível que alguns militares de Abril e não poucos civis do mesmo mês e dos seguintes o quisessem também na altura. Mas o 25 de Abril não se fez para isso. Fez-se para isto. Para ter êxito e para falhar. Para ouvir disparates e rasgos de inteligência. […]
E se é verdade que a maior parte dos jovens não sabe o que foi o 25 de Abril, o que choca não é isso, mas sim a confrangedora falta de cultura. Também não sabem o que foi o 28 de Maio, nem o 5 de Outubro. Não sabem quem foi Oliveira Martins ou Guilhermina Suggia. Não sabem quem foram nem o que fizeram Fontes Pereira de Melo, Guerra Junqueiro ou Egas Moniz. Como não sabem o que é o genoma, nem quem foi Galileu. Curiosamente, os pais também não.»

António Barreto, in Público
A “REVOLUÇÃO”
O ensaio de Vasco Pulido Valente sobre o 25 de Abril (Diário de Notícias, 25/04/2004), é uma peça de antologia a que ninguém deve ficar indiferente. É óbvio que a esquerda detestará o texto, porque a esquerda é incapaz de suportar qualquer forma de desmistificação da revolução que possa advir de uma análise fria e distanciada (no sentido emocional) dos acontecimentos, assim como é incapaz de separar o eventual simbolismo do 25 de Abril (a ideia da «democracia» e da «liberdade», que ninguém no seu perfeito juízo negará) do que realmente aconteceu. Nem sequer se trata de criticar o 25 de Abril. O que Vasco Pulido Valente faz é colocar o 25 de Abril no devido lugar da história, chamando os «bois pelos nomes» e explicando, com total desassombro, as incoerências, contradições e limitações do pronunciamento militar.

Trinta anos depos, há gente que continua embevecida e encantada com os «capitães de Abril» e com meia-dúzia de heróis sinistros que, uma vez por ano, costumam sair da toca, ainda que de semblante carregado por acharem que o 25 de Abril “ainda está por cumprir” (o «seu» 25 de Abril estará ainda por cumprir e, felizmente, nunca se cumprirá). Não é de admirar: para além do já habitual apego à tralha ideológica e revolucionária por parte da esquerda mais radical, há anos que a história do 25 de Abril vem sendo mais ou menos romanceada, com base em generalizações («capitães de Abril»: quais e com que objectivos?), fazendo crer que a «revolução dos cravos» foi um momento lírico, mais ou menos pacífico, corolário da boa vontade e do altruísmo de forças «progressistas» e «libertadoras», constituídas por caridosas e desinteressadas almas, carregadas de boa vontade e empenhadas, desde a primeira hora, em repor a justiça, libertar o bom do povo e instituir uma democracia à imagem do modelo europeu.

O que aconteceu no 25 de Abril foi mais o produto do acaso, da complacência e da irresponsabilidade de uns (típico neste país), em contraponto com a coragem e a sagacidade de outros (Mário Soares e Sá Carneiro, por exemplo). Foram estes "outros" que contrariaram, de forma corajosa, caminhos entretanto delineados pelos intelectuais e os «ideólogos» de serviço – os tais que pululavam nas hostes do PC, do MFA e de meia dúzia de grupelhos «doutrinários», onde, supostamente, se saberia qual o caminho a seguir - pelo menos o caminho indicado na cartilha «socialista» e «progressista», a impor por decreto ou à força (via saneamentos e não só).

Eis um excerto do artigo/ensaio de Vasco Pulido Valente:

Uma revolução?
”O «25 de Abril» foi uma revolução? Não foi. O pronunciamento militar liquidou o antigo regime e dali em diante tudo o resto sucedeu com a protecção e com frequência o incitamento do MFA ou parte dele. Os «revolucionários» (do PS ou de qualquer grupúsculo) agiram sempre em liberdade e completa segurança, pessoal e colectiva. Em '74 e '75 nunca tiveram de enfrentar uma oposição séria e, quando encontraram a mais leve resistência (um fenómeno raro) o Exército resolveu o problema. A sua acção não passou em geral de um exercício de pura prepotência. Nenhum morreu, nenhum esteve na cadeia (durante o PREC, claro), nenhum perdeu o seu emprego. Não por acaso os mais fanáticos continuam a falar da «festa de Abril». Só que não há revoluções sob o alto patrocínio do poder político.

Mas, tirando isto, e não é tirar pouco, transformou a «revolução», como alguns pretendem, a sociedade portuguesa? Não transformou. Não se muda uma sociedade com ocupações seja do que for ou «saneamentos» seja de quem for. Um dos grandes mitos da Esquerda radical a ocupação (de terra ou de uma empresa) é um exercício absurdo que se derrota a si próprio (eliminando o patrão, o capital e o crédito leva fatalmente à falência e ao desemprego). Quanto aos «saneamentos», para durarem, exigem a instauração e consolidação de um novo regime e que esse regime exclua sistematicamente a elite da véspera (uma coisa impossível que nem Estaline tentou). Não admira que em cinco anos restasse vestígio de qualquer ocupação e que os «saneados» voltassem tranquilamente aos seus lugares, quando não ao governo. A agitação «revolucionária» produziu ruído e conseguiu incomodar muito gente. De importante e de permanente não trouxe nada.

Falta falar da «reforma agrária» e das nacionalizações. Se não existem, como não existiam movimentos de massa que as reclamem e defendam, cedo ou tarde, quem a título de «reforma agrária» se apropria de terra alheia, devolve a terra; e as nacionalizações são invertidas por privatizações (tanto mais que, no caso da indústria e da banca, o pessoal dirigente trabalhou para o «socialismo» como trabalhara e depressa tornaria a trabalhar para o capitalismo). Até o PC que observou que a «reforma agrária» e as nacionalizações não eram por si a revolução. De facto. Foram, isso sim, a ruína da economia portuguesa e presumo que irritaram muito, sem consequência de maior, algumas famílias. Como resultado, não se recomenda.

Ainda se diz que Portugal deve agradecer a sua presente «liberdade» aos «capitães de Abril». Não se vê por que razão. A liberdade nunca ocupou o primeiro lugar no seu «pensamento» ou na sua política. E, se hoje há um regime democrático, o responsável é Mário Soares, que precisamente o impôs contra a vontade dos militares. A verdadeira revolução foi a dele.”

PS: é curioso (para não dizer triste) comparar o Mário Soares descrito no ensaio de Vasco Pulido Valente, com o Mário Soares de agora, de braço dado com Carvalhas e com a extrema-esquerda, criticando o governo de Durão Barroso através da insinuação mendaz de que se trata de um governo de extrema-direita e exercitando o mais primário anti-americanismo. Chega a meter dó.

terça-feira, abril 27, 2004

AS AVENTURAS DE RICARDINHO
A minha filha anda a ler um livro intitulado “Para Onde Foi o Zezinho?”, da autoria de Nicholas Allan. Conta a história de um espermatozóide que vivia dentro do senhor Nuno, com mais 300 milhões de companheiros. O Zezinho não era lá muito bom a fazer contas, mas era óptimo a nadar. O dia da Grande Competição de Natação aproximava-se e, apesar de exímio nessa arte, Zezinho nunca deixou de a praticar todos os dias. Ele sabia que teria de nadar muito rápido para ganhar o prémio: um lindo óvulo redondinho. No final da corrida, aconteceria algo de maravilhoso, algo simplesmente mágico: a fecundação.

Ricardo de Araújo Pereira escreveu um pequeno texto sobre o 25 de Abril, que foi publicado no Barnabé. Escreveu o Ricardo:

“Nasci no dia 28 de Abril de 1974, três dias depois da Revolução (ou, como se diz agora, para não aborrecer ninguém, da Evolução) dos Cravos. Por isso, a minha experiência do 25 de Abril é exactamente igual à da generalidade das pessoas de direita que viveram naquela época: não mexi uma palha para que a Revolução se desse, não a desejei e não estava minimamente convencido de que fosse necessária.”

Antevejo, desde já, um sucesso estonteante para a história que neste pequeno mas genial texto se vê esboçada: “As aventuras de Ricardinho: o primeiro espermatozóide que, ainda nas bolsas do escroto e, mais tarde, já depois da fecundação, na barriga da mãe, se aventurou no mundo das sondagens. Ricardinho, o espermatozóide, cedo revelou apetência para a matemática, sendo, simultaneamente, um óptimo nadador. ‘Distribuição binominal, de Poisson ou polinomial’, ‘análise combinatória’, ‘distribuição amostral das proporções’, ‘distribuições amostrais de diferenças, somas e médias’, ‘intervalos de confiança’ – tudo era canja para o Ricardinho. Influenciado pelo Prof. Bonaventura, um velho e sábio espermatozóide (péssimo nadador), Ricardinho enveredou pela investigação social, trabalhando naquela que foi a sua primeira e mais famosa tese: A Insustentável Estupidez e Boçalidade dos Homens e das Mulheres de Direita (repare-se como Ricardinho, o espermatozóide, estava avançado para a época, fazendo já uma leitura perfeita do politicamente correcto ao mencionar os dois géneros). Após aturado estudo, com a ajuda de um sofisticado dispositivo intra-testicular e intra-uterino que lhe permitia sondar os que lá fora, no outro mundo, se movimentavam, Ricardinho, o espermatozóide, cedo confirmou uma curva de tendência que lhe permitiu chegar a três conclusões: 1) as pessoas de direita não desejavam acabar com o ancien régime; 2) não mexiam uma palha para que uma mudança revolucionária eclodisse; 3) achavam que a vidinha lhes corria bem e, como tal, não era preciso mudar nada. Tudo confirmado até ao seu nascimento, uma vez que Ricardinho, durante mais de dois anos, entrou dentro da cabeça desses papalvos (metaforicamente), razão pela qual a ficha técnica da sua mega-sondagem registou um desvio padrão próximo dos 0,000001%.

