O MacGuffin: maio 2003

sábado, maio 31, 2003

BECKETT, SAMUEL

Engatinha e cai. Deita-se. Deita-se no escuro, de olhos fechados, descansando de engatinhar. Recuperando-se. Fisicamente, da sua decepção por ter engatinhado inutilmente. Talvez dizendo a si mesmo, Porquê engatinhar, afinal? Porque não ficar apenas deitado no escuro, de olhos fechados e desistir? Desistir de tudo. Acabar com tudo. Com o engatinhar em vão e as fantasias que não lhe trazem conforto. Mas, se de vez em quando fica tão desanimado, raramente é por muito tempo. Pois, pouco a pouco, enquanto descansa, renasce a ânsia pela companhia. Na qual possa fugir da sua. A necessidade de ouvir novamente aquela voz. Mesmo que seja repetindo, Estás deitado no escuro. Ou somente, Viste a luz pela primeira vez e choraste no fim do dia, quando, nas trevas, Cristo chorou e morreu na nona hora. A necessidade de melhor fechar os olhos para ouvir e ver aquela luminosidade que irradia. Ou de, com a ajuda de alguma fraqueza humana, melhorar a qualidade do ouvinte. Por exemplo, uma comichão fora do alcance da mão, ou, melhor ainda, ao seu alcance, enquanto a mão está imobilizada. Uma comichão incoçável. Que contribuição para a companhia!

in Companhia (Company)
ESTÁ MAL

Sábado, 24 de Maio, jornal Público. O ex-ministro da cultura Augusto Santos Silva escrevia o seguinte: “Paulo Pedroso não tem anda a ver, mas mesmo nada a ver, com esse crime. Empenho nisto toda a minha credibilidade. Se, por absurdo, ele viesse a ser condenado num julgamento imparcial, eu renunciaria a toda e qualquer actividade política.(...) Espero que se faça justiça o mais depressa possível e espero que dela resulte a comprovação da inocência de Paulo Pedroso e a descoberta e punição dos seus caluniadores.”

Segunda-feira, 26 de Maio, jornal Diário do Sul (jornal regional de Évora, onde eu por vezes escrevo umas iniquidades). Carlos Zorrinho, ex-Secretário de Estado e destacado dirigente do Partido Socialista (meu antigo professor universitário), escrevia o seguinte:“Esses desenvolvimentos [a detenção de Paulo Pedroso] não são um “fait divers”, mas sim um portentoso ataque às instituições e ao regime democrático. Desejo que o Sistema Judicial resista, para eu Paulo Pedroso tenha as condições necessárias para exercer a sua defesa e possa ser demonstrada a sua inocência, as «mentes diabólicas» sejam identificadas e desmascaradas e possam prosseguir com normalidade outros processos de investigação em relação aos quais se procura desviar a atenção dos portugueses”.

Leio isto e apraz-me formular quatro perguntas:

1. Para o PS, a Justiça só funcionará se Paulo Pedroso for absolvido?
2. Caso venha a ser provada a acusação de que é alvo, será por culpa de um “julgamento imparcial”?
3. Se Paulo Pedroso for condenado, significará isso que o Sistema Judicial não soube «resistir»? Não foram facultadas as condições necessárias para o exercício da defesa?

E, por último:
4. Meus caros senhores, é esta a vossa ideia do que é justiça e do Sistema Judicial português?

Este tipo de afirmações por parte de políticos com responsabilidade, são lamentáveis e dispensáveis. Nem a emoção, nem a amizade, podem ser invocadas nestes casos. Por uma vez concordo com Sampaio: haja serenidade e contenção.

E tento na língua, acrescento eu.
THE HORROR…THE HORROR…

Quinta-feira, 29 de Maio, jornal Público: “Monteiro critica Sampaio, Souto Moura e sistema político”. Segundo a notícia, Monteiro terá dito: “Há que refundar a própria república portuguesa”(sic) e “A defesa do regime implica forçosamente a mudança do sistema”(sic).

Tremo. Pobre em conteúdo, a ladainha do Dr. Monteiro não deixa de encerrar, em si mesma, um radicalismo larvar que não agoura nada de bom. Esta urgência e presunção da mudança «forçosa» é pura e perigosa demagogia. Existe uma diferença abismal entre a crítica construtiva e inconformada, feita a partir do sistema mas a favor do mesmo, e a crítica fugaz, difusa e abstracta (o que tem afirmado o Dr. Monteiro senão palha?), feita «de fora» e contra o «sistema».

Seria útil explicar ao Dr. Monteiro o que é isso do «sistema». O «sistema» chama-se democracia, estado de direito, primado da lei, governo, segurança, pluralismo, liberdade de expressão. A mesma liberdade de expressão e o mesmo pluralismo que permitem que gente sofrível e medíocre crie partidos com pretensões a «mudar» um sistema e a «refundar» um país. A gratidão não habita o espírito do Dr. Monteiro.

Eu não me importo que o sistema produza gente como o Dr. Monteiro. Mas seria sensato e simpático que este senhor não abusasse. O tal «sistema» não precisa ser radical ou “forçosamente” mudado. Precisa de ser acompanhado e aperfeiçoado, passo a passo. E precisa de ser controlado e contido.

Quanto ao Dr. Monteiro, do que ele está a precisar é que, mais dia menos dia, o dito «sistema» lhe ensine uma lição.

quinta-feira, maio 29, 2003

LA FÉRIDA

Uma adaptação do My Fair Lady intítulada "Minha Linda Senhora", nunca poderia dar certo. O que se seguirá: "Todo Aquele Jazz" (All That Jazz)? "O Clube do Algodão" (The Cotton Club)? "O Moinho Vermelho" (Moulin-Rouge)?
O SILÊNCIO

Paulo Portas vai ser (ou já foi) notificado para depor, na qualidade de testemunha, no processo da Moderna. Há duas semanas atrás, já teríamos assistido às habituais «indignações» e aos habituais «clamores» por parte do Dr. Ferro ou do inenarrável Eng. Sócrates. Not anymore. Paira, agora, sobre o facto, um silêncio que me atrevo a classificar. Perturbador? Previsível? Estratégico? Não, não e não.

Esclarecedor. Acabrunhado. Edificante.

quarta-feira, maio 28, 2003

SERVIÇO PÚBLICO

O assunto é sério. Já alguma vez afirmou que o Jazz é chato? Já disse, em conversas com amigos, que o Jazz é "elitista", "para intelectuais", "soturno"? A música Jazz continua distante? Não gosta, em suma, de Jazz? Permita-me que o apresente, formal e convenientemente, ao Jazz. Como? Comprando as obras constantes na seguinte listinha:

“Kind of Blue” Miles Davis (Columbia)
“Go” Dexter Gordon (Blue Note)
“Blue Train” John Coltrane (Blue Note)
“Chet Baker in Paris” Chet Baker (Reprise)
“Getz/Gilberto” Stan Getz e João Gilberto (Verve)
“Ellignton & Coltrane” Duke Ellington e John Coltrane (Impulse)
“Art Blakey and The Jazz Messengers” Art Blakey (Impulse)
“Two of a Kind” Paul Desmond e Gerry Mulligan (Victor Jazz-BMG)
“5 by Monk by 5” Thelonious Monk (Riverside)
“Out of the Cool” The Gill Evans Orchestra

De seguida, concedo-lhe uma semana para as ouvir. Não, vou ser magnânimo: duas semanas. E deve fazê-lo da seguinte forma: com tempo, sem riscos de vir a ser interrompido, sem ninguém por perto, refastelado no sofá (a ler, ou não, um livro), com o volume não muito baixo e com um cintilante gin tónico por perto. Ao fim de duas semanas, se ainda disser: “O Jazz não me diz muito” ou “Isto é chato como o caraças”, aconselho-o, vivamente, a ir ao médico.


CURIOSO, NÃO ACHAM?

