O MacGuffin

segunda-feira, abril 12, 2004

MAIS UMA VEZ, A MÁ-FÉ
Daniel Oliveira fez questão de comentar a minha alfinetada. Muito bem. Esclareceu alguns pontos (afirmando coisas que já tinha afirmado “milhares de vezes”), baralhou outros e, infelizmente, voltou à má-fé. Convém, por isso, comentar o comentário.

Daniel escreve que, entre outras coisas, eu:

1) “acreditei na existência de ADM’s”. Sim, acreditei. Hoje é muito fácil, retrospectivamente, dizer que não, que não havia uma só arma de destruição em massa. Mas tive sempre o cuidado de dizer que não achava as ADM’s o casus belli da intervenção;

2) “ defendi que democracia se podia implantar à bomba”. Lá está, mais uma vez, a má-fé: “a democracia implantada à bomba”. O slogan dramático, a tirada incisiva, a boca definitiva. Palmas, Daniel. Foi isso mesmo que eu quis: “a democracia implantada à bomba”. “P: MacGuffin, diga-nos, como é que quer que a democracia seja implantada no Iraque?”, “R: Ora.. deixa cá ver... já sei: à bomba”. É claro que retirar do poder um dos mais sanguinolentos ditadores do Sec. XX poderia ter sido feito com um convite, seguido de almoço de confraternização. E é claro que eu nunca escrevi isto, no resumo que fiz do ano 2003: “Não creio que o povo iraquiano e os seus potenciais e actuais representantes sejam particularmente estúpidos ou totalmente idiotas. Observá-los como um bando de «bárbaros» incapazes de evolução e de reorganização é sinal de arrogância e de comodismo retórico. Bem como de falta de conhecimento. Em boa parte do Curdistão, nas chamadas «zonas de exclusão aérea», sob controlo anglo-americano, foi possível, desde 1991, criar um sistema multi-partidário baseado em instituições que nos remetem para o sistema democrático as we know it(...). É óbvio que ninguém espera uma adaptação fidedigna de um modelo de organização política de tipo ocidental. Ninguém está à espera, nem sequer é essa a expectativa de quem está directamente envolvido no Iraque pós-guerra, de assistir a uma mimetização de sistemas e instituições (...). Entre o sistema ditatorial e despótico de Saddam e o modelo liberal ocidental vai uma enorme distância (...). Se assim é, existe um vasto leque de opções que poderão servir o povo iraquiano de uma forma como nunca o regime de Saddam o serviu, sem ser necessário entrar em histerismo quanto à perfeição e tipologia do sistema a implementar.” Para o Daniel, nada disto interessa. Mesmo que eu o tenha escrito e insinuado “milhares de vezes”.

De seguida, novamente o estilo Daniel Oliveira: “As coisas não aconteceram como ele esperava. De quem é a culpa? Nossa. Evidente, não é?”. Não, não é nada evidente. Só a má-fé pode levar Daniel a escrever isto. Nunca culpei o Daniel, ou o Barnabé, de nada. Mais uma vez uma insinuação mendaz e demagoga.

Daniel prossegue: “tenta colar-nos às forças xiitas”. Primeiro: eu escrevi “grupo radical xiita”. Ou seja, um “grupo”, uma “facção” e não “forças xiitas”. Entendo, se calhar ao contrário do Daniel, que aquele grupo não representa a totalidade dos xiitas, e muito menos o povo iraquiano. Segundo: não colei o Barnabé ou o Daniel às forças xiitas. Isso seria absurdo. Lá está: a má-fé, mais uma vez.

Outra nota do Daniel: “a culpa do que aconteceu em Madrid foi da Al Qaeda e contestei a distribuição de culpas para fora desta rede de organizações. Ao fingir que não, MacGuffin dá mais um exemplo de má-fé. Seja como for, comparar o que está a acontecer em Fallujah com o que aconteceu em Madrid, isso sim, é que me parece de um relativismo moral insuportável.” Insuportável não será o facto de Daniel, mais uma vez, insinuar que eu fiz uma comparação que não existiu? Daniel Oliveira não percebeu o que eu quis dizer, ou não quis perceber. Eu não comparei as causas e as razões que estão por detrás dos acontecimentos de Fallujah com o 11 de Março. São coisas distintas. O que eu contestei foi a forma como, a ocidente, se tenta escamotear a culpa de uns, transferindo-a para as costas de outros. O que eu critiquei foi a forma como, no 11 de Setembro, no 11 de Março e agora no Iraque se tenta inverter a razão das coisas, via relativismo moral, como se os culpados fossem as vitimas e vice-versa. Por muito que custe ao Daniel Oliveira, é isso que transparece das suas múltiplas crónicas sobre o assunto, em que Daniel enumera os revezes da coligação como se estivesse a provar e a amplificar "uma lição", uma espécie de "tomem lá que é para aprenderem". Dito de outra forma, seria impossível ver o Daniel a enumerar os avanços e o que de bom se construiu no Iraque.

A população iraquiana e as forças da coligação estão a ser vitimas da rebelião de um grupo de radicais xiitas que entenderam, desleal e perfidamente, desestabilizar a situação interna do seu país, agora que se estava a construir uma solução mais uma menos consensual sobre o futuro do Iraque. Infelizmente, não resta à coligação outro remédio senão lutar para neutralizar essa rebelião. Provavelmente, Daniel Oliveira esperaria que os EUA dessem a outra face e saíssem acabrunhados do Iraque.

O que nos remete para a sua última declaração: ele acha que a solução de “estabilização” passa pela retirada dos “mentirosos”, substituindo as forças da coligação por forças da ONU que sejam vistas pelos iraquianos como “forças de paz”. Santa ingenuidade! Forças da ONU? Quais forças da ONU? Vistas como forças de paz? Sérgio Vieira de Mello: dir-lhe-á alguma coisa? Certamente não dirá muito aos grupelhos radicais e aos terroristas que tentam incendiar agora, como no passado, o Iraque. Ah, pois: se os mentirosos para lá não tivessem ido...

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