Ricardo de Araújo Pereira faz amanhã (quarta-feira) 30 anos. Os meus parabéns ao Ricardo: um ser humano de eleição (desculpa arruinar-te a reputação, Ricardo) e um dos melhores humoristas portugueses.

O Saddam, por coincidência, também faz anos amanhã. A esse, repescando a b-word, digo-lhe: bardamerda.
DA LIBERDADE
"If all mankind minus one were of one opinion, mankind would be no more justified in silencing that one person than he, if he had the power, would be justified in silencing mankind. Were an opinion a personal possession of no value except to the owner, if to be obstructed in the enjoyment of it were simply a private injury, it would make some difference whether the injury was inflicted only on a few persons or on many. But the peculiar evil of silencing the expression of an opinion is that it is robbing the human race, posterity as well as the existing generation – those who dissent from the opinion, still more than those who hold it. If the opinion is right, they are deprived of the opportunity of exchanging error for truth; if wrong, they lose, what is almost as great a benefit, the clearer perception and the livelier impression of truth produced by its collision with error.”

John Stuart Mill, in “On Liberty” (1859), cap. 2 On the Liberty of Thought and Discussion, Penguin Classics, 1985


EXPRESSÕES E PALAVRAS A ABANDONAR
1. Relativamente à pergunta “Quem fala?”, quando incluída numa conversação telefónica, é bom fazer uma ressalva. A resposta a essa pergunta depende, obviamente, de um pormenor: se a pessoa que a formulou se identificou previamente (e o "quem fala?" é já um prenúncio do contrário). Caso contrário, a resposta correcta à pergunta “Quem fala?” não é, de certeza, “sou o Carlos” ou “é o Carlos”. É, tão simplesmente: “Quem fala e com quem deseja falar, se faz favor?”. Não há nada mais irritante do que receber um telefonema sem que a pessoa do outro lado tenha o bom senso e a boa educação de se identificar previamente. De resto, entre o “Sou o Carlos” e o “É o Carlos” prefiro, de longe, esta última. Correcta ou incorrectamente (já agora, estimo as melhoras da Manuela Moura Guedes).

2. Não gosto muito de “encarnado”. Nem de "vermelho". Mas quer-me parecer que “vermelho” é mais correcto.

3. E porque não falar do clássico "tenho um amigo meu"? (pleonasmo a que recorro, infelizmente, de vez em quando...)

4. E, como é: "de vez em quando" ou "de quando em vez"?

(e, agora, se me permitem, vou levar a filhota à natação)

segunda-feira, abril 26, 2004

RÁPIDO
Make it quick, Sara, make it quick.
CÂMARA-DE-ECO
The Hague's Perverted "Justice"
por Steven Vincent
"On March 31, the International Court of Justice (ICJ), located in The Hague, ruled in favor of suit brought by the Mexican government against the United States regarding Mexican nationals currently sitting on death row. If, like most Americans, you consider court rulings from The Hague about as relevant as the Eurovision song contest, consider the cases of two men, the first an American citizen, the second a Mexican.

In 1992, a Mexican judge sentence Chicago-born Alfonso Martin del Campo Dodd to 50 years in prison for the murder of his sister and her husband, despite the fact that the sole evidence linking him to the crime was his confession which a Mexican policeman admitted torturing him into signing. Dodd appealed his conviction, but four subsequent judges ruled that confessions extracted under torture are admissible as evidence. Perhaps an innocent man, the 39 year-old will spend the rest of his life in a Mexican jail.

In 2000, a Texas jury sentence Angel Maturino Resendiz to death for the 1998 rape and murder of a Houston physician. Resendiz, better known as the infamous "Railway Killer." rode the railways of America where he murdered at least nine people - often sexually abusing their dead or dying bodies - before turning himself into authorities in 1999. Many law enforcement officials believe that Resendiz may have killed nearly 200 others - making him the worst serial killer in North American history. He currently sits in a Texas penitentiary awaiting execution.

Given that Mexico is a country whose judicial system allows the torture of suspects and routinely considers a person accused of a crime guilty until proven otherwise, it is ironic - some would say outrageous - that the Vicente Fox government recently sought the annulment of Resendiz's conviction, along with that of 50 other Mexican nationals slated for execution in Texas and eight other U.S. states. More outrageous yet, Mexico nearly got the ICJ to agree with them.
In January, 2003, our southern neighbor instituted legal proceedings in the ICJ charging that the United States had violated the provisions of the 1963 Vienna Accord on Consular Relations, which, in part, requires arresting officials to notify foreign citizens that they have a right to contact their consulate. Specifically, the Fox government contended that had they known of the arrest of the 52 Mexican nationals (later reduced to 51), government officials might have gone to the defendants' trials and - so the implication went - perhaps prevented their conviction or at least their death sentences. Furthermore, Mexico argued, because the United States had failed in a timely fashion to issue the appropriate information, any statements the Mexicans made should not be admissible as evidence and their convictions voided.

On March 31, the ICJ ruled that the United States had indeed violated the Vienna Accord, but stopped short of overturning the Mexicans' convictions, ordering instead that American courts "review and reconsider" their cases. The Court also reiterated an earlier ruling that, pending this "review," Texas must delay the execution of two men, Cesar Fierro and Roberto Ramos, and Oklahoma halt the execution of one inmate, Osvaldo Torres Aguilera. More importantly, because the ICJ did not limit its ruling to the Mexican cases, or even to capital crimes, it essentially left a way for thousands of foreign inmates held in American prisons to reopen their convictions.

This is the third time in six years that the ICJ, which has no power to enforce its rulings, has reprimanded the United States for failing to observe the Vienna Accord, which Congress ratified in 1969. In 1998, Paraguay asked the court to stay the execution of one of its citizens, and the following year, Germany petitioned The Hague to prevent two brothers from receiving capital punishment. Both attempts failed.
Unless a Unites States federal court steps in, this latest ruling may experience a similar fate. "The ICJ has no standing with us," says Robert Black, a spokesman for Texas Governor Rick Perry. According to Black, because the Fierro and Ramos cases are still under appeal, there is no scheduled execution date. Not so with Torres Aguilera, notes Charlie Price, spokesman for Oklahoma Attorney General W.A. Drew Edmondson. He comments that, "Despite the ruling from the ICJ, Aguilera's execution by lethal injection will take place on May 18." This has particularly upset Mexican officials who take great pride in the fact that their country has not executed a civilian criminal since 1937.

Critics of the ICJ's ruling claim it is an unwarranted intrusion into the judicial sovereignty of the United States, and warn that the international body is gradually becoming a "court of appeals" that seeks to supercede the United States Supreme Court. Going further, law professors Eric Posner and John Woo wrote an April 7 op-ed article in the Wall Street Journal accusing the court of becoming a "forum for attacking the U.S. and its allies." Over the last 20 years, they note, the ICJ has heard challenges to American policy from Nicaragua, Libya, Serbia and Iran. The court, they contend, "has rendered itself irrelevant to international relations."

Those opposed to the United States' position argue, in part, that because the Mexicans lacked sufficient knowledge of English and/or the American court system, their trials were inherently unfair - an argument that American officials vehemently contest. "They received all the protections of the U.S. Constitution," argues Jerry Strickland, spokesman for Texas Attorney General Greg Abbot. Moreover, a check of the backgrounds of many of the death row felons shows they were anything but confused aliens who drifted into the country, only to become ensnared by the law.
For example, Resendiz, who spoke fluent English, had crossed in and out of the United States a dozen times beginning in 1979, while his criminal record even before his string of murders included brushes with the law in eight states. Jose Medellin, who in 1993 kidnapped, raped and strangled a 16-year-old girl, had lived in the United States since he was six "and spoke good English," says Harris County, Texas, Assistant District Attorney Roe Wilson. She adds that the same holds true for Edgar Tamayo, who in 1994 shot a Houston policeman in the back of the head. As for Torres Aguilera in 1993, the then-18-year-old used a Tec-9 (a 9mm semi-automatic pistol) to shoot an Oklahoma City couple in their bed with their children watching - it has been noted by spokesman Charlie Price that Aguilera arrived in the United States in 1975, when he was five years old.

Still, as heinous as the crimes may be, the Constitution states that treaties "made under the authority of the United States, shall be the supreme law of the land; and the judges in every state shall be bound thereby."Moreover, some legal experts maintain that should the United States refuse to reconsider these death penalty cases, it will violate at least three international treaties, including the United Nations Charter. At a time when America is desperately looking for allies in the world, they question if can it afford not to accede to the ICJ's demands. Minneapolis attorney Sandra Babcock, who pioneered the use of the Vienna Accords to defend her clients, even suggests that police should read foreign detainees the treaty along with their Miranda Rights.

Meanwhile, in another ironic twist to the controversy, citizens in the central state of Mexico, considered a bellwether for Mexican politics, went to the polls in February, 2003 to vote on a non-binding referendum regarding capital punishment. Despite Mexico's long-standing opposition to executing felons, more than 85 percent of the voters felt that the state should apply the death penalty to prevent soaring crime rates. Appalled by his constituents' demands, President Fox immediately condemned the results and reaffirmed his opposition to capital punishment. "Democratic countries (that uphold the) dignity of people," he claimed, "don't believe in the death penalty." Apparently, Fox's notion of dignity does not extend to suspects tortured into making confessions and then railroaded through the Mexican court system.