Lamentavelmente, boa parte da classe política, com o PS à cabeça, tratou de reagir corporativamente à «investida» do poder judicial contra um membro da dita. O Partido Socialista – que, conjuntamente com o PSD, é responsável pelas leis judiciárias de há vinte anos a esta parte, mais concretamente pelo actual Código do Processo Penal – parece ter despertado para a problemática das escutas telefónicas, da prisão preventiva ou do segredo de justiça.

Não que haja muito fundamento nas suas críticas. As suas críticas, e a nuvem de pó por elas entretanto levantada, insinuam a existência de um sistema sem regras, à deriva e à mercê do livre arbítrio, como se a decisão para instalar escutas telefónicas fosse feita de ânimo leve e sem o escrupuloso cumprimento dos preceitos jurídico-legais.

Por muito legítimas que sejam, as críticas não podem ser feitas no calor da emoção e entre gestos de «indignação» e «lutas da minha vida». Feitas agora soam, seguramente, a cinismo. Deixam no ar, também, a ideia de que os legisladores anteriores foram incompetentes. Mas, pior ainda, parecem servir para baralhar e descredibilizar os meios de investigação e inquérito e os seus responsáveis. Os mesmos que vieram, agora, resgatar à classe um dos seus filhos.

Uma coisa é certa: as críticas ao «sistema» por parte dos políticos responsáveis pelo mesmo aumenta na mesma medida que cresce, junto das populações, a sensação de que, agora sim, a justiça está a funcionar. Curioso, não acham?
LAUREL & HARDY

SIC Noticias, terça-feira à noite. Debate “Esquerda-Direita”. Tema: a justiça em Portugal, as escutas telefónicas, o segredo de justiça, a prisão preventiva. Convidados: João Soares e Manuel Monteiro. Não, desculpem lá: estão a gozar comigo ou o quê?!

PS: o ponto alto foi mesmo quando os dois políticos-opinion-makers-em-part-time se começaram a tratar por tu. “Ó Manel, mas tu não vês que....”. “Mas ó João, tens de perceber que...”. Um mimo.


RUI TEIXEIRA
Gosto deste juiz. Às perguntas idiotas de certos jornalistas, que o têm perseguido pelas ruas de Lisboa, tem respondido com pinta, de forma lacónica e com o essencial desassombro, como quem diz: “vão chatear outro e deixem-me fazer o meu trabalho.” Lembro-me da pergunta da jornalista da SIC, no Parlamento: “Mas podemos imaginar que o senhor veio aqui entregar uma notificação?” Resposta de Rui Teixeira: “A senhora pode imaginar o que bem entender.”

Temos homem.
O DISCURSO DA LITANIA

José Manuel Fernandes foi, segundo penso, o primeiro a dar o mote: se se provar que Paulo Pedroso foi pedófilo, é o descrédito total da classe política. Se, afinal, se provar a sua inocência, é o descrédito absoluto do sistema judicial português. Neste caso não vai haver vencedores. Todos seremos perdedores.

Treta. Nem uma coisa, nem outra. A justiça pode enganar-se. É feita por homens e está sujeita ao erro. E o erro pode incidir sobre o José Manel da Esquina ou sobre um político. Deseja-se, e pretende-se, que os erros sejam mínimos. Que os meios de prova sejam consistentes. De acordo. Mas o «sistema» (a palavra mais estafada dos últimos anos) pode errar. Aliás, deve errar. Só em ditaduras o «sistema» não erra. Quem entra fica, de certeza, preso.

O descrédito total da classe política? Não creio. Como disse o inefável Motal Amaral: “uma andorinha não faz a primavera”. Agora, o problema é outro: a classe política já se encontrava nas lonas, muito antes da detenção do Dr. Paulo Pedroso. Mas isso dar-nos-ia pano para mangas...
O CANALHA

Já o disse, mais do que uma vez: gosto de Nelson Rodrigues. Recorro, frequentemente, a livros como “O Óbvio Ululante”, “A Cabra Vadia”, “O Reaccionário”, “A Menina Sem Estrela” ou “A Pátria em Chuteiras”. E, é claro, li “O Anjo Pornográfico”: a mais completa biografia de Nelson Rodrigues, escrita por Ruy Castro – a tal que Ricardo de Araújo Pereira desvalorizou (mesmo sem a ter lido), revelando pura desonestidade intelectual.

Vem isto a propósito da polémica entre Ricardo de Araújo Pereira (RAP) e Pedro Lomba (ou terá sido com o Pedro Mexia?), em torno da figura de Nelson Rodrigues – a qual tenho assistido embevecido. Sobre a questão, permitam-me dizer ‘algo’ (Ambrósio).

Da polémica, retenho, à partida, a capacidade de resistência e a paciência evidenciadas por Pedro Lomba (PL). Tiro o chapéu à forma como PL se permitiu perder o seu tempo (deu para ver que foi perda de tempo, desde o início) com uma pessoa que esteve, continuada e despudoradamente, a atacar de forma moralista, imprecisa e desonesta Nelson Rodrigues.

RAP, que eu não conheço pessoalmente, parece-me uma pessoa inteligente. Será, certamente, boa pessoa. Tem um sentido de humor louvável para os tempos que correm, co-responsável por um dos melhores blogues da blogosfera lusitana. Mas esteve muito mal nesta questão.

A forma como RAP retirou do contexto – da crónica e da época – frases avulsas de Nelson para, de forma sumária e moralista, o acusar de simpatizante de ditadores e de conivência com totalitarismos, revela má-fé. Só por má-fé e ressentimento, ou por ignorância da obra e vida de Nelson Rodrigues (como parece ser o caso de RAP), se poderá retirar conclusão tão grosseira e abjecta. Uma conclusão, diga-se, previsível no caso da pessoa ser uma ferrenha e empedernida adepta de uma qualquer ideologia – especialmente à esquerda. A esquerda «pura e dura» jamais perdoará a Nelson o seu trabalho de desmascaramento da doutrina e do «modus operandi» do marxismo-leninismo e do socialismo, numa época em que era preciso ter coragem para o fazer (não agora, que vivemos em tempos de meninos-copos-de-leite).

Não sei se o maniqueismo e a presunção vã e gratuita incomodam RAP, na mesma medida em que me incomodam a mim. Não sei se RAP é ferozmente contrário a qualquer tipo de totalitarismo. Presumo que sim. Por tudo isto, e por acreditar na Moral e detestar moralismos, gostei, desde a primeira hora, de Nelson Rodrigues. Com o passar do tempo (e dos livros) a minha admiração por Nelson foi crescendo e jamais foi abalada. Inteligente, controverso, corajoso e livre de espartilhos ideológicos, Nelson Rodrigues foi um grande humanista. Um coração enorme que amava o seu Brasil e as suas gentes, como poucos. Leia-se, por exemplo, “A menina sem estrela” (ed. Companhia das Letras) e facilmente se constatará a forma realista e desassombrada como Nelson sofria os problemas do seu país. Acima de tudo, a forma inebriante como ele amava o brasileiro. Nelson Rodrigues teve uma vida trágica, repleta de sofrimento. Nunca beneficiou do poder político. O seu filho chegou a ser preso e torturado (por ironia...). Nunca o vimos em campanhas ou em tomadas de posição intransigentes. Terá dado a sua opinião sobre este ou aquele facto político. Terá feito as suas opções quanto ao futuro do Brasil. Mas nunca o seu apoio a este ou àquele dirigente, foi feito com base na ideologia, na doutrina, no interesse mesquinho e pessoal, na sabujice própria de um lambe-botas. Quanto muito, algumas das suas posições foram, consideradas agora à distância, ingénuas.

