O MacGuffin

terça-feira, abril 13, 2004

HOBBES, THOMAS
“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qualquer homem ou assembleia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser o seu representante), todos sem excepção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os actos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem os seus próprios actos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens.
É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido, mediante o consentimento do povo reunido…

Mas poderia aqui objectar-se que a condição de súbdito é muito miserável, pois se encontra sujeita aos apetites e paixões irregulares daquele ou daqueles que detêm nas suas mãos poder tão ilimitado. Geralmente os que vivem sob um monarca pensam que isso é culpa da monarquia, e os que vivem sob o governo de uma democracia, ou de outra assembleia soberana, atribuem todos os inconvenientes a essa forma de governo. Ora, o poder é sempre o mesmo, sob todas as formas, se estas forem suficientemente perfeitas para proteger os súbditos. E isto sem levar em conta que a condição do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra incomodidade, e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral, em qualquer forma de governo, é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompanham a guerra civil, ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor, sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar as suas mãos, impedindo a rapina e a vingança. E também sem levar em conta que o que mais impulsiona os soberanos ou governantes não é qualquer prazer ou vantagem que esperem recolher do prejuízo ou debilitamento causado aos seus súbditos, em cujo vigor consiste a sua própria força e glória, e sim a obstinação daqueles que, contribuindo de má vontade para a sua própria defesa, tornam necessário que os seus governantes deles arranquem tudo o que podem em tempo de paz, a fim de obterem os meios para resistir ou vencer aos seus inimigos, em qualquer emergência ou súbita necessidade. Porque todos os homens são dotados por natureza de grandes lentes de aumento (ou seja, as paixões e o amor de si), através das quais todo o pequeno pagamento aparece como um imenso fardo; mas são destituídos daquelas lentes prospectivas (a saber, a ciência moral e civil) que permitem ver de longe as misérias que os ameaçam, e que sem tais pagamentos não podem ser evitadas.”

in Leviatã 1651

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