ICJ - take note.”


in FrontPageMagazine.com | April 26, 2004

PELA MANHÃ, A LUZ
Do leitor António “Nestum Com Mel”:

”Caro MacGuffin:

Achei muito bem a transcrição da crónica do dr. Vasco Pulido Valente no seu blogue, sem nenhum comentário adicional porque o que é perfeito não se comenta: estampa-se e pronto. Sem mais. Gostei sobretudo do pormenor da fotografia do santo no fim, como uma singela homenagem do seu fiel seguidor. Aliás, gosto de visitar o contra-a-corrente com a mesma curiosidade de quem bate palminhas numa sala enorme e vazia para lhe perceber a reverbação: o MacGuffin lê os blogues predilectos com uma atenção que eu invejo -- desde pequeno que tenho falhas de concentração -- e depois regozija, dá cambalhotas, salta os sofás, calculo que abrace os vizinhos de lágrima pendente do canto do olho e então escreve sobre o que leu, carimba a genialidade da coisa, deixa o link. Depois escreve também e, enquanto escreve, imagina os acenos afirmativos das cabecinhas inteligentes e adoradas dos seus leitores bloguistas preferidos. Se alguma vez decidir mudar de nome ao blogue, câmara-de-eco não é mau (não, não, ora essa, fique com os direitos da autoria do nome).

Para terminar, aconselhá-lo-ia a consultar o seu ortopedista: é que, pelo que deduzo, as lentes grossas que usa para filtrar e converter a realidade e não ser ferido com cores que não quer que façam parte do espectro, devem ser muito pesadas; somando a elas o peso das certezas todas que já carrega -- tenha calma, caro MacGuffin, é ainda muito novo, abarque uma certeza de cada vez --, receio que a sua estrutura óssea, daqui a cinquenta anos, lhe torne as mudanças de estação particularmente dolorosas.

António.


Comentário:
Há pessoas que nos despem mentalmente. Há pessoas cuja sagacidade e poder de análise «do outro» permitem tornar transparentes anos e anos de opacidade e de evasivas mais ou menos disfarçadas. Quanto a isso, nunca tive ilusões. Sabia que, mais dia, menos dia, um desses sábios iria cruzar o meu caminho e dizer: “chegou a tua vez”. Esse momento e essa pessoa chegaram, numa bela manhã de Primavera. Mesmo à distância, caro António, você percebeu tudo. O que diz muito de si e da sua capacidade de julgar os outros. Agora que li a sua missiva, devo confessar-lhe que me sinto aliviado. Se calhar de forma inadvertida, o amigo António abriu-me uma janela: a que me permite desabafar aquilo que tentei esconder, dos outros e de mim próprio, durante anos. Já que me dá essa oportunidade, permita-me, então, que confesse tudo.

Sim, é verdade: não passa uma semana sem que a minha filha, de sete anos, admoeste o comportamento infantil que me leva a fazer as mais patética figuras. A reprimenda coincide, quase sempre, com as sextas-feiras e o fim-de-semana. A razão é simples: às sextas sai o Independente; sextas, sábados e domingos tenho o Vasco Pulido Valente; sábado o João Pereira Coutinho e a Helena Matos; domingo o António Barreto. A oferta é farta e conduz ao delírio. Muita cambalhota e muito salto tenho eu dado à conta destes cronistas, que há anos tento seguir e imitar (no estilo e no conteúdo). O espectáculo é de tal forma estapafúrdio, e, em boa verdade, patético, que chega para aborrecer uma criança. Repare: uma criança, ou seja, uma criatura que está habituada ao burlesco, a palhaçadas, cambalhotas e pinotes. Para a minha filha, tornei-me numa espécie de palhaço cabotino – sem piada, previsível e maçador. “Pai, lá estás tu outra vez!”. Uma vergonha, caro António, uma vergonha!

E a coisa tem dado chatices. No ano passado, por exemplo, num voo entre um dos sofás da sala e a chaise longue, a meio de um parágrafo da autoria de Maria Filomena Mónica, fui aterrar com o maxilar inferior na mesa da sala. Resultado: seis pontos no queixo e uma cicatriz para toda a vida. A mente é de tal forma doentia que, de cada vez que a observo (à cicatriz), penso para comigo: são estas as marcas de que um homem se deve orgulhar! A vizinhança, coitada, essa foge de mim como o diabo da cruz. Eu finjo que não os oiço, mas raras são a vezes em que não me chegam aos ouvidos os ecos de um esclarecedor “aí vem o chato do 2.º esquerdo!”. Mas o pior mesmo é a forma como me tornei dependente da minha própria vaidade: o facto de pensar que, ainda que ocasionalmente, algum desses geniais articulistas possa ler as minhas elecubrações, dá-me ensejo e enche-me o ego de forma pornográfica. Esse é, aliás, o meu jackpot onírico: o de um dia saber que fui reconhecido e apreciado por quem venero e sigo canideamente. Por enquanto, contento-me com os milhares de fãs que fui angariando nesta câmara-de-eco (bem posto, o nome).

Tenho consciência do meu problema. Mas tenho uma esperança: a de, com a idade, chegar ao patamar que agora acolhe o caro António, e que me vai permitir concluir, como um dia escreveu Vasco Pulido Valente (está a ver? Não consigo resistir!): tão absurdo que eu era em 2004.

Caramba, António: você topou-me!

sábado, abril 24, 2004

APESAR DE
A Sara aconselha-me a abandonar a palavra “posta”. Não vejo porquê. No Aurélio:

posta S. f. 1. Pedaço de peixe. 2. Pedaço, talhada. 3. Fam. Emprego rendoso. 4. Bras.Pessoa moleirona. Posta de sangue. Porção de sangue coalhado. Arrotar postas de pescada. Fam. Jactar-se, vangloriar-se, arrotar. [Do it. posta] S. f. Posto de parada outrora situado nas estradas, de espaço a espaço, onde se efectuava a muda dos cavalos das diligências e outros veículos, ou do serviço do correio. 2. O correio e (ou) sua administração.

Como vê, querida, faz todo o sentido. Eu, pelo menos, passo a vida a arrotar postas de pescada neste blogue.
O PAÍS

Corrupção
por Vasco Pulido Valente
"Com a detenção de Valentim Loureiro voltou a ladainha: «O futebol é um mundo à parte.» Ah, sim? E à parte de quê? À parte da política, da administração, dos negócios, do espectáculo, da saúde, da própria justiça? Com certeza que há em Portugal maravilhosos «mundos», em que a lei impera e que são regidos por uma meticulosa honestidade. Ninguém os conhece, ninguém, por acaso ou fugazmente, passou por eles, mas que existem esses paraísos, refulgindo com modéstia em regiões perdidas da nossa consciência e da nossa vida, lá isso existem. Têm de existir. Não se está mesmo a ver? Francisco Sarsfield Cabral, reflectindo anteontem sobre o caso, chegou surpreendentemente a uma tese pessimista: não se está a ver. A corrupção já se tornou, segundo ele, um «dado normal». Como os que julgam o futebol «à parte», não quero desiludir o bom Francisco. Infelizmente, não me lembro de um único regime, desde o fim do século XVIII, em que a corrupção, essa terrível novidade de hoje, não fosse também um «dado normal». Era um «dado normal» na Monarquia Absoluta, no Liberalismo, na República e na Ditadura. As tabernas da Ribeira, o Marrare do Polimento, o Grémio Literário, os cafés do Rossio e os discretos retiros do Estado Novo estiveram sempre cheios de patriotas com angústia: «Tudo podre, tudo podre!», diziam eles. «Francamente não sei onde isto vai parar.» «Isto» foi andando e foi parar aqui, a 2004, com o futebol «à parte» e o resto exactamente como o futebol. Um país pequeno, íntimo e pobre, com um Estado omnipotente e uma burocracia tropical, segrega corrupção. Se calhar, não funcionava sem corrupção: já alguém pensou nisso? Concordo que nos falta uma grande dose de ética protestante (não católica, por amor de Deus); e polícia e um sistema judicial decente. De qualquer maneira, não acredito que as coisas melhorassem."

in Diário de Notícias


sexta-feira, abril 23, 2004

ALBERTO
Genial! (com g e sem r)
FRIENDLY MAIL
De Ivo Veiga:

”Caro Carlos

O post sobre a Virginia Astley empurrou-me para este e-mail. Visito, frequentemente, o "Contra" com grande prazer. Mas devo reconhecer que as suas referências musicais são um verdadeiro suplício. Como estive mais de uma década afastado da audição de música pop (ok, concedo que o termo é demasiado ambíguo), entregando-me às delicias do jazz e da música clássica, a minha memória resolveu vingar-se e atormentar-me com lembranças desse género musical. O actual revival dos anos 80 acentua o terror. Trata-se, obviamente, de má consciência. Afinal vendi todos (muitos...) os meus vinis e cassetes adquiridos entre 82 ("Movement" dos New Order) e 88 ("Daydream Nation"). Estranhará este desabafo, já que não me conhece. Mas o Carlos, ao fazer, por diversas vezes, esses exercícios de memória musical, tem contribuído para que a minha própria memória se torne mais insidiosa e insistente. Por isso, por favor, pare. Ou então passarei e enviar-lhe as despesas da Amazon. Só esta semana vieram: "Seven Songs" 23 Skidoo; "Sulk" Associates; "To each" A Certain Ratio; "Desire" Tuxedomoon ( estes dois últimos nas recentes reedições)

Um abraço

Ivo Veiga

PS: Concordo consigo: o "LC" é um grande, grande disco.(…)”


Meu caro Ivo: se eu fosse mauzinho, punha-me agora a lembrá-lo do The Queen Is Dead, do Surfer Rosa, do Closer, do Violent Femmes, do Liberty Bell And The Black Diamond Express, do Born Sandy Devotional, do Forever Breathes The Lonely Word, do Rattlesnakes, do Crazy Rythms, do Hats, do Loveless, do Bad Moon Rising ou do If I Die I Die. Mas não o vou fazer. Não quero, de forma alguma, apoquentá-lo.
ANDAR A PEDI-LAS
O JMF não gostou da Bíblia, perdão, do livro Impasses. Quem diria?! Apesar de atordoado com tamanha surpresa, reparo que, en passant, JMF atira-me com um muito bem disfarçado “bardamerda”, que eu, humildemente, aceito. Tenho andado a pedi-las.

quinta-feira, abril 22, 2004

ESCUTO
From Gardens Where We Feel Secure, da senhora Virginia Astley. Decorria o ano de 1983. O ano de "This Charming Man" dos The Smiths, "Treeless Plain" dos Triffids, "Live At The Venue" dos Durutti Column e "Cattle & Cane" dos Go-Betweens. Old times...