Observemos, então, o que Nelson escreveu a 28 de Janeiro de 1970. A crónica, publicada no Globo, intitulava-se “Esporas e Penachos”, e foi dela que RAP retirou algumas frases para julgar sumariamente Nelson Rodrigues. Eis a crónica na integra:

”Não há nome intranscendente e repito: qualquer nome insinua um vaticínio. Todo o destino de Napoleão Bonaparte está no seu cartão de visitas. Ao passo que um J. B. Martins da Fonseca não tem nenhuma destino especial e vou mais longe: não tem destino. Quando baptizaram William Shakespeare, o padre poderia perguntar-lhe: “Como vão tuas Obras completas?”. No simples “William Shakespeare” estava implícita a música verbal do seu teatro.
Mas um certo nome exige uma certa cara. Napoleão Bonaparte pedia um perfil napoleónico. Um Gengis Khan precisa de fotogenia. Ou então um John Kennedy. O que era o presidente assassinado senão o queixo forte, plástico, histórico? Ele venceu Stevenson e depois Nixon porque tinha as mandíbulas crispadas do Poder. Por isso, o tiro arrancou-lhe o queixo. Outro: Churchill, com a sua maravilhosa cara de buldogue. Em todos os citados, cara e nome, justapostos, explicam uma nítida pre-destinação.
Fiz essa pequena introdução para chegar ao nosso presidente. Quando começou o jogo de candidaturas, disse eu: “Ganha esse, pelo nome e pela cara”. Não é impunemente que um homem se chama Emílio Garrastazu Médici. Tiremos o Emílio e fica Garrastazu. Tiremos o Garrastazu e ficará o Médici. Bem sei que essa meditação sobre o nome pode parecer arbitrária e até delirante. Não importa, nada importa. Depois vi a sua fotografia. Repeti, na redacção, para todo o mundo ouvir: “É esse o presidente”. Ora, numa redacção há sempre uns três ou quatro sarcásticos. Um deles perguntou: “Só pelo nome?”. Respondi: “Pelo nome e pela cara”.
Como já disse, a história e a lenda também exigem uma certa fotogenia. E senti que Emílio Garrastazu Médici tinha um perfil de moeda, de cédula, de selo. Organizem uma retrospectiva presidencial e verão que os nossos presidentes são baixos. Getúlio era baixíssimo, embora tivesse um perfil histórico e, digamos, cesariano. Epitácio foi fisicamente pequeno. Era a pose que o fazia mais presidencial. Garrastazu Médici é o nosso primeiro presidente alto.
Dirão vocês que eu estou valorizando o irrelevante, o secundário, o fantasista. Desculpem o meu possível equívoco. E se me perguntarem porque estou dizendo tudo isso, eu me justificarei explicando: conheci, Domingo, o presidente Emílio Garrastazu Médici. E o pretexto para o nosso encontro foi um jogo de futebol.
Outra singularidade do chefe da nação: gosta de futebol e sabe viver, como o mais obscuro, o mais anónimo torcedor, todas as peripécias dos clássicos e das peladas. Isso é raro, ou melhor dizendo, isso é inédito na história dos presidentes brasileiros. Imaginem um Delfim Moreira, ou um Rodrigues Alves, ou um Wenceslau Brás entrando no estádio Mario Filho. Qualquer um desses perguntaria: “Em que time joga o Fla-Flu?”, “Quem é a bola?” ou “O córner já chegou?”.
O nosso presidente sabe tudo de futebol. Eu diria que hoje nenhum brasileiro será estadista se lhe faltar a sensibilidade para o futebol. Mas dizia eu que foi um jogo – São Paulo X Porto – que nos aproximou. Na sexta-feira passada, o Palácio das Laranjeiras começou por me procurar. Se eu fosse terrorista, não seria tão perseguido. Finalmente, falo pelo telefone com o Palácio. O secretário de Imprensa queria me transmitir um convite. Onde e a que horas poderia falar comigo? Marcamos o encontro. Simplesmente, o presidente Médici me convidava para assistir, a seu lado, na inauguração do Morumbi, o jogo internacional. Eu iria, com S. Exa., no avião presidencial. O presidente fazia o maior empenho em que o acompanhasse.
Confesso, sem nenhuma vergonha, que o convite me fascinou. O que têm sido as nossas relações com os presidentes da República? Nada. Sim, há entre nós e o presidente uma distância infinita, espectral. E o Supremo Magistrado, como se diz, é um ser misterioso, inescrutável, sinistro. NO meu caso, o presidente se dispunha a acabar com a distância e me receber na áspera solidão presidencial.
De mais a mais, o Brasil vive o seu grande momento. Eis o nosso dilema: o o Brasil ou o caos. O diabo é que tmeos a vocação e a nostalgia do caos. É o momento de fazer o Brasil ou perdê-lo. Esse Garastazu Médici é, neste instante, uma das figuras vitais do país. Eu ia vê-lo, ia ouvi-lo. Sim, ouvir os ruídos da sua alma profunda. Todo o mundo tem, no bolso do colete, o seu projecto de Brasil. Garrastazu tem o seu e pode realizá-lo. Ao passo que n´so não temos força para tapar um cano furado. Bem. Aceitei o convite, ressalvando: iria de tudo, menos de avião. “De automóvel?”, perguntou o secretário de Imprensa. E eu: “De qualquer coisa” - e repeti – “nunca de avião”.
Sábado, o meu filho Nelson levou-me para São Paulo no seu Fusca. Durante a viagem, uma pequena mas intolerável inibição instalou-se em mim: “Chamarei o presidente de ‘excelência’ ou simplesmente de ‘senhor’?”. Ao mesmo, imaginava que o Poder desumaniza o homem. Seria Garrastazu uma figura áspera, hierática, enfática? Pensava, ao mesmo tempo, num episódio recente. No jogo do Grémio, e antes de ser presidente, e antes da definição das candidaturas, o general Garrastazu Médici desce ao vestiário. Vejam se vocês conseguem imaginar um Delfim Moreira, ou um Epitácio num vestiário de futebol. Pois o general chega e pergunta: “Como é, Alcino, que você vai me perder aquele gol?”. No Fusca do meu filho Nelson, eu queria crer que um homem assim é um brasileiro vivo e não uma pose, e não uma casaca, e não uma faixa, e não uma condecoração.
No dia seguinte, estava eu no aeroporto. Tivemos uma primeira conversa e, durante o dia, uma outra, e uma terceira, e uma quarta. Vi a seu lado a inauguração (ou a décima inauguração do Morumbi). Ora, no momento não há nada mais importante do que saber o que pensa, o que sente, o que imagina, o que quer um presidente da República, investido de tantos poderes. No meio do jogo, ele insistia para que eu voltasse no seu jacto. Digo, por fim: “Está certo, presidente. Vou voar pela primeira vez”.
É preciso não esquecer o que houve nas ruas de São Paulo e dentro do Morumbi. No estádio Mário Filho, ex-Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, como dizia o outro, vaia-se até mulher nua. Vi o Morumbi lotado, aplaudindo do presidente Garrastazu. Antes do jogo e depois do jogo, o aplauso das ruas. Eu queria ouvir um assobio, sentir um foco de vaia. Só palmas. E eu me perguntava: “E as vaias? Onde estão as vaias?”. Estavam espantosamente mudas.
Até Domingo, às seis e meia, sete da noite, eu não entrara jamais num avião pousado, num avião andando, num avião voando. Lá em cima, não há paisagem; e, se não há paisagem, estamos fazendo a antiviagem. Conversámos longamente. Houve um momento em que ele me disse: “Sou um presidente sem compromissos. Só tenho compromissos com a minha pátria”. Eis um homem que fala em pátria, em “minha pátria”. Para a maioria absoluta dos civis, “pátria” é uma palavra espectral, “patriota” é uma figura espectral. E as nossas esquerdas fizeram toda a sorte de manifestações. Não berravam, não tocavam na “pátria”. Nas passeatas, berravam, em cadência: “Vietnã, Vietnã, Vietnã”. Pinchavam os nossos muros com vivas aos vietcongs, a Cuba. Nenhuma alusão à pátria, nenhuma referência ao Brasil. E, no entanto, vejam vocês: o Amazonas tem menos população do que Madureira. Aquilo é uma gigantesca sibéria florestal. E as esquerdas só pensavam no Vietnã, e só pensavam pelo Vietnã e só bebiam pelo Vietnã.
Certa vez, conversei com um membro da esquerda católica. Exortei-o a desembarcar no Brasil. Disse-lhe que, na pior das hipóteses, temos paisagem. Citei o Pão de Açucar, o Corcovado. Mas ele batia na tecla obsessiva e fatal: “O Vitenã, o Vietnã, o Vietnã” etc. etc. Ainda no meu élan paisagístico, fiz a apologia da Vista Chinesa, recanto ideal para matar turista argentino. Mas havia entre mim e ele a distância que nos separa do Sudeste Asiático. Eis o que o meu amigo propõe: que os brasileiros bebessem o sangue uns dos outros como groselha.
Antes de se despedir, o membro da esquerda católica concentrou sua ira nas Forças Armadas. Acusou-as de incapazes, de ineptas, de relapsas. “Os militares nunca fizeram nada”, afirmou. Desta vez, perdi a minha paciência. Tratei de demonstrar-lhe que os militares fizeram tudo. No Sete de Setembro (e Pedro Américo não me deixa mentir) foram sujeitos de esporas e penacho que deram o grito do Ipiranga; e, se os militares não fizeram nada, que faz a espada de Deodoro na estátua de Deodoro? Foi a inépcia militar que fez a República, assim como fizera a independência. Em 22 e 24, era o sangue militar que jorrava como a água, a água da boca dos tritões de chafariz. Em 30, em 32, em 35, foram os militares. Assim em 89. Retirem as Forças Armadas e começará o caos, o puro, irresponsável e obtuso caos.
Há anos e anos que eu não digo “pátria”. E quando o presidente Garrastazu falou em “minha pátria”, experimentei um sentimento intolerável de vergonha. Esse soldado é de uma natureza simples e profunda. Está disposto a tudo para que não façam do Brasil o anti-Brasil. Seja como for, deixará este nome, para sempre: Emílio Garrastazu Médici.”


