O MacGuffin

quarta-feira, abril 28, 2004

UMA CRÍTICA ACERTADA
Por Teresa de Sousa:

"(...) Temos um Governo cujo primeiro-ministro, sejam quais forem as apreciações sobre as suas políticas, soube interpretar a maturidade que a democracia portuguesa já atingiu, 30 anos depois da revolução, e agir em conformidade. Num espírito aberto, de reconciliação e de estímulo.
Isso não admira. Por mais defeitos que tenha, o chefe do Governo e do PSD também tem a democracia na massa do sangue, inscrita no seu código genético. Durão Barroso viveu a revolução, como tantos outros da sua geração, como um jovem de extrema-esquerda, radical, sonhador, excessivo. Esta é uma experiência que marca para toda a vida quem a teve. Como dizia Willy Brandt, nada melhor do que o radicalismo na juventude para se ser um bom social-democrata na maturidade.
Barroso, neste aspecto particular que é importante, não desiludiu. Ao convidar para São Bento todos os seus antecessores desde o 25 de Abril, o primeiro-ministro mostrou a grandeza de uma democracia reconciliada, madura e verdadeiramente livre, porque todos, sem qualquer excepção, têm nela lugar. Foi um belo gesto cheio de simbolismo.

Há, no entanto, outro governo em Portugal, ressabiado ou oportunista, reaccionário ou apenas tonto, não sei, que manchou deliberadamente a imagem que o primeiro-ministro quis dar às comemorações. E este é um governo que nos envergonha.
No dia 25 de Abril, o ministro de Estado e da Defesa resolveu participar nas comemorações oficiais na Assembleia da República e na Avenida da Liberdade evidenciando ostensivamente a sua distância e o seu desprezo pelo 25 de Abril. Não há outra explicação - a não ser a pura má educação - para que, no Palácio de São Bento, exibindo uma mastigação ostensiva de pastilha elástica, tenha resolvido "despachar" trabalho em plena cerimónia. Ou para, perante as câmaras da televisão, continuar a mascar furiosamente a sua pastilha elástica quando, na Avenida da Liberdade, decorria a parada militar.
Também não foi por acaso que o ministro da Defesa escolheu os ex-combatentes para celebrar o seu 25 de Abril. Já tínhamos ouvido o que pensa sobre a descolonização, obrigando de resto Barroso a demarcar-se dele. Tem sempre a boca cheia de "pátria" e de "nação" e de "bandeira". Ainda declina mal a palavra democracia.

Se restassem dúvidas sobre as intenções de Portas, logo na manhã de segunda-feira elas foram totalmente esclarecidas. Bastou ligar a rádio.
O PP resolveu não comparecer nas cerimónias de imposição da Ordem da Liberdade a várias personalidades nacionais, para protestar contra o facto de Isabel do Carmo fazer parte dos agraciados.
Na véspera à noite, no programa da SIC-Noticias "Outras Conversas" de Maria João Avillez, tínhamos assistido a uma civilizada e muito interessante conversa entre Isabel do Carmo, antiga militante de um partido de extrema-esquerda, Ana Maria Caetano, filha do último presidente do Conselho do anterior regime, e António Costa Pinto, historiador e Comissário das comemorações dos 30 anos, ele próprio, como Barroso ou tanta gente ilustre, ex-militante da extrema-esquerda maoísta.
A filha de Marcello Caetano defendeu o pai, até com alguns argumentos interessantes, mesmo que deles se possa discordar radicalmente. Isabel do Carmo explicou que continua a sonhar com uma sociedade diferente, igualitária - a sua utopia da "ilha de sítio nenhum" -, apesar de ter aprendido que a democracia, enquanto liberdade de cada um para fazer o que quer, pensar o que quer, dizer o que quer, é uma coisa óptima e um ponto de partida fundamental para tudo o resto.
De alguma maneira, o programa reflectiu a maturidade que a sociedade portuguesa atingiu trinta anos depois. A liberdade total de pensamento - sem o mais leve laivo de receio - e o confronto civilizado de ideias.
Estavam, todos satisfeitos e bem dispostos, os antigos primeiros-ministros que Barroso convidou para o Palácio de São Bento. Mesmo aqueles que podiam hoje sentir-se mais ressabiados e mais desiludidos com o rumo que a revolução tomou. Disseram o que pensavam aos microfones dos jornalistas presentes. Incluindo sobre este governo. Com a tranquilidade correspondente ao próprio facto de terem aceite o convite.
À escolha dos cidadãos que receberam a Ordem da Liberdade presidiu, como é óbvio, o mesmo espírito de reconciliação e de abertura. Só Portas não percebeu.

Felizmente, o país também está a uma enorme distância de Portas. Em primeiro lugar, na sua compreensão e na sua adesão à democracia liberal.
Há mais de 10 anos, não me lembro exactamente a data, uma sondagem sobre a relação dos portugueses com o 25 de Abril e com os valores essenciais da democracia deixou-me com um nó no estômago. Nessa sondagem, uma maioria de portugueses ainda valorizava mais a segurança e o bem-estar económico do que a liberdade.
Hoje, como demonstra a sondagem do PÚBLICO/ Universidade Católica, os portugueses revêem-se naquilo que é a essência da democracia liberal: a liberdade individual e a possibilidade de escolher e afastar governos através do voto. Não há melhor exemplo da maturidade da democracia portuguesa."

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