SE NÃO OS PODES VENCER, JUNTA-TE A ELES
A minha contribuição para a lista de vocábulos e expressões a erradicar sumariamente (por ordem crescente de intolerância):

5. “Olá, tudo bom?

4. “- Tem aqui o café”, “- Obrigadinho

3. “Efectivamente

2. “Isso não tem nada a ver

E, os vencedores (ex aequo):

1. “Adeus. Fica bem” e "Eles hádem votar"
TODO O CUIDADO É POUCO
Agora que foi constituída uma autêntica brigada dos bons costumes, aplicada à escrita, todo o cuidado é pouco na hora de escrever um simples vocábulo. Há mais de um dia que ando para escrever qualquer coisita minimamente interessante (coisa difícil, hoje em dia) mas hesito perante a perspectiva de seis olhinhos (2 + 2 + 2) a dissecar, letra a letra, qual espada de Dâmocles, os textos deste iletrado que, do Alentejo profundo, vos escreve (lá está: “perspectiva” e “dissecar”...). O estilo é, verdade seja dita, bem melhor que o dos marretas do "Disse...?", no extinto Acontece. Ainda assim, não sei o que faça. Estou seriamente (“seriamente” também não está bem, pois não?) a pensar desistir do blogue, para me dedicar à pesca. Sim, que o Alentejo também tem mar. Seja como for, arrisco o salto, não sem antes rezar para que as críticas não sejam severas. Prometo ser breve.

Há três dias que o habitáculo do meu carro faz as delicias do cinéfilo que há dentro de mim. Escuto, em declarado arrebatamento de sentidos, as composições de Herrmann para os filmes de Hitchy, nomeadamente a saber: The Man Who New Too Much, The Trouble With Harry, Vertigo, North By Northwest, Psycho e Marnie. Eis a pergunta: tirando a wonder-team Michael Powell/Emeric Pressburger, alguém consegue encontrar, na história do cinema, uma associação de cabeças mais profícua ("profícua"?) e genial que a de Hitchcock, John Michael Hayes (ou Lehman) e Herrmann?


terça-feira, abril 20, 2004

A LINDINHA TAMBÉM TEM UM BLOGUE
Batukada!
SARA: QUERES CASAR COMIGO?
Este blogue é muito, muito giro. E interessante. Apesar de...
APRENDE QUE ELA NÃO VIVE SEMPRE
Há dias, escrevi: “Dershowitz conclui que o assassinato selectivo e orquestrado de judeus...”. Hoje, o Bomba Inteligente, na posta Expressões e palavras a abandonar, escreve: “O substantivo assassinato: porque será que temos de ir buscar ao inglês o nosso assassínio?” Toma lá que é para aprenderes, Mac. Obrigado, Charlie.

PS: já rectifiquei.
MY MAN VALENTIM IS IN DA HOUSE, YO!
No Público:

"Valentim Loureiro, antigo presidente do Boavista, foi detido para interrogatório no âmbito da operação "Apito Dourado" da PJ, juntamente com mais 15 pessoas, no âmbito de uma investigação sobre a existência de tráfico de influências na arbitragem e falseamento de resultados desportivos.

O advogado e antigo presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) disse que acompanhou Valentim Loureiro na qualidade de seu advogado e amigo pessoal, acrescentando que o autarca e dirigente desportivo compareceu na PJ "de livre vontade". "Ele está calmo, tendo em conta as circunstâncias", afirmou Lourenço Pinto, adiantando não ter ficado surpreendido com a operação da PJ: "Na circunstância actual portuguesa, não me surpreende nada", sublinhou.

Segundo o advogado, ainda não é certo se Valentim Loureiro ficará ou não detido. "Não sei se ele vai ficar detido ou não. Sempre que há um processo as pessoas aguardam. Tudo depende do desenrolar normal da justiça. Quando todos os elementos estiverem reunidos, Valentim loureiro será ouvido pelo juiz", disse ainda."

PS: é impressão minha, ou estas operações têm que ter sempre uma designação pirosa?

DESONESTIDADES, SEGUNDA PARTE
O Cruzes Canhoto desafia-me: “[desafio o MacGuffin] a descobrir algum caso em que uma destas instituições não fizesse a distinção entre os dois tipos de assassínios.”

Resposta do MacGuffin: o Cruzes, como leitor de boa literatura, saberá perfeitamente que mais importante do que aquilo que se diz é aquilo que não se diz.

Depois, tem razão o Cruzes quando acusa Dershowitz (que ele apelida carinhosamente de “Derswhovito”) de falta de imaginação. O mesmo mal, aliás, de que eu padeço.

Uma coisa é certa: o Cruzes deixa no ar uma dúvida e uma certeza.

A dúvida, diz respeito à frase “Israel está a ocupar ilegalmente há décadas território palestiniano (a "ínfima" parte de 30%).” Seria bom que se explicasse melhor. Por exemplo, que território é esse que Israel ocupa ilegalmente (qual a sua extensão e localização), e a que se referem os 30%. Pode até ser que as suas contas batam certas com as minhas.

A certeza: no seguimento do “mais importante do que aquilo que se diz é aquilo que não se diz”, sabemos agora que, de futuro, sempre que o Cruzes Canhoto apontar, com o rigor e o poder de documentação que se lhe reconhesse, os excessos, a injustiça e a violência israelitas dirigida aos palestinianos, fará também o favor de enunciar, também no mesmo texto, os excessos, a injustiça e a violência dos palestinianos para com os israelitas.

PS: e o Cruzes volta a ter razão numa coisa: aquele exemplo/comparação com os guardas de Auschwitz, avançado por Dershowitz, não foi muito feliz. Mas nada que se compare com a infelicidade da frase “Sem reparar que os guardas deste "Auschwitz" são de nacionalidade israelita e religião judaica”. Andamos muito saramaguianos, meus amigos...
MAIS UM QUE NÃO LEU O LIVRO
Escreve o João, no seu Terras do Nunca: “Anda aí um argumento no debate iraquiano que me encanita especialmente. A má-fé.
A coisa nasceu no já famoso livro Impasses e resume-se, rodeios à parte, à ideia de que quem critica Bush fá-lo por má-fé. Fica implícito que os outros, os que apoiam Bush e a guerra, estão no debate de boa-fé.
Para este tipo de argumentação só tenho uma resposta: bardamerda.”


Ó João: tens razão quanto ao "bardamerda" para esse tipo de argumentação, mas, rodeios à parte, esse teu post é uma bela merdinha (não te preocupes, acontece o mesmo com algumas das minhas postas). Toda a gente sabe que a má-fé não escolhe idade, género ou campo ideológico. E, de uma vez por todas, o livro não defende que todos os que estiveram contra a intervenção estiveram de má-fé, nem sequer insinua que todos os que estiveram ao lado da intervenção o fizeram de boa-fé.
SHAME ON YOU, MR. MOORE!
Há vaga no Júlio de Matos?


DOIS PEQUENOS COMENTÁRIOS
1. Era para ser em Junho, aquando da transferência do poder para os iraquianos. Depois, só se a ONU não tomasse conta da ocorrência. Agora, é para já. Diz Zapatero que cumpre «promessa eleitoral», aventada há cerca de um ano – como se as promessas eleitorais fossem vitalícias e independentes dos acontecimentos e da evolução do mundo. Pelo meio afirmou que queria retirar a Espanha da fotografia dos Açores, um mimo indirecto a Portugal que não suscitou um décimo da celeuma suscitada pelas «gravíssimas» declarações de Durão Barroso sobre a decisão de Zapatero. Em política, não basta ser. Com este ziguezaguiar, Zapatero revela-se um político fraco e mesquinho. Continua convencido de que ganhou as eleições porque prometeu retirar as tropas, há um ano atrás. E acha que, com esta decisão, já pode dormir descansado. Nem sequer se apercebe que a sua decisão vem, por coincidência, no seguimento do ultimato feito pela al-Qaeda aos países europeus - um ultimato a todos os níveis insultuoso. Em suma, Zapatero esqueceu o que disse, em relação a 30 de Junho, e esqueceu o que disse sobre um futuro papel das Nações Unidas. No meio dos discursos sobre o «direito internacional», Zapatero está-se nas tintas para a resolução 1483 da sua querida ONU. Por último, Zapatero deixa no ar a ideia de desertor (se, daqui a um mês, a ONU voltar ao Iraque, Zapatero mandará regressar as suas tropas?) e de quem está disposto a ceder, em troca de uma paz cuja duração e natureza ninguém conhece. Em poucos dias de mandato, é esta a obra de Zapatero. Temos, por isso, homem.