Perante certas frases contidas nesta crónica, RAP decidiu. Julgou. Condenou. Assim, sem mais nem menos. Ai ele disse isso de um homem (Médici) que serviu uma ditadura? Conjure-se. Cuspa-se sobre o infame. Mas, dirão alguns, não poderia Nelson pensar, para a época e para as circunstancias própria do seu país, que aquele homem representava a melhor (quiçá a única) opção? O mal menor? Perante o clamor por Cuba, Fidel e Marx, não terá sido legítima a opção de Nelson? E o facto de Nelson, passado dois anos da data da publicação desta crónica, se ter arrependido de ter apoiado Médici, não significa nada?

Nada disso interessa ,decretou RAP.

E a obra de Nelson: é para cilindrar? A sua profunda e emocionante paixão pelo povo brasileiro: não prestou? A sua verve, o seu sentido de humor, a sua erudição e a sua ironia contagiante: peanuts? A sua luta pela liberdade de expressão, pelo desprendimento ideológico, pelos desfavorecidos: para o lixo?

RAP parece não hesitar: o polegar aponta para baixo.

Ora, eu termino com uma questão. Segundo consta, RAP é militante/simpatizante do Partido Comunista Português. Gostaria de saber se ele não terá, no passado (ou no presente), defendido Lenine, Trotsky ou Estaline? Sendo comunista, não terá sido, pelo menos no passado, conivente e benevolente com certos regimes totalitários de inspiração marxista-leninista – como o foram, em 99% dos casos, os militantes e simpatizantes do Partido Comunista Português? E se, hoje em dia, RAP já não repete esse apoio ou essa colagem a essa figuras (por ter crescido, por ter aprendido, por ter errado) isso não deve, nem pode, significar nada?

sábado, maio 24, 2003

A QUINTA-ESSÊNCIA DA POP

Top-20. Últimos 20 anos. Provisório. Não definitivo.

“The Queen Is Dead” The Smiths
“Hats” Blue Nile
“Song” It’s Immaterial
“Tallulah” The Go-Betweens
“Rattlesnakes” Lloyd Cole and The Commotions
“Eden” Everything But The Girl
“Psicopátria” GNR
“Talking With The Taxman About Poetry” Billy Bragg
“69 Love Songs” The Magnetic Fields
“Pop Pop” Ricky Lee Jones
“Born Sandy Devotional” The Triffids
“Hatful of Hollow” The Smiths
“The Singles” The Cure
“Power Corruption & Lies” New Order
“Liberty Belle & The Black Diamond Express” The Go-Betweens
“Circus Maximus” Momus
“A Short Album About Love” The Divine Comedy
“Boat To Bolivia” Martin Stephenson & The Daintees
“Songs To Learn & Sing” Echo & The Bunnymen
“As Coisas Que Fascinam” Mler If Dada

Alguém quer acrescentar mais alguma coisa?

sexta-feira, maio 23, 2003

AINDA O "EXPÊSSO"

O meu amigo Maradona refere, muito bem, um facto insofismável:

"A direcção do Expresso acha o Manuel Monteiro competente para escrever um artigo de opinião por semana (e calculo que ainda lhe pagam). Acho que não é preciso ir além disto para desacreditar um jornal.”

Sábias palavras, as do Diego.

quinta-feira, maio 22, 2003

SOBRE O EXPRESSO

A propósito dos meus comentário sobre o Expresso, o meu amigo JMF escreveu o seguinte:

”Há anos que amigos meus me dizem o mesmo: o Expresso não vale nada; está cada vez mais conformista; os editoriais são do mais maneirinho que há e o JAS só escreve "o óbvio ululante". Bem, a verdade é que o Expresso se mantém à tona e à frente dos demais semanários. E a tua catilinária contra o jornal, chama logo a atenção para a pergunta: e o resto?! O Independente chega-lhe aos pés?! A Visão é da mesma divisão? Tirando esses dois, é a apagada e vil tristeza do marasmo do costume. O Diabo que gosto de folhear por causa do trabalho de oposição que procura fazer, ainda traz o labéu dos tempos do PREC em que era considerado quase uma folha subversiva, ao serviço da "reacção". É incrível como as pessoas guardam tanto tempo esses arquétipos e nem sequer se dão ao mínimo esforço de reparar que a direcção do jornal já mudou várias vezes...”

Como deves ter reparado, eu não comparei o Expresso à Visão ou ao Independente. A desproporção de meios e as diferentes abordagens não dão espaço para estabelecer grandes comparações. O que eu digo, e repito, é que, para mim, o Expresso é um jornal perfeitamente dispensável.

Todas as semanas recebo, por correio, a The Economist e a Spectator. Uma vez por mês a Literary Review. Compro diariamente o Público (para mim a referência em matéria de diário) e às Sextas, Sábados e Domingos, o Diário de Notícias. Uma vez por semana o Indy. Viajo na net pelo Daily Telegraph, Andrew Sullivan, Arts & Letters, New York Observer e New Republic. Caro JMF, eu pergunto: para quê comprar o Expresso?

Para notícias e infomação factual, nada bate os diários, e neste caso o Público e o DN. Em matéria de opinião, não vejo, sinceramente, nenhum opinon maker no Expresso que preencha o tipo de critério que Raymond Carver atribuía a uma boa short-story: to leave the reader’s body temperature a degree higher or lower than when the book was opened. Para esse efeito não dispenso o Independente e, mais uma vez, o Público (não falo no DN porque o VPV não é o DN e vice-versa).

Com toda a sinceridade, e sem qualquer tipo de rancor ou preconceito, acho o Expresso um mito. Falha onde os outros falham e deixa muito a desejar em termos de cobertura jornalística. É o verdadeiro semanário mainstream: não é peixe, nem carne; não é mau, nem bom (antes pelo contrário ou, como diria um amigo meu, é «bonzinho»); tem muita parra, mas pouca uva. Em último caso, é óptimo para forrar o chão da sala quando toca a pinturas.

Um abraço ao JMF.
TRISTES FIGURAS

Tristes figuras a de Ferro Rodrigues e de alguns dirigentes e deputados do Partido Socialista, face aos mais recentes acontecimentos no caso de pedofilia.

