O PAÍS
Corrupção
por Vasco Pulido Valente
"Com a detenção de Valentim Loureiro voltou a ladainha: «O futebol é um mundo à parte.» Ah, sim? E à parte de quê? À parte da política, da administração, dos negócios, do espectáculo, da saúde, da própria justiça? Com certeza que há em Portugal maravilhosos «mundos», em que a lei impera e que são regidos por uma meticulosa honestidade. Ninguém os conhece, ninguém, por acaso ou fugazmente, passou por eles, mas que existem esses paraísos, refulgindo com modéstia em regiões perdidas da nossa consciência e da nossa vida, lá isso existem. Têm de existir. Não se está mesmo a ver? Francisco Sarsfield Cabral, reflectindo anteontem sobre o caso, chegou surpreendentemente a uma tese pessimista: não se está a ver. A corrupção já se tornou, segundo ele, um «dado normal». Como os que julgam o futebol «à parte», não quero desiludir o bom Francisco. Infelizmente, não me lembro de um único regime, desde o fim do século XVIII, em que a corrupção, essa terrível novidade de hoje, não fosse também um «dado normal». Era um «dado normal» na Monarquia Absoluta, no Liberalismo, na República e na Ditadura. As tabernas da Ribeira, o Marrare do Polimento, o Grémio Literário, os cafés do Rossio e os discretos retiros do Estado Novo estiveram sempre cheios de patriotas com angústia: «Tudo podre, tudo podre!», diziam eles. «Francamente não sei onde isto vai parar.» «Isto» foi andando e foi parar aqui, a 2004, com o futebol «à parte» e o resto exactamente como o futebol. Um país pequeno, íntimo e pobre, com um Estado omnipotente e uma burocracia tropical, segrega corrupção. Se calhar, não funcionava sem corrupção: já alguém pensou nisso? Concordo que nos falta uma grande dose de ética protestante (não católica, por amor de Deus); e polícia e um sistema judicial decente. De qualquer maneira, não acredito que as coisas melhorassem."
in Diário de Notícias
Corrupção
por Vasco Pulido Valente
"Com a detenção de Valentim Loureiro voltou a ladainha: «O futebol é um mundo à parte.» Ah, sim? E à parte de quê? À parte da política, da administração, dos negócios, do espectáculo, da saúde, da própria justiça? Com certeza que há em Portugal maravilhosos «mundos», em que a lei impera e que são regidos por uma meticulosa honestidade. Ninguém os conhece, ninguém, por acaso ou fugazmente, passou por eles, mas que existem esses paraísos, refulgindo com modéstia em regiões perdidas da nossa consciência e da nossa vida, lá isso existem. Têm de existir. Não se está mesmo a ver? Francisco Sarsfield Cabral, reflectindo anteontem sobre o caso, chegou surpreendentemente a uma tese pessimista: não se está a ver. A corrupção já se tornou, segundo ele, um «dado normal». Como os que julgam o futebol «à parte», não quero desiludir o bom Francisco. Infelizmente, não me lembro de um único regime, desde o fim do século XVIII, em que a corrupção, essa terrível novidade de hoje, não fosse também um «dado normal». Era um «dado normal» na Monarquia Absoluta, no Liberalismo, na República e na Ditadura. As tabernas da Ribeira, o Marrare do Polimento, o Grémio Literário, os cafés do Rossio e os discretos retiros do Estado Novo estiveram sempre cheios de patriotas com angústia: «Tudo podre, tudo podre!», diziam eles. «Francamente não sei onde isto vai parar.» «Isto» foi andando e foi parar aqui, a 2004, com o futebol «à parte» e o resto exactamente como o futebol. Um país pequeno, íntimo e pobre, com um Estado omnipotente e uma burocracia tropical, segrega corrupção. Se calhar, não funcionava sem corrupção: já alguém pensou nisso? Concordo que nos falta uma grande dose de ética protestante (não católica, por amor de Deus); e polícia e um sistema judicial decente. De qualquer maneira, não acredito que as coisas melhorassem."
in Diário de Notícias
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