2. Via Miniscente, deparo com esta preciosidade:

(extracto da entrevista a Omar Bakri Mohammed, “teórico da al-Qaeda”, publicada ontem no Público)
”- Como sabemos que um atentado é realmente da AI-Qaeda?
- É fácil. Em primeiro lugar são sempre operações em grande escala. O texto divino é claro quanto à necessidade de provocar "o máximo dano possível". O operacional tem portanto de certificar-se de que mata o maior número de pessoas que pode matar. Se não o fizer, espera-o o fogo do Inferno. Em segundo lugar, a Al-Qaeda deixa sempre uma impressão digital: uma pista, como um carro com um Corão ou uma cassete, para ser encontrado pela Polícia. Terceiro, os ataques são feitos em dois ou três lugares ao mesmo tempo. Finalmente, a linguagem. Nos comunicados, basta ler uma frase para se reconhecer o seu rigor teórico: não há nenhum sinal de nacionalismo, não se dizem árabes, nem palestinianos, apenas muçulmanos. Falam sempre do martírio, da morte.
- O que pretende a Al-Qaeda?
- O terror. Estão empenhados numa jihad defensiva, contra os que atacaram o Islão. E a longo prazo querem restabelecer o estado islâmico, o califado. E converter o mundo inteiro.”


Acrescenta o Luis: ”Este mártir retórico vive pacificamente em Londres e goza das liberdades concedidas pela democracia. E lá vai dizendo estas barbaridades.”

Numa altura em que Bin Laden, do alto da sua arrogância e do seu fanatismo criminoso, faz saber que se os meninos europeus se portarem bem não levarão tau-taus, seria bom que, a ocidente, deixássemos de lado a tibieza e os paninhos quentes à la Soares. Por uma vez, seria bom que o mundo livre (ou o que resta dele) se aliasse a uma só voz e ripostasse sem misericórdia e contemplações. Os inimigos dos nossos amigos não são nossos inimigos? Somos aliados, ou nem por isso? Parece que «nem por isso». O eixo franco-alemão já ditou a ordem de trabalhos: para se afirmar, a Europa tem de se revelar como «alternativa» aos EUA e evitar, a todo o custo, o «seguidismo». Tem, se necessário, de bater o pé. No limite, ser contra. Com esta estratégia – a qual, para além de ingénua e suicida é, igualmente, reveladora de uma enorme ingratidão - tem-se aberto a porta ao pior cinismo, à mais gritante tibieza e a um populismo de quem já percebeu que esta ideia de ser «alternativa» aos EUA, com direito a «guerrinha de nervos», anima as franjas políticas mais radicais que, com o passar dos anos, se vieram a revelar utilíssimas na conquista de votos ou na feitura de coligações ad hoc.

É perante este cenário que Bin Laden tem o desplante de nos insultar a todos (pelos menos aos que têm memória), dizendo que, como está bem disposto e a vidinha lhe corre bem, poderá vir a poupar os países europeus, embora nunca os EUA e Israel, assim eles se portem bem – leia-se: deixem de pisar solo «muçulmano». O que faz a Europa? O que dizem os membros da aliança atlântica? A maioria cala-se, uns desertam e outros assobiam para o lado. Certo é que todos, à excepção de uns «tontos» e «mentirosos», tentam distanciar-se assepticamente do grande Satã e do texano idiota. Bin Laden aplaude e vê ali um filão inestimável para a sua nova estratégia: dividir para reinar.

É como diz o João: “a «proposta» de Osama é um insulto, sem dúvida. Mas é também o retrato. O nosso retrato. O retrato da insofismável miséria onde fomos afocinhando sem retorno.”
OPINIÃO PÚBLICA
Escreve o Paulo, n’ O Acidental:

“Acabo de ouvir uma bancária de 65 anos no Opinião Pública da SIC a solidarizar-se com o gesto de Zapatero ao mandar retirar as tropas espanholas do Iraque. A senhora, julgo que se chamava Cecília, acrescentava: "posso prever que a Europa se vai superiorizar aos Estados Unidos". Fiquei mais descansado quando, poucos segundos depois, a dona Cecília informava que já tinha visto uma nave espacial e que nós não estamos cá sozinhos.
Mais descansado fiquei com o resultado final da "sondagem" do Opinião Pública: 56 por cento consideram que a deserção de Zapatero foi uma cedência aos terroristas, enquanto 44 por cento dizem que não foi. OK, afinal nem todos andam a ver extraterrestres.”


John Lukacs, de quem ando a ler um delicioso e absolutamente obrigatório “Five Days in London, May 1940” (Yale University Press, 2001), alerta precisamente para a diferença entre “opinião pública” e “sentimento popular”. Escreve Lukacs: “aquilo que é publico não é necessariamente popular, e opinião não é necessariamente a mesma coisa que sentimento. Há muitos exemplos na história, e não menos na história das democracias, em que a opinião pública e o sentimento popular não só são diferentes como frequentemente divergem. No Sec. XIX, a opinião pública era a opinião das classes média e alta, apesar de gradualmente a classe operária se ter tornado uma leitora de jornais e ter passado a votar.” Querem melhor exemplo do que o caso Howard Dean na corrida à candidatura democrata para as eleições norte-americanas?

Outra diferença, escreve Lukacs, é entre conhecimento e compreensão. De acordo com a lógica, a compreensão é não só o resultado do conhecimento, como o seu corolário. Mas, como dizia Pascal, “nós compreendemos mais do que sabemos”. Existem muitos casos em que a compreensão precede o conhecimento. Mais: é a compreensão que conduz ao conhecimento. Lukacs dá como exemplo o período de Maio de 1940, na Grã-Bretanha. Muitos britânicos entendiam e compreendiam coisas sobre as quais não tinham conhecimento (Rumsfeld, anyone?). Ou compreendiam coisas sobre as quais nem sequer queriam pensar, apesar de terem capacidade para o fazer.

Seja como for, e ao contrário do que por aí se apregoa, isto da «opinião pública» não é assim tão certo, e mal vai o político que navegue ao sabor da dita.

segunda-feira, abril 19, 2004

INSISTIR NO ERRO
No Cruzes Canhoto insiste-se no erro. De interpretação, entenda-se. Como hoje estou particularmente magnânimo, faço um derradeiro esforço para explicar o meu ponto de vista, repetindo novamente o que escrevi:

“O Cruzes Canhoto é livre de insinuar, ou afirmar, que os judeus (ou certos judeus) são racistas para com os palestinianos. Mas negar, ficar incomodado ou achar hilariante que um judeu relate o contrário, dando como exemplo aquilo que foi um gritante e brutal acto de racismo por parte de um grupo de radicais palestinianos contra um judeu, ou, ainda, que o anti-semitismo é, ele próprio, uma forma de racismo, já me parece um caso de ignorância ou de má-fé.”

Eu nem sequer vou entrar em discussão sobre a veracidade das notícias que constam no ‘post’ do Cruzes. A questão é outra (e desculpem o narcisismo da repetição): “negar, ficar incomodado ou achar hilariante que um judeu relate o contrário, dando como exemplo aquilo que foi um gritante e brutal acto de racismo por parte de um grupo de radicais palestinianos contra um judeu, ou, ainda, que o anti-semitismo é, ele próprio, uma forma de racismo, já me parece um caso de ignorância ou de má-fé”. O que eu critiquei foi a forma sobranceira como o Cruzes Canhoto considerou "hilariante" (subgénero “absurda”) a insinuação de que os árabes mais radicais e os grupos terroristas palestinianos são racistas em relação aos judeus. Isso, meus caros, é notório e já vem de longe.

Dito de outra forma: Alan Dershowitz é ou não livre, e tem ou não tem razão, em relatar actos de racismo e violência gratuita de palestinianos contra civis inocentes israelitas? Por muito que custe ao Cruzes Canhoto, eu acho que sim e que sim. Pura e simplesmente porque as notícias e os factos não se anulam uns aos outros. O relato de uns não nega automaticamente a existência de outros de sinal contrário. Achar hilariante que Dershowitz o faça é, desculpem a franqueza (ou será fraqueza?), intelectualmente desonesto.

Perceberam agora? Obrigado.
RECOMENDAÇÕES (APONTA AÍ, RICARDO!)

The Dining Rooms “Tre”




Forss “Soulhack”




Boozoo Bajou Remixes


sábado, abril 17, 2004

SAUDADES
A querida Ana falou no "bom velho gang do Pastilhas". E eu senti umas saudades...

PS: E parabéns!!!
BRASIL
O Francisco conta-me que viu o Isaiah Berlin em tradução local na lista dos mais vendidos na Livraria Civilização Brasileira, em Salvador. Em Portugal, traduziu-se unicamente "The Proper Study of Mankind", que resultou em dois volumes intítulados "A Busca do Ideal" e "A Apoteose de Vontade Romântica" (editorial Bizâncio, colecção Leviatã, dir. João Carlos Espada, trad. Teresa Curvelo). Há dias vi um deles à venda numa feira do livro, animada por «fundos de catálogo», por 3 euros. Não creio que alguma vez tenha constado na lista dos mais vendidos.
IRONIA, A FINA

racismo. [de raça + ismo] S. m. 1. Tendência do pensamento, ou modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas. 2. Qualquer teoria que afirma ou se baseia na hipótese da validade cientifica do conceito de raça e da pertinência deste para o estudo dos fenómenos humanos; 3. Qualquer teoria ou doutrina que considera que as características culturais humanas são determinadas hereditariamente, pressupondo a existência de algum tipo de correlação entre as características ditas «raciais» (isto é, físicas e morfológicas) e aquelas culturais (inclusive atributos mentais, morais, etc.) dos indivíduos, grupos sociais ou populações. 4. P. Ext. Qualquer doutrina que sustenta a superioridade biológica, cultural e/ou moral de determinada raça, ou de determinada população, povo ou grupo social considerado como raça. 5. Qualidade ou sentimento de indivíduo racista; esp., atitude preconceituosa ou descriminatória em relação a indivíduo(s) considerado(s) de outra raça.