É penoso ver o líder do maior partido da oposição afirmar-se “indignado” e falar em “cabalas”, “montagens”, “falhas” e “descredibilização da justiça” agora que lhe tocam no menino de ouro, para, logo a seguir, com o ar mais sério do mundo, dizer “Atenção: eu não tenciono pressionar o juiz nem a justiça neste processo”.

O PS, até terça-feira, acreditava na Justiça e não colocava em hipótese a existência de uma cabala para incriminar Carlos Cruz, Jorge Ritto, Ferreira Dinis ou Hugo Marçal. Embora inocentes até prova em contrário, a Justiça portuguesa estava a desempenhar o seu papel. O processo tinha de seguir os seus trâmites e havia que esperar pelo seu tempo (que é um tempo diferente do tempo do circo mediático). Dirigentes socialistas apelavam para a serenidade e para a confiança no sistema judiciário.

Ontem, tudo mudou. O que era deixou de ser. O que não era passou a ser. O que não é, também, de admirar. Há muito que Ferro Rodrigues deixou estalar o verniz que o ajudava a vender uma imagem de pessoa séria, discreta, contida e responsável. Desde o caso Moderna, passando pela guerra no Iraque e, agora, no caso Paulo Pedroso, passámos a ver um líder demagógico, moralista, de punho fechado, dedinho em riste e aos gritos por dá cá aquela palha. Agora até já ataca o «sistema» - o qual, é bom não esquecer, foi aquele que o seu partido e o PSD criaram ao longo dos últimos vinte anos. Com alguns defeitos, mas certamente mais virtudes (caso contrário seriamos uma Argentina europeia), este é o «sistema» que temos e há que respeitá-lo. Crticá-lo, é certo, mas respeitá-lo. No mínimo, evitar os gestos largos, as atitudes de “profunda” indignação e as suspeitas gratuitas de maquinações ou conluios.

Mas não. Julgará Ferro Rodrigues que os nossos magistrados, o Ministério Público, a Polícia Judiciária e o pato Donald são todos a mesma coisa? Pensará Ferro Rodrigues que estas instituições estão repletas de tótós, incapazes de destinguir o que é um indício aceitável e minimamente credível de um indício falso ou forjado? O contraditório será assim tão fraco?

Se podemos falar em presunção da inocência até trânsito em julgado, que é feito, Dr. Ferro Rodrigues, da presunção da competência e isenção da justiça portuguesa? É esta a confiança que o líder do maior partido da oposição, e potencial candidato a primeiro-ministro de todos os portugueses, deposita na justiça portuguesa? Que é feito da serenidade, contenção e sentido de Estado que é necessário preservar por todos aqueles que detêm cargos políticos de relevância?

Quer um conselho, caro Dr.? Esteja calado.

PS: ontem, Luis Nazaré dizia, na SIC Notícias, que era para si estranho um juiz combinar com jornalistas a sua entrada no Parlamento. Como hoje me sinto particularmente generoso, vou dar um conselho ao Sr. Nazaré: esteja calado.
PARABÉNS AO PORTO E PARABÉNS AO RUI RIO

Parabéns ao FCP, pela conquista da taça UEFA. Infelizmente, o Porto foi, nesta época, a melhor equipa de futebol portuguesa. E digo infelizmente porque também infelizmente sou desse pseudo-clube de jogadores de futebol profissionais chamado Sporting Clube de Portugal.

Mas alguém me pode explicar porque razão estiveram presentes, em Sevilha, o Primeiro-ministro e o Presidente da República de Portugal? A atitude de Rui Rio – de distanciamento em relação ao futebol – está correctíssima. A de Durão Barroso e Jorge Sampaio não. E, por favor: não me venham com a estafada e saloia retórica da “dignificação de Portugal no estrangêro”.
CURIOSIDADE

Algures entre 1976 e 1979, Vasco Pulido Valente escrevia o seguinte:

”UMA RESPOSTA A EDUARDO PRADO COELHO
No último número, com aquele rigor a que tão cedo nos habituou, o Eduardo Prado Coelho responde-me, sem me responder, para não me dar o gosto de me responder. Não escrevi a minha crónica do n.º 21 a pensar no Eduardo. Mas não me custa perceber porque enfiou a carapuça. O caso dele é, aliás, dos mais interessantes. Eu, por exemplo, nunca consegui decidir se o Eduardo escreve má prosa analítica ou má poesia confessional. Do arrebatamento lírico ao embrulhado comentário erudito, da dedicatória inflamada à citação sábia, passa por todos os registos em menos de meia página. A mim, isso levanta-me insuperáveis problemas de leitura. A imprecisão e a verborreia do Eduardo-crítico não constituiriam precisamente a economia e a eficácia do Eduardo-poeta? E vive-versa? Não me desentenderia eu com um deles por pura incapacidade de apreciar o outro? Durante anos, os escritos do Eduardo fizeram na minha cabeça o atribulado trajecto de um livro de Foucault, que andou por Inglaterra, para ser traduzido, das mãos dos poetas para a dos filósofos e das mãos dos filósofos para as dos poetas, porque os poetas sustentavam que aquilo era com certeza filosofia e os filósofos que era à evidência poesia.”


Isto foi escrito, como referi, entre 1976-79. Quem costuma ler o EPC do Sec. XXI (como é religiosamente o meu caso), chegará à conclusão que o mundo e as pessoas não assim tão mutáveis.

terça-feira, maio 20, 2003

EU NÃO VOS DIZIA?

Escreveu Paulo Querido, do Expresso:

Aqui estou a dar o peito às balas - e a provar que afinal há (mais) jornalistas que lêem blogs. no meu caso, que não é único, há muito tempo. mais tempo, muito mais, do que de vida têm os quatro blogs subscritores somados.
Prova o "post" que os autores (dizem-me que um deles até é jornalista) nem sequer lêem jornais - ou no mínimo não lêem o Expresso, que já citou em diversas ocasiões blogs COMO FONTES IDÓNEAS de informação. E citou segundo as melhores regras: dando o link para o blog (ou "post") original.
Sobre a "fasquia da inutilidade" não me darei à incansável trabalheira de afixar: é inútil.
Um abraço

Paulo Querido


Eu adoro quando me dão razão.

segunda-feira, maio 19, 2003

IMAGINEMOS, IRMÃOS

RTP2, 17 de Maio, Sábado à tarde. O Dr. Mário Soares vira-se para o Dr. Pacheco Pereira e, com o intuito de pôr os “seus [de JPP] neurónios a trabalhar”(sic) pergunta-lhe: “mas imagine que os EUA deixam de ser assim tão democráticos [Pacheco Pereira tinha, minutos antes, afirmado que os EUA são uma democracia e que isso tem que significar alguma coisa].”

A pergunta insere-se na estafada tese de Soares: os EUA têm de ser «confrontados» (a Europa deveria fazer esse papel) porque o mundo não pode ficar refém de uma hiper-potência, imperialista e neo-colonialista, servida por um texano idiota, evangélico e extremista. Daí o exercício: “imagine o senhor”...

Já que estamos em matéria de «imaginações», imagine o senhor, Dr. Mário Soares, que a hiperpotência se chamava URSS. Imagine o senhor que o mundo, tal como o conhecemos, deixaria de contar com a presença dos EUA e da Inglaterra. Imagine o senhor que o fundamentalismo islâmico decidia expandir-se por todo o mundo. Imagine o senhor que o Sr. Kim se sentia livre e não ameaçado para prosseguir a sua visão futurista da humanidade e do mundo. Imagine o senhor que a França teria, nas suas mãos, o poder militar dos EUA, e que em vez de Bush o mundo estaria à mercê desse humanista chamado Xiraque. Imagine...

