O MacGuffin

terça-feira, abril 20, 2004

DOIS PEQUENOS COMENTÁRIOS
1. Era para ser em Junho, aquando da transferência do poder para os iraquianos. Depois, só se a ONU não tomasse conta da ocorrência. Agora, é para já. Diz Zapatero que cumpre «promessa eleitoral», aventada há cerca de um ano – como se as promessas eleitorais fossem vitalícias e independentes dos acontecimentos e da evolução do mundo. Pelo meio afirmou que queria retirar a Espanha da fotografia dos Açores, um mimo indirecto a Portugal que não suscitou um décimo da celeuma suscitada pelas «gravíssimas» declarações de Durão Barroso sobre a decisão de Zapatero. Em política, não basta ser. Com este ziguezaguiar, Zapatero revela-se um político fraco e mesquinho. Continua convencido de que ganhou as eleições porque prometeu retirar as tropas, há um ano atrás. E acha que, com esta decisão, já pode dormir descansado. Nem sequer se apercebe que a sua decisão vem, por coincidência, no seguimento do ultimato feito pela al-Qaeda aos países europeus - um ultimato a todos os níveis insultuoso. Em suma, Zapatero esqueceu o que disse, em relação a 30 de Junho, e esqueceu o que disse sobre um futuro papel das Nações Unidas. No meio dos discursos sobre o «direito internacional», Zapatero está-se nas tintas para a resolução 1483 da sua querida ONU. Por último, Zapatero deixa no ar a ideia de desertor (se, daqui a um mês, a ONU voltar ao Iraque, Zapatero mandará regressar as suas tropas?) e de quem está disposto a ceder, em troca de uma paz cuja duração e natureza ninguém conhece. Em poucos dias de mandato, é esta a obra de Zapatero. Temos, por isso, homem.

2. Via Miniscente, deparo com esta preciosidade:

(extracto da entrevista a Omar Bakri Mohammed, “teórico da al-Qaeda”, publicada ontem no Público)
”- Como sabemos que um atentado é realmente da AI-Qaeda?
- É fácil. Em primeiro lugar são sempre operações em grande escala. O texto divino é claro quanto à necessidade de provocar "o máximo dano possível". O operacional tem portanto de certificar-se de que mata o maior número de pessoas que pode matar. Se não o fizer, espera-o o fogo do Inferno. Em segundo lugar, a Al-Qaeda deixa sempre uma impressão digital: uma pista, como um carro com um Corão ou uma cassete, para ser encontrado pela Polícia. Terceiro, os ataques são feitos em dois ou três lugares ao mesmo tempo. Finalmente, a linguagem. Nos comunicados, basta ler uma frase para se reconhecer o seu rigor teórico: não há nenhum sinal de nacionalismo, não se dizem árabes, nem palestinianos, apenas muçulmanos. Falam sempre do martírio, da morte.
- O que pretende a Al-Qaeda?
- O terror. Estão empenhados numa jihad defensiva, contra os que atacaram o Islão. E a longo prazo querem restabelecer o estado islâmico, o califado. E converter o mundo inteiro.”


Acrescenta o Luis: ”Este mártir retórico vive pacificamente em Londres e goza das liberdades concedidas pela democracia. E lá vai dizendo estas barbaridades.”

Numa altura em que Bin Laden, do alto da sua arrogância e do seu fanatismo criminoso, faz saber que se os meninos europeus se portarem bem não levarão tau-taus, seria bom que, a ocidente, deixássemos de lado a tibieza e os paninhos quentes à la Soares. Por uma vez, seria bom que o mundo livre (ou o que resta dele) se aliasse a uma só voz e ripostasse sem misericórdia e contemplações. Os inimigos dos nossos amigos não são nossos inimigos? Somos aliados, ou nem por isso? Parece que «nem por isso». O eixo franco-alemão já ditou a ordem de trabalhos: para se afirmar, a Europa tem de se revelar como «alternativa» aos EUA e evitar, a todo o custo, o «seguidismo». Tem, se necessário, de bater o pé. No limite, ser contra. Com esta estratégia – a qual, para além de ingénua e suicida é, igualmente, reveladora de uma enorme ingratidão - tem-se aberto a porta ao pior cinismo, à mais gritante tibieza e a um populismo de quem já percebeu que esta ideia de ser «alternativa» aos EUA, com direito a «guerrinha de nervos», anima as franjas políticas mais radicais que, com o passar dos anos, se vieram a revelar utilíssimas na conquista de votos ou na feitura de coligações ad hoc.

É perante este cenário que Bin Laden tem o desplante de nos insultar a todos (pelos menos aos que têm memória), dizendo que, como está bem disposto e a vidinha lhe corre bem, poderá vir a poupar os países europeus, embora nunca os EUA e Israel, assim eles se portem bem – leia-se: deixem de pisar solo «muçulmano». O que faz a Europa? O que dizem os membros da aliança atlântica? A maioria cala-se, uns desertam e outros assobiam para o lado. Certo é que todos, à excepção de uns «tontos» e «mentirosos», tentam distanciar-se assepticamente do grande Satã e do texano idiota. Bin Laden aplaude e vê ali um filão inestimável para a sua nova estratégia: dividir para reinar.

É como diz o João: “a «proposta» de Osama é um insulto, sem dúvida. Mas é também o retrato. O nosso retrato. O retrato da insofismável miséria onde fomos afocinhando sem retorno.”

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