No Cruzes Canhoto, como aqui, no Contra, a ironia é «muito lá de casa». Ainda bem. Repare-se no “[o MacGuffin] Mostrando mais uma vez o seu impecável sentido de humor “… dirigido a moi même. A razão? Simples: foi aqui transcrito o artigo de um senhor chamado Alan M. Dershowitz (um judeu), onde se relatava o assassinato premeditado e cirúrgico de um judeu, enquanto fazia jogging, pelas brigadas de Al-Aqsa, só porque esse jovem era judeu (como refere Dershowitz, a Al-Aqsa “sent the assassin to murder a Jew – any Jew, so long as he was a Jew”). Dershowitz conclui que o assassínio selectivo e orquestrado de judeus apenas pelo simples facto de serem judeus - levado a cabo por “terroristas palestinianos” (Dershowitz refere-se, mais do que uma vez, aos “terroristas” e ao “terrorrismo” palestiniano, e não aos palestinianos em geral) - é um claro acto de racismo.

É óbvio que uma afirmação destas cai profundamente mal em certos sectores da esquerda (e, provavelmente, da direita) porque os desfavorecidos, os pobres e os oprimidos –numa palavra: os fracos – nunca poderão ser racistas. Mais: o «racismo» não encaixa na temática das «causas» do terrorismo, porque as «causas» explicam tudo e tudo justificam. Daí a fina ironia aliada à latente «indignação».

E, neste caso, quais são as «causas»? A opressão sionista, a ocupação de uma ínfima parte da Cisjordânia por colonatos israelitas, o horrendo muro e as políticas de «segregação» israelitas. O facto de haver, nos países árabes, legislação que descrimina judeus (na Jordânia, por exemplo, existe um preceito legal que nega cidadania a “qualquer judeu”); o facto de, nesses mesmos países, se ensinar às crianças que os judeus são uma raça “a abater”; o facto de circular nos meios árabes o boato de que os judeus utilizam o sangue do sacrifício de bebés para cozinhar bolinhos; o facto de o Mein Kampf e os Protocolos (livros que, como se sabe, não incitam nada a sentimentos racistas) venderem que nem papo-secos no seio de certas franjas da sociedade árabe e nalgumas comunidades muçulmanas na Europa; nada disso impressiona a malta do Cruzes Canhoto.

Convém, por isso, dizer o seguinte: o Cruzes Canhoto é livre de insinuar, ou afirmar, que os judeus (ou certos judeus) são racistas para com os palestinianos. Mas negar, ficar incomodado ou achar hilariante que um judeu relate o contrário, dando como exemplo aquilo que foi um gritante e brutal acto de racismo por parte de um grupo de radicais palestinianos contra um judeu, ou, ainda, que o anti-semitismo é, ele próprio, uma forma de racismo, já me parece um caso de ignorância ou de má-fé. Mas quem sou eu...

quinta-feira, abril 15, 2004

NOTICIA ABSOLUTAMENTE FANTÁSTICA
O homem está de regresso.

Weeeeeeeeeeeeeeeee!

quarta-feira, abril 14, 2004

DO TERRORISMO E DO QUE NUNCA SE OUVE FALAR

The Palestinians' Genocide Campaign
por Alan M. Dershowitz
”Recently, a young student at the Hebrew University was gunned down while jogging through a mixed neighborhood of Jews and Arabs in north Jerusalem. The Aksa Martyrs Brigade, a wholly-owned subsidiary of Yasser Arafat's Fatah movement, joyously claimed credit for the killing yet another innocent Jew.
When it was later learned that the jogger was a Jerusalem Arab and not a Jew, al-Aksa quickly apologized to the family, calling it an accident.
But the killing of the innocent young jogger was not an accident; the murderer had deliberately taken aim at his head and midsection, intending to end his life. The only thing accidental about the murder was the religion of the victim. Al-Aksa had sent the assassin to murder a Jew – any Jew, so long as he was a Jew.
This is racism, pure and simple. And despite efforts by supporters of Palestinian terrorism to justify the murder of innocent civilians as national liberation or by any other euphemism, this case proves that the Palestinian terrorists' targeting of Jews and only Jews – as many as possible – is little different in intent from other forms of lethal or exterminatory anti-Jewish murders. (I don't use the term anti-Semitic only because some Arabs claim that because they too are Semites, they can't be anti-Semitic.)

Obviously the numbers are different, because Israel is capable of defending its Jewish citizens, but if it were not, the goal of Palestinian terrorist groups would not be very different from that of previous groups intent on murdering as many Jews as possible.
The Web sites of various Palestinian terrorist groups proclaim – usually only in English and almost never in Arabic – that they have no quarrel with the Jews, only with the Zionists. Yet they target every Jew, regardless of his or her individual political views, and they apologize when they accidentally kill a non-Jew, regardless of his political views. The racist acts of these terrorist groups speak louder than their sanitized English-only anti-Zionist Web sites.
YET THE international community – including the UN, the Vatican, and the European Union – claims to see no difference between Palestinian terrorists who target random Jewish civilians and the Israel Defense Forces that target specific mass murderers, such as Ahmed Yassin. It's all part of a "cycle of violence" in which both sides are morally equivalent, according to the double standard consistently applied against Israel by people who should know better.
The preventive killing of the mass murderer Sheikh Yassin received much more negative attention from the moral leaders of these organizations than did the racist attack that accidentally killed the young Arab. This failure – or refusal – to distinguish murder based on religious affiliation from preventive self-defense based on past and future murderous acts is the height of immorality. It would be as if the soldiers who killed Auschwitz guards in the process of liberating the inmates were deemed morally equivalent to the Auschwitz murderers.

It should not be surprising that Palestinian terrorists employ racist criteria in selecting their civilian targets, since the entire goal of Palestinian terrorism is racist to its core. It seeks to deny the Jewish people the right to self-determination. Under their version of Islamic law, it is impermissible for Jews to govern any land that was once under Muslim control, and it is equally impermissible for a Jewish majority to govern a Muslim minority, namely Israeli Arabs.
The time has come for the international community to listen to what Palestinian terrorists say to their own people: that this is a racist struggle to ethnically cleanse all of Palestine, which includes Israel, of all Jews (except, they say, those Jews who lived there before 1917 and are willing to remain as a minority in a Muslim land).

The civilian targets are selected on a racist basis – all Jews are fair game, and if a non-Jew is killed, that is an unfortunate accident.
The terrorist killing of the young Jerusalem Arab student, coupled with the apology when it was learned he was not Jewish, was not only a tragedy for his family (which lost another member to a terrorist attack years earlier), but it is also a revealing episode in the history of Palestinian terrorism. All who hate racism should condemn the selective morality under which a deliberate Jewish civilian death is applauded and a deliberate Arab civilian death is regretted.
All deliberate targeting of non-combatants must be equally condemned. And the deliberate targeting of civilians based on their religion is to be especially condemned.”

in Jerusalem Post, 14-04-2004
REVISTA AOS BLOGUES
Rua da Judiaria: o Nuno casou-se. Felicidades aos noivos. E, by the way, a noiva estava linda.

Desesperada Esperança: compreendo o problema do Bruno. Servirá de consolo dizer-lhe que, em mais de cinco anos, a Spectator chegou atrasada à minha caixa postal em apenas duas ocasiões?

Homem a Dias: este bom homem não bloga há mais de 6 dias (uma eternidade inqualificável). Caso ele não dê sinais de vida nas próximas 24 horas, terei de reportar o caso às autoridades.

Dicionário do Diabo: voltou ao activo. E a falar de política. Até que enfim!

João Pereira Coutinho: o cronista do Expresso (arghh!!, nunca esperei dizer isto) também está de regresso. A coisa, finalmente, compõe-se.

The Hidden Persuader: mais um blogue interessante. Sobre "marketing, branding e afins".

terça-feira, abril 13, 2004

EU ADORO INSÓNIAS
Esta madrugada, lá terá que ser.


NABOKOV, VLADIMIR
"I was appealing to flesh, and the corruption of flesh, to refute and defeat the possible persistence of discarnate life. Alas, these conjurations only enhanced my fear of Cynthia’s phantom. Atavistic peace came with dawn, and when I slipped into sleep the sun through the tawny window shades penetrated a dream that somehow was full of Cynthia.
This was disappointing. Secure in the fortress of daylight, I said to myself that I expected more. She, a painter of glassy-bright minutiae – and now so vague! I lay in bed, thinking my dream over and listening to the sparrows outside: Who knows, if recorded and then run backward, those bird sounds might not become human speech, voiced words, just as the latter become a twitter when reversed? I set myself to reread my dream – trying hard to unravel something Cynthia-like in it, something strange and suggestive that must be there.
I could isolate, consciously, little. Everything seemed blurred, yellow-clouded, yielding nothing tangible. Her inept acrostics, maudlin evasions, theopathies – every recollection formed ripples of mysterious meaning. Everything seemed yellowly blurred, illusive, lost.”