O problema é que o Dr. Soares já não imagina que os EUA não são uma democracia. Ele tem a certeza que a administração Bush transformou os EUA numa ditadura, que se prepara para tomar o mundo. O Congresso, o Supremo Tribunal, o Senado, os tribunais, o “rule of law”, a constituição americana, o povo americano? O facto de ter sido no seio da sua querida e abstracta «Europa», e não nos EUA, que nasceram os totalitarismos ocidentais no Sec. XX (o fascismo, o nazismo e o comunismo)? Nada disso interessa. A História, as evidências e a realidade: tudo deve ser mandado às malvas porque, para o Dr. Soares, o que importa é imaginar.

“Imagine que os EUA não são assim tão democráticos”. Pois... Imagine o Dr. Mário Soares que a minha avó tinha rodas: diga lá se não seria parecida com um autocarro?
O DR. LOUÇÃ, A FÉ ILUMINISTA E O CONTRA-ILUMINISMO

O puritano e douto Francisco Louçã defendia, há semanas (em artigo publicado no Público), a existência de uma ligação «maquiavélica» entre o neo-conservadorismo, Leo Strauss e a crítica ao Iluminismo

O que impressiona no Dr. Louçã é a sua total entrega à tirania das declarações definitivas. Se tivesse tido o cuidado de ler uma só linha sobre o que significou o Iluminismo e o contra-iluminismo, talvez tivesse mais calma em afirmar, peremptoriamente, o que afirmou.

Ninguém, no seu perfeito juízo, pode denegrir gratuitamente o Iluminismo ou apresentá-lo como a fonte de todos os males. Leo Strauss seguramente não o fez. Isaiah Berlin, que estudou esta matéria como poucos, soube, sabiamente, como era seu apanágio, separar o trigo do joio. Ao contrário do sugerido pelo grosseiro erro de interpretação do pensamento Berliniano por parte de Mark Lilla em “The Reckless Mind”, embora Berlin se tivesse oposto a algumas bases da Fé Iluminista, ele nunca perdeu a admiração e o sentimento de solidariedade para com os French Philosophes do Sec. XVIII, na sua luta contra o dogmatismo, as superstições, a ignorância e a opressão - concorrendo para libertar o homem das trevas clericais, metafísicas, políticas, etc. Agora, é da mais elementar honestidade intelectual não sonegar a crítica e a constatação das limitações empíricas do Iluminismo, bem como das consequências – lógicas e sociais – decorrentes do mesmo. Como foi apontado por Aron, Berlin ou Oakeshott (embora Oakeshott tivesse recuado até Descartes), o Iluminismo foi a origem e, com os anos, o catalisador do dogmatismo doutrinário da razão. Reconhecer que o contra-iluminismo foi, na sua essência, uma espécie de rebelião contra o monismo ou «pensamento único» - facto que, se calhar, até faria as delicias de Louçã – não é sinal de conivência ou adesão ao irracionalismo. É perceber que o contra-iluminismo foi essencial para combater a ideia de que, para as mais diversas questões morais e políticas, existe apenas uma única resposta e solução - todas elas compatíveis entre si e alcançáveis através da Razão. É óbvio que o Dr. Louçã nunca perceberá que, em boa parte, foi da matriz Iluminista que nasceu a inflexível visão «racionalista» que justificou, por exemplo, os gulags e os campos de concentração. Foi exactamente esta perspectiva da busca da «chave», através do «racionalismo» e da técnica, que serviram de base ao sacrifício de milhões de vidas humanas durante o Sec. XX, em nome da “Solução” e da “Perfeição”, levado a cabo por líderes políticos, apoiados, muitas vezes, por distintos conselheiros intelectuais. Foi essa presunção que levou Lenin a afirmar “os interesses do socialismo estão acima dos interesses do direito de auto-determinação das nações”.

A Fé Iluminista baseia-se, também, na ideia de que o predomínio do mal é sinónimo da inconsciência e não-autonomia morais. Para a Fé Iluminista, as boas escolhas e as boas acções são interpretadas moralmente como uma evidência da autonomia e consciência racional do seus agentes. Pelo contrário, as escolha erradas e nefastas, bem como as acções negativas e malévolas, são interpretadas como manifestações próprias de vitimas do mau «sistema», que as levaram a ser inconscientes. Se as pessoas causaram o mal, só pode ter sido consequência de uma organização política deficiente, que as corrompeu e as levou à irracionalidade e ao ressentimento. Se as pessoas agiram correctamente, eis, então, um sinal claro de que a racionalidade nas escolhas e na organização políticas prevaleceu. Como já devem ter reparado, tudo isto tresanda a Rosseau, Kant e até Marx, na medida em que na Fé Iluminista se estipula como factor exclusivo da formação da consciência e moralidade individuais a situação social das pessoas – o que colide com a ideia conservadora, que pressupõe ser sobretudo a consciência (autónoma) dos homens que determina e condiciona a sua condição social.

Há dias, observava a Dra. Ilda Figueiredo (deputado ao Parlamento Europeu pelo Partido Comunista Português) a debitar as iniquidades do costume sobre a guerra no Iraque. A douta senhora declarava que o seu partido, desejava, ao contrário de Bush, a Paz e não a Guerra, considerando, para tal, que se deveriam “criar condições económicas e sociais” que “auxiliem os povos mais desfavorecidos” (estou a parafrasear), de modo a que os mesmo possam sossegar as suas intenções revoltosas e irracionais contra o Ocidente (conclusão minha). Eis a Fé Iluminista, em todo o seu esplendor: a Al Qaeda, o Sr. Saddam, o Sr. Kim, o Hamas e o Hezbollah existem porque o Ocidente, o Capitalismo e o Sr. Bush exploraram os seus povos, mantiveram-nos na penúria e não lhes deram a mão, permitindo, assim, a irracionalidade das suas acções - uma irracionalidade não-autónoma e, claro, inconsciente. A desigualdade material é, ela própria, um claro sinal de injustiça social institucionalizada e o rastilho para a irracionalidade - compreensiva, entenda-se - do mal. Por exemplo, o 11 de Setembro foi um grito mudo de revolta dos povos desfavorecidos – os quais, entregues à sua miséria e sofrimento, perderam a racionalidade e criaram o seu próprio código de conduta moral. Por detrás das lágrimas de crocodilo de muita boa gente no dia 12 de Setembro de 2001, escondia-se a ideia de que, no fundo, as vítimas tinham agredido o agressor. Coitados... Resumindo: se as pessoas não tiverem de lutar contra a pobreza e a discriminação, se não forem ignorantes, doutrinadas, doentes ou alvo de injustiça, se elas tiverem tempo para decidir a sua vida em tempo de paz, então certamente saberão agir em conformidade, ou seja, escolhendo o bem e sacudindo o mal.

A ingenuidade e a total falta de noção empírica da realidade são, quase sempre, patéticas. Não cabe na cabeça desta gente que: as acções malévolas podem ser fruto da racionalidade e da livre escolha; que o ser humano pode, autónoma e conscientemente, planear e perpetrar o mal; que, mesmo na presença de escolhas e organizações políticas acertadas e ditas «racionais», o imponderável (tão mal que a esquerda se dá com o imponderável...) e outros factores difusos podem dar cabo da festa. No fundo, a Dra. Ilda Figueiredo e o Dr. Louçã nunca perceberão que a natureza humana é propensa a defeitos, a deformações, a um leque de escolhas morais diversificadas e contraditórias, ou seja, que o mal é uma característica consciente e permanente da vida moral. Ou se restringem e controlam certas acções – sejam elas autónomas, não autónomas, conscientes ou inconscientes – ou está tudo tramado. Só pela via indirecta – da “criação de condições necessárias”, da solidariedade, da amizade fraterna e da benevolência – não se chega lá.
A INSTITUIÇÃO

Embora tivesse subscrito a declaração dos infames sobre o Expresso, penso que a mesma não deveria ter existido. O Expresso não merece tanta atenção. Onde está a admiração?

Há décadas que o Expresso, arrogante e altivamente, se auto-proclamou uma espécie de provedor do bom jornalismo, do rigor e da seriedade. O Expresso, como jornal da «situação», acha por bem decretar o que é útil e inútil, o que é bom e o que é mau, o que está «in» e o que está «out», o que é sério e o que não é sério.