The Vane Sisters in Collected Stories
HOBBES, THOMAS
“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser o seu representante), todos sem excepção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os actos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem os seus próprios actos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens.
É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido…

Mas poderia aqui objectar-se que a condição de súbdito é muito miserável, pois se encontra sujeita aos apetites e paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm nas suas mãos poder tão ilimitado. Geralmente os que vivem sob um monarca pensam que isso é culpa da monarquia, e os que vivem sob o governo de uma democracia, ou de outra assembleia soberana, atribuem todos os inconvenientes a essa forma de governo. Ora, o poder é sempre o mesmo, sob todas as formas, se estas forem suficientemente perfeitas para proteger os súbditos. E isto sem levar em conta que a condição do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra incomodidade, e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral, em qualquer forma de governo, é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompanham a guerra civil, ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor, sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar as suas mãos, impedindo a rapina e a vingança. E também sem levar em conta que o que mais impulsiona os soberanos ou governantes não é qualquer prazer ou vantagem que esperem recolher do prejuízo ou debilitamento causado aos seus súbditos, em cujo vigor consiste a sua própria força e glória, e sim a obstinação daqueles que, contribuindo de má vontade para a sua própria defesa, tornam necessário que os seus governantes deles arranquem tudo o que podem em tempo de paz, a fim de obterem os meios para resistir ou vencer aos seus inimigos, em qualquer emergência ou súbita necessidade. Porque todos os homens são dotados por natureza de grandes lentes de aumento (ou seja, as paixões e o amor de si), através das quais todo o pequeno pagamento aparece como um imenso fardo; mas são destituídos daquelas lentes prospectivas (a saber, a ciência moral e civil) que permitem ver de longe as misérias que os ameaçam, e que sem tais pagamentos não podem ser evitadas.”

in Leviatã 1651
PÔSTÁCLARO!

segunda-feira, abril 12, 2004

EU NÃO DIZIA?
...que ia valer a pena? O Paulo Pinto Mascarenhas fez o favor de traduzir um excerto de um artigo do sempre interessante e perspicaz Mark Steyn, na Spectator de sempre:

(10 razões adiantadas por Steyn para celebrar a intervenção das forças aliadas)

1) Saddam Hussein está na prisão, os filhos dele estão no "paraíso" e, das 52 cartas do baralho, todas, à excepção de nove, estão num ou noutro dos citados endereços.

2) As baixas na coligação em Fevereiro foram as mais baixas desde que a guerra começou.

3) Os ataques aos pipelines de petróleo no Iraque caíram em cerca de 75 por cento desde o passado Outono.

4) O fornecimento de água potável de antes da guerra - 12.9 milhões de litros - foi duplicado.

5) As cidades históricas a sul do Iraque, desvastadas por Saddam, estão a ser recuperadas, e dezenas de milhar de árabes regressaram às suas antigas casas.

6) Financiamento à saúde pública é 25 vezes maior do que no ano passado e as taxas de imunização infantil cresceram 25 por cento.

7) O único porto internacional iraquiano foi modernizado e pode agora receber grandes navios sem ter de esperar pelas marés. Há 100 vezes mais partidas diárias de aviões comerciais do que antes da guerra.

8) Frequência escolar subiu dez por cento em relação ao que era há um ano.

9) Apesar de, precisamente antes do início da guerra, Saddam Hussein ter libertado das prisões tudo o que era bandido, as autoridades reportam que o crime em Basra caiu cerca de 70 por cento.

10) A constituição interina no Iraque é a mais liberal do Mundo Árabe.

E o Paulo remata: "Satisfeitos? Ninguém está, mas alguma coisa já se fez." Contra tanta adversidade.
MAIS UMA VEZ, A MÁ-FÉ
Daniel Oliveira fez questão de comentar a minha alfinetada. Muito bem. Esclareceu alguns pontos (afirmando coisas que já tinha afirmado “milhares de vezes”), baralhou outros e, infelizmente, voltou à má-fé. Convém, por isso, comentar o comentário.

Daniel escreve que, entre outras coisas, eu:

1) “acreditei na existência de ADM’s”. Sim, acreditei. Hoje é muito fácil, retrospectivamente, dizer que não, que não havia uma só arma de destruição em massa. Mas tive sempre o cuidado de dizer que não achava as ADM’s o casus belli da intervenção;

2) “ defendi que democracia se podia implantar à bomba”. Lá está, mais uma vez, a má-fé: “a democracia implantada à bomba”. O slogan dramático, a tirada incisiva, a boca definitiva. Palmas, Daniel. Foi isso mesmo que eu quis: “a democracia implantada à bomba”. “P: MacGuffin, diga-nos, como é que quer que a democracia seja implantada no Iraque?”, “R: Ora.. deixa cá ver... já sei: à bomba”. É claro que retirar do poder um dos mais sanguinolentos ditadores do Sec. XX poderia ter sido feito com um convite, seguido de almoço de confraternização. E é claro que eu nunca escrevi isto, no resumo que fiz do ano 2003: “Não creio que o povo iraquiano e os seus potenciais e actuais representantes sejam particularmente estúpidos ou totalmente idiotas. Observá-los como um bando de «bárbaros» incapazes de evolução e de reorganização é sinal de arrogância e de comodismo retórico. Bem como de falta de conhecimento. Em boa parte do Curdistão, nas chamadas «zonas de exclusão aérea», sob controlo anglo-americano, foi possível, desde 1991, criar um sistema multi-partidário baseado em instituições que nos remetem para o sistema democrático as we know it(...). É óbvio que ninguém espera uma adaptação fidedigna de um modelo de organização política de tipo ocidental. Ninguém está à espera, nem sequer é essa a expectativa de quem está directamente envolvido no Iraque pós-guerra, de assistir a uma mimetização de sistemas e instituições (...). Entre o sistema ditatorial e despótico de Saddam e o modelo liberal ocidental vai uma enorme distância (...). Se assim é, existe um vasto leque de opções que poderão servir o povo iraquiano de uma forma como nunca o regime de Saddam o serviu, sem ser necessário entrar em histerismo quanto à perfeição e tipologia do sistema a implementar.” Para o Daniel, nada disto interessa. Mesmo que eu o tenha escrito e insinuado “milhares de vezes”.

De seguida, novamente o estilo Daniel Oliveira: “As coisas não aconteceram como ele esperava. De quem é a culpa? Nossa. Evidente, não é?”. Não, não é nada evidente. Só a má-fé pode levar Daniel a escrever isto. Nunca culpei o Daniel, ou o Barnabé, de nada. Mais uma vez uma insinuação mendaz e demagoga.

Daniel prossegue: “tenta colar-nos às forças xiitas”. Primeiro: eu escrevi “grupo radical xiita”. Ou seja, um “grupo”, uma “facção” e não “forças xiitas”. Entendo, se calhar ao contrário do Daniel, que aquele grupo não representa a totalidade dos xiitas, e muito menos o povo iraquiano. Segundo: não colei o Barnabé ou o Daniel às forças xiitas. Isso seria absurdo. Lá está: a má-fé, mais uma vez.

Outra nota do Daniel: “a culpa do que aconteceu em Madrid foi da Al Qaeda e contestei a distribuição de culpas para fora desta rede de organizações. Ao fingir que não, MacGuffin dá mais um exemplo de má-fé. Seja como for, comparar o que está a acontecer em Fallujah com o que aconteceu em Madrid, isso sim, é que me parece de um relativismo moral insuportável.” Insuportável não será o facto de Daniel, mais uma vez, insinuar que eu fiz uma comparação que não existiu? Daniel Oliveira não percebeu o que eu quis dizer, ou não quis perceber. Eu não comparei as causas e as razões que estão por detrás dos acontecimentos de Fallujah com o 11 de Março. São coisas distintas. O que eu contestei foi a forma como, a ocidente, se tenta escamotear a culpa de uns, transferindo-a para as costas de outros. O que eu critiquei foi a forma como, no 11 de Setembro, no 11 de Março e agora no Iraque se tenta inverter a razão das coisas, via relativismo moral, como se os culpados fossem as vitimas e vice-versa. Por muito que custe ao Daniel Oliveira, é isso que transparece das suas múltiplas crónicas sobre o assunto, em que Daniel enumera os revezes da coligação como se estivesse a provar e a amplificar "uma lição", uma espécie de "tomem lá que é para aprenderem". Dito de outra forma, seria impossível ver o Daniel a enumerar os avanços e o que de bom se construiu no Iraque.

A população iraquiana e as forças da coligação estão a ser vitimas da rebelião de um grupo de radicais xiitas que entenderam, desleal e perfidamente, desestabilizar a situação interna do seu país, agora que se estava a construir uma solução mais uma menos consensual sobre o futuro do Iraque. Infelizmente, não resta à coligação outro remédio senão lutar para neutralizar essa rebelião. Provavelmente, Daniel Oliveira esperaria que os EUA dessem a outra face e saíssem acabrunhados do Iraque.