Segundo o Expresso, a blogosfera não é, portanto, útil. Mais: fica no ar a ideia de que, para o Expresso, Pacheco Pereira ver-se-á misturado com uma corja de inúteis (e imbecis?). Para o Expresso, tudo o que saia da norma ou do pensamento arrumadinho do seu director, é acessório. Descartável. Inútil.

É bom lembrar alguns factos. O Expresso, como jornal de notícias, é fraco. Como jornal de opinião, boçal (a não ser que se goste do previsível e do pensamento de políticos do aparelho disfarçados de «opinion makers»). Como jornal de investigação, sofrível. Aliás, o Expresso é isso mesmo: um jornal mediocramente mediano (ou será medianamente mediocre?), que muita gente insiste em comprar para satisfazer o ritual de Sábado. “Já compraste o Expresso?”, “Já. Já lá está ao lado do sofá”. E por ali deve ficar. Eis o epíteto: de grande só tem o formato, de peso o número de cadernos.

Perdoar-me-ão os meus amigos infames, mas, a haver declaração, deveria ter sido esta: “A blogosfera declara que, com a presença do Público, diário nacional de referência, do Diário de Noticias e com as versões on-line gratuitas dos mais importantes jornais mundiais, o Expresso deixou de ser útil.”

sábado, maio 17, 2003

MAIS UM…
Anuncia-se a chegada do mais recente bloguista: Greganeiro Come-Tudo. O assunto é Portugal. Agora, adivinhem o título. É claro que só podia ser... República das Bananas

YOU GENTLEMEN AREN'T REALLY TRYING
TO KILL MY SON, ARE YOU?


Acabei de preparar um Bombay Sapphire com tónica e preparo-me para rever, pela cagalhésima vez, este filme:

LARKIN, PHILIP

High Windows
When I see a couple of kids
And guess he's fucking her and she's
Taking pills or wearing a diaphragm,
I know this is paradise

Everyone old has dreamed of all their lives –
Bonds and gestures pushed to one side
Like an outdated combine harvester,
And everyone young going down the long slide

To happiness, endlessly. I wonder if
Anyone looked at me, forty years back,
And thought, That’ll be the life;
No God any more, or sweating in the dark

About hell and that, or having to hide
What you think of the priest. He
And his lot will all go down the long slide
Like free blody birds.
And immediately

Rather than words comes the thought of high windows:
The sun-comprehending glass,
And beyond it, the deep blue air, that shows
Nothing, and is nowhere, and is endless.

in High Windows (1974)


THE SMITHS

O leitor Gonçalo Pina chama-me a atenção: ”Os Smiths apareceram algures em 1982. Talvez “Hand in Glove” tenha sido editado em 13 de Maio de 1983. Não sei.”

De facto, o Gonçalo tem, em parte, razão: foi na primavera de 1982 que Morrissey e Johnny Marr fundaram uma “songwriting partnership” a que deram o nome de Smiths. Mike Joyce e Andy Rourke juntaram-se ao duo mais tarde: Joyce no Verão e Rourke no final desse ano. Mas foi na Primavera de 1983 que o grupo assinou com a Rough Trade Records e lançou o seu primeiro single - “Hand in Glove” - a 13 de Maio de 1983. Simbolicamente, podemo-la usar (a data do lançamento da primeira obra), como a do surgimento do grupo. É apenas um critério, nada mais.

sexta-feira, maio 16, 2003

PESSIMISTA

Querem saber qual a melhor maneira para se passar a ser pessimista, quanto ao futuro da humanidade? Experimentem falar com um aluno universitário ou com um dirigente académico. Como diria o Nelson Rodrigues, hoje em dia, diante da omnipotência de um jovem universitário, um adulto tem, por vezes, um olhar estrábico de pavor.

Esta semana, a propósito da Queima da Fitas, estive à conversa, por telefone, com um plesidente de uma associação de estudantes. O estilo atabalhoado, a argumentação primária e a falta de educação (sem me conhecer de parte alguma, tratou-me logo por «você») auguram o pior. Antes, tinha recebido um ‘dossier’ dessa mesma associação, onde se descrevia o seu rol de actividades. Pensarão os leitores: encontros com académicos das mais diversas áreas, congressos, palestras, tertúlias sobre os mais diversos temas, súmula de acordos com a reitoria, informação legislativa? Nada disso. Festas, Rambóia, Fados, Garraiadas, Praxes & Co. Lda. As associações de estudantes parecem existir para animar a malta. Uma espécie de colectivo de gajos porreiros que, por sua vez, tratam da organização do circo e da contratação dos palhaços (no caso das praxes, recorrendo à prata da casa). Há semanas observei, pela televisão, outro dirigente académico que, vociferando contra o ministro, alegava que esta nova lei da propina “é contrária às conquistas de Abril”. Estremeci. Na minha cidade observo, recorrentemente, o burburinho dos estudantes com as suas capinhas pretas, o olhar turvo e o sorriso perene na cara – próprio de quem se está a divertir na companhia de umas ‘bejécas’, sempre com os decibeis muito acima do desejável. Amigos meus, que abraçaram a via do ensino universitário (eu bem os avisei...), dizem-me que os seus alunos escrevem um português uns furos abaixo do que era escrito há quinze anos atrás, por uma criança de 12 anos. A coisa chegou a tal ponto que o nível de exigência teve de ser reduzido para níveis vergonhosos, sob pena de 90% da maralha ficar pelo caminho – o típico exercício português de nivelar por baixo. O que não é de admirar. Os actuais estudantes universitários são filhos da iniquidade do sistema de ensino em Portugal, fruto de uma política que tem honrado a velha máxima do Groucho: [a política] uma espécie de arte na procura de problemas, na forma indevida de os diagnosticar e na aplicação dos remédios errados.

Ok. Eu também já lá andei. Mas, ao menos, nessa altura, seguia à risca o conselho do meu pai: “Fala pouco e ouve muito. É para isso que Deus Nosso Senhor nos deu duas orelhas e apenas uma boca".
THERE IS A LIGHT THAT NEVER GOES OUT

Os meus agradecimentos ao grande Nuno, do Tradução Simultânea. Foi o único que se lembrou que a 13 de Maio de 1983 surgiam os The Smiths.


ALAVANCA

É já um clássico, no que se refere ao correio/comércio electrónico. Quem nunca recebeu o famoso mail “Aumente Seu Pênis”? Reza assim:

Com o MANUAL mais cobiçado da internet no momento, você aumenta o tamanho de seu pênis de 2 a 5 cm em 2 meses com exercícios absolutamente naturais. Aumenta também a sua potência, controle e volume da ejaculação, dentre outros benefícios. Programa completo com figuras ilustrativas explicando detalhadamente todos os exercícios. Fotos comparativas no site de pessoas que experimentaram essa técnica.

Mas a pièce de résistance chega no fim, com o endereço: www.alavanca2003.tripod.com.br. Nem mais.
AINDA A GLOBALIZAÇÃO

Sempre que reflicto sobre o tema, chego à mesma conclusão: pior do que ser atingido pela “Globalização” é não ser atingido pela “Globalização”. O que vejo por aí, por parte de intelectuais e «opinion makers» ocidentais contrário à «Globalização», é, precisamente, o reflexo do comodismo de quem fala de barriga cheia, sapatinhos Church nos pés e o blusanito Façonnable da praxe.

Sim,«romanticamente», compreendo-os. Também eu gostaria de voltar à escala do bairro e à exploração das idiossincrasias de cada região, país, etc. Também eu gostaria de voltar ao «small is beautiful». Também eu gostaria de viver num mundo que «mimetizásse» conceitos e modelos de diversidade. Mas não me importo de abdicar dessa lógica passadista dos «blocos» estanques se, com essa atitude, eu injectar e espalhar riqueza nos países mais pobres - pelo menos naqueles que aderem ao «circuito».