O que nos remete para a sua última declaração: ele acha que a solução de “estabilização” passa pela retirada dos “mentirosos”, substituindo as forças da coligação por forças da ONU que sejam vistas pelos iraquianos como “forças de paz”. Santa ingenuidade! Forças da ONU? Quais forças da ONU? Vistas como forças de paz? Sérgio Vieira de Mello: dir-lhe-á alguma coisa? Certamente não dirá muito aos grupelhos radicais e aos terroristas que tentam incendiar agora, como no passado, o Iraque. Ah, pois: se os mentirosos para lá não tivessem ido...

domingo, abril 11, 2004

BARRETO, ANTÓNIO
"Sou de esquerda, detesto viver na desigualdade, abomino os privilégios de condição e desejo que as sociedades evoluam no sentido do aumento do poder dos que o não têm e da diminuição ou da contenção dos que o têm em excesso. Não tenho muito respeito pela direita portuguesa, que tão pouco contribuiu, no século XX, para a liberdade dos portugueses. Nem qualquer fascínio pelos ricos e poderosos nacionais, em cujos patéticos exemplos de sofreguidão, subserviência e autismo não é possível fundar um esforço de desenvolvimento. Mas não me reconheço nas políticas ditas de esquerda em vigor no meu país. Não partilho a sua agressividade boçal, nem a sua arrogância própria dos "moralmente superiores" e dos "intelectualmente dotados". Não me revejo na sua dúplice atitude ou na sua complacência criminosa diante da violência e do terrorismo. Não aceito a sua permanente vontade de gastar o que não se produz e distribuir o que não se poupou e lamento a sua confrangedora irresponsabilidade. Não me identifico com a sua viciosa propensão a recompensar a facilidade, a mediocridade e a aldrabice. Nem adopto a facilidade com que despreza o mérito ou é capaz de deixar entre parêntesis os direitos individuais. O que não me transforma em homem de direita."
BARRETO, ANTÓNIO
"Sou ocidental, considero que a dita civilização do mesmo nome é a principal obreira, nos tempos modernos, da liberdade e da dignidade do indivíduo, sendo também a que, nos últimos séculos, mais contribuiu para o desenvolvimento da cultura e das ciências. Penso também que, mau grado horrores recentes conhecidos, pertencem a essa área do mundo praticamente todos os exemplos de vida decente. Sei que esta civilização está sob ameaça séria, dos seus próprios defeitos, com certeza, mas sobretudo dos seus inimigos, que a querem simplesmente destruir e conquistar. Por isso estimo, há alguns anos, que muitos desses inimigos, nomeadamente os gangs milionários dos produtores e dos distribuidores de petróleo e de droga, assim como os ditadores cleptocratas, muitos deles socorrendo-se do fanatismo islâmico, estão a precisar de uma lição, tanto em termos políticos como militares e económicos. E sou de opinião que as organizações terroristas, islâmicas ou não, devem ser combatidas com todos os meios, sem misericórdia nem complacência. Mas não me revejo na campanha americana no Próximo Oriente, da Palestina ao Iraque, nos desastres provocados e na incompetência política manifesta. Nem na hipoteca israelita da política americana. Nem na inútil passividade das Nações Unidas. Nem na covarde chantagem de alguns países europeus, como a França e a Alemanha. E receio os resultados da catástrofe em curso: ao contrário do Vietname, onde só os americanos perderam, com o Iraque, Israel e a Palestina, entre outros, perderemos todos, especialmente os ocidentais. Espero que se ponha um termo à política belicosa do Estado de Israel e se crie um Estado independente da Palestina. Como desejo que os americanos, com a colaboração dos Estados ocidentais e europeus, corrijam radicalmente as suas estratégias actuais, vençam as guerras contra o terrorismo e derrotem os Estados, os partidos e os movimentos que, sobretudo no universo islâmico, põem em perigo o ocidente e impedem a paz no mundo. O que não faz de mim um agente dos americanos, muito menos anti-americano ou anti-ocidental.

Sou europeu, fujo de todos os reflexos patrióticos, abomino o nacionalismo como chaga maior da idade contemporânea e vejo a integração europeia não só como uma possível obra-prima da política internacional, mas também como uma imperiosa necessidade para o desenvolvimento e a segurança do meu país. Mas não me identifico com a obsessão integradora e federalista da maioria dos dirigentes europeus, com a voracidade dos dirigentes das grandes potências europeias e seus apetites de dominar esta comunidade de Estados e nações e capazes de, por um desenho abstracto e artificial, pôr em causa a União. Não me revejo no frenesim unificador dos europeus ou na destruição da diversidade, traço maior da política e da cultura europeias. Nem me reconheço na hipocrisia suicida de grande parte dos políticos europeus que, perante o terrorismo e as ameaças contra o mundo ocidental, escolheram a complacência e a cedência como estratégia da sua eventual salvaguarda. Considero-os, europeus de direita e de esquerda, tão responsáveis quanto os americanos na catástrofe iraquiana e no impasse palestino e israelita. O que não faz de mim um anti-europeu."

DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA
No último número da The Atlantic, sob o título "The Nation in Numbers - On The Money Trail", surge um artigo onde se analisa a proveniência dos donativos para as campanhas eleitorais dos candidatos democratas e republicano. No mesmo artigo, são apresentados dois mapas - um de Manhattan e outro dos EUA - onde se pode ver a distribuição espacial dos donativos de cada partido. Mais à frente, aparece um quadro com o top-ten dos contribuintes/doadores ("corporate and personal contributions of each institution") de cada candidato. Podemos ver, por exemplo, que a Enron Corp. foi a empresa de onde veio a maior contribuição para a campanha de Bush ($602.625); que John Edwards recebeu da Shangri-La Entertainment a módica quantia de $907.000; que o maior contribuinte para a campanha de Howard Dean foi a Time Warner ($73.636); que a Goldman Sachs Group contribuiu para todos os candidatos, à excepção de Al Sharpton; que John Kerry encontrou na Mintz, Levin, Cohn, Ferris, Glovsky and Popeo o seu maior contribuinte ($232.736) e que a maior contribuição da Harvard University foi para Kerry ($124.250 contra os $35.276 de Dean); e por aí fora. Todos os pormenores aqui.

E em Portugal? Talvez o Dr. Soares nos possa esclarecer sobre a diferença entre a nossa democracia e a plutocracia norte-americana ("plutocracia" que, como lembrou o Alberto, é o regime dominado pelo cão do Mickey).
ACIDENTALMENTE
Encontro (via um dos meus amigos que não me conhece) o blogue do Paulo Pinto Mascarenhas: O Acidental. Do que eu conheço do Paulo Pinto Mascarenhas, vai valer a pena seguir o blogue do Paulo Pinto Mascarenhas. Que se chama O Acidental.

sábado, abril 10, 2004

LARKIN

In times when nothing stood
but worsened, or grew strange,
there was one constant good:
she did not change.

2 March 1978


YOU MUST BELIEVE IN SPRING
Há discos assim, que nos encostam e nos «derrotam». Discos que nos empurram para fora do nosso comezinho e eufórico limbo existencial. Discos que nos devolvem sentimentos e sensibilidades “source inexhausted of all that’s precious in our joys, or costly in our sorrows”, como escreveu Laurence Sterne. Discos cuja melancolia se pega irremediavelmente. Discos de Outono no começo da Primavera. You Must Belive In Spring é Bill Evans no seu melhor. Um disco de intimidades e de grandes composições. “Like all great art, this music provokes a spectrum of emotions”, escreve Francis Davis. Ponto final.


A MÁ-FÉ SEGUNDO DANIEL OLIVEIRA
Na última edição do É a Cultura, Estúpido!, Daniel Oliveira, do alto do seu moralismo e da sua proverbial clarividência, deu a todos os presentes uma lição sobre o que é a má-fé. Alegou o Daniel que Fernando Gil e Paulo Tunhas, no livro Impasses, ao acusarem certos detractores da intervenção americana no Iraque de agirem de má-fé, foram eles próprios usuários dessa má-fé – argumento cuja originalidade a todos deixou boquiabertos.

É o mesmo Daniel Oliveira que, agora, de há uma semana a esta parte, tem tido sérias dificuldades em esconder a sua satisfação por putativamente ter arranjando mais uns quantos argumentos de peso que provam, à saciedade, o desnorte dos norte-americanos no Iraque e a falência da intervenção. Temos assistido, no Barnabé, ao Daniel em todo o seu esplendor: cascando nos norte-americanos e amplificando o revés da coligação, em jeito de I told you so cassandriano, naquele que é já conhecido como o Oráculo de Oliveira.

Que o exército da coligação esteja a braços com um grupo radical xiita, cujos meios e estratégia são dos mais atrozes, canalhas e desleais, contrários ao bem estar da população; que a coligação esteja em fase decrescente para entregar o poder aos iraquianos e esteja a trabalhar, com estes, no sentido de fazer do Iraque um país minimamente organizado; que o pior que poderia acontecer ao Iraque seria a retirada das forças da coligação; e que, finalmente, o Iraque não virou, de um dia para o outro, um caos; nada disso excita ou comove o bom do Daniel. Não senhor. Ao Daniel importa, sobretudo, confirmar a «mentira» e o mau resultado da «mentira». Daí o regozijo latente, o gozo interior, as boquinhas supostamente incisivas e fulminantes, agora que os «gajos se estão a tramar». É que, para o Daniel, nada disto teria acontecido não fosse a teimosia e a «mentira» americanas. Para o Daniel, a culpa do que se está a passar não é dos radicais xiitas, tal como a culpa dos atentados de Madrid ou do 11 de Setembro não foi da Al Qaeda. A responsabilidade é, como sempre, dos EUA. São eles a causa de todos os males. Daí que nunca veremos o Daniel a torcer para que a coligação neutralize ou aniquile os radicais, mesmo que isso signifique um salto positivo para a estabilização do Iraque. Porque, de todas as soluções de «estabilização», o Daniel preferirá sempre, de longe, a retirada dos «mentirosos». De rabinho entre as pernas.

É caso para perguntar: quem é que falou em má-fé?

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