É evidente que existe muita coisa de errado no estado actual de desenvolvimento mundial. Há mais pobreza e desigualdade do que seria desejável e aceitável, e têm-se registado muitos episódios de instabilidade económica e financeira. Não é tolerável que, num mundo onde há tanta riqueza, existam pessoas a quem ainda falta água potável, assistência médica básica, comida e educação.

Posto isto, há que perceber que, na maior parte das vezes, as respostas certas aos problemas globais devem ser operadas internamente, através das políticas domésticas, de cada país. Não existe uma política global que funcione como panaceia. Os efeitos da globalização estão sobretudo dependentes da relação de dependência dos países face às suas próprias instituições e políticas económicas. Em muitos dos países em vias de desenvolvimento, uma maior abertura ao exterior tem sido um poderoso incentivo às políticas internas reformistas - as quais seriam, mais tarde ou mais cedo, de implementação obrigatória. E a melhor resposta aos problemas que emergem da globalização dificilmente se encontram através de uma política de exílio ou entrave à integração global. Pelo contrário, isso só prejudicaria o crescimento e agravaria a pobreza.

Há um fenómeno inegável, e que todas as estatísticas credíveis e sérias revelam: a globalização tende a disparar o crescimento e o crescimento tende a reduzir a pobreza. Os pobres, tal como os ricos, tendem a ver os seus rendimentos subir sob o efeito do aumento do crescimento económico. Se é, de facto, assustador constatar que cerca de 1.3 biliões de pessoas vivem actualmente em situação de total pobreza (definida estatisticamente como aqueles que têm um rendimento inferior a 1 Dólar/dia), é bom perceber que este número sofreu poucas alterações desde 1950 e é agora uma percentagem menor da totalidade da população mundial - 24% agora contra os 55% de então. Ou seja, embora demasiada gente viva na pobreza, o problema tem vindo a decrescer proporcionalmente durante a recente era da globalização acelerada - e principalmente nos últimos 20 anos.

Quando se afirma que «a globalização tem provocado um grau de pobreza sem precedentes», está-se a ser ignorante. Sim, é verdade: a diferença entre os rendimentos médios dos países mais ricos em relação aos dos países mais pobres, está a um nível maior do que alguma vez esteve. Mas é preciso perceber porquê. E a razão é simples: o fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumentou. Mas os que ficam no meio, ou seja, a maioria, viram os seus padrões de vida aumentados. Vivem hoje melhor. As pontas (os extremos) afastaram-se, mas a percentagem de pessoas que vive abaixo do limiar da pobreza é hoje bem menor. Não é invenção. É observar os números e estatísticas com atenção e cabeça limpa.

Quanto ao papão das multinacionais, existem já, hoje em dia, vários estudos que apontam no sentido do que já por diversas vezes podemos ver escrito na revista The Economist (a única revista que tem tratado o assunto «Globalização» de forma séria, independente e imparcial): não existe qualquer evidência em como o poder corporativo das multinacionais tenha conduzido à miséria, à exploração ou à disputa desregrada os países em vias de desenvolvimento, por oferecerem menores taxas de imposto, baixos níveis de condições de trabalho ou menores restrições ambientais.

Existe, isso sim, uma evidência clara de que ao investimento das multinacionais estão associados melhores standards ambientais. Algumas companhias tentam, de facto, fugir aos impostos e ao controlo das regulamentações, o que exige extrema vigilância. Mas não existe nenhuma evidência que demonstre uma perda de eficácia na regulamentação dos governos sobre as actividades das companhias externas.

Por outro lado, as companhias multinacionais procuram, de há décadas a esta parte, uma combinação de factores na escolha da sua estratégia produtiva: baixos custos de produção, acessibilidade aos mercados, qualificação dos trabalhadores, infra-estruturas adequadas, governos estáveis e uma situação interna equilibrada. É isto que é procurado quando toca a decidir em que país investir.

Mas sobre o investimento externo dos países ricos, é bom desfazer um mito: a esmagadora maioria desses investimentos fazem-se dentro do círculo de países da OCDE e, quanto muito, na direcção de países remediados. É escasso o investimento externo dos países desenvolvidos no continente Africano, em especial nos países subsarianos. O que significa que o critério do custo menor não é o único nem o principal. Na verdade, as multinacionais presentes nos países em vias de desenvolvimento pagam em média mais do que o nível médio de salário desses países, o que explica o facto de os salários reais nesses países terem vindo a subir por influência dos investidores externos. O emprego nas fábricas das multinacionais é sempre disputado avidamente por toda a gente (especialmente as mulheres). É óbvio que o nível de remuneração paga e as condições de trabalho oferecidas nesses países pelas multinacionais não coincidem com as dos sues países de origem (o mundo é o possível, mas não o ideial). Isso é evidente. Mas também é verdade que, por experiência, as multinacionais têm vindo a perceber, à sua custa, que é importante monitorizar essas condições de perto, tanto nas fábricas que directamente controlam como, especialmente, naquelas que subcontratam (e aqui entram histórias como as da Nike...).

De uma vez por todas, é importante perceber que, para além de criarem emprego nos países em vias de desenvolvimento, os investimentos das multinacionais têm sido preponderantes e fundamentais na transferência de know-how e de tecnologia dos países ricos para os países pobres. Mas o sucesso desta transferência depende de ambas as partes - e tudo depende do contacto cara-a-cara e da experiência adquirida. Em muitos contextos, é difícil pensar numa outra forma de transferência tecnológica para além da que advém do investimento directo.

Por último, o grande problema da globalização é... a hipocrisia dos países ricos em não assumir a sua retórica sobre a Globalização. Veja-se o caso dos produtos agrícolas. Vergonhosamente, os agricultores dos países pobres têm sido forçados a sair dos mercados do norte e a enfrentar as exportações subsidiadas dos países ricos. A «santa» União Europeia é useira e vezeira nesta matéria. Os países mais ricos têm a obrigação moral de não empurrar dos seus mercados os produtos desenvolvidos nos países do terceiro mundo. As regras do jogo tem de ser limpas e iguais para todos. Se o receio é o declínio ou o desemprego, desenganem-se: os países ricos podem suportar isso porque têm uma estrutura económica que absorve e distribui os seus elementos produtivos.

A solução para os problemas da globalização não passa por proteccionismos, isolacionismo, regressão do progresso ou regresso ao passado. Passa pelo tipo de políticas internas adoptadas por cada país e não propriamente pela criação de uma megalómana estrutura supra e pan-nacional. É tudo uma questão de regras, adaptação e cabeça limpa. Meus caros: para o bem e para o mal, o desenvolvimento, a mundialização e os progressos tecnológico e cientifico são imparáveis. Tiremos deles o melhor partido. Acima de tudo, deixemo-nos de lirismos.

quinta-feira, maio 15, 2003

CENDREV, BRECHT & CO.

O meu amigo Zé Luis protesta:
“Não posso deixar de fazer uma observação às tuas considerações sobre o CENDREV e a peça "Baal" que felizmente tive oportunidade de ver (além do mais porque nela participava um grande amigo meu, Vitor Correia):
- A peça é extraordinária e conta com o desempenho fabuloso de Miguel Borges, seguramente um dos melhores actores da actualidade, a quem apenas faltará a voz de um Luís Miguel Cintra.
- O CENDREV desde que existe (1975) levou a cena apenas 8 peças de Bertolt Brecht:
"Espingardas da mãe Carrar"
"Canções da Insuficiencia da aspiração humana"
"Homem por Homem"
"Lux in Tenebris"
"O senhor Puntilla e seu criado Matti"
"Porque é que o meu nome há de ser nomeado?"
"O que diz sim, o que diz não"
"A venda do pão"
- O autor mais representado é de longe o nosso bem português Gil Vicente (será que também era de esquerda????)
-Devias ficar satisfeito de ser possível presenciar na nossa cidade espectáculos da qualidade do oferecido pelos Artistas Unidos e não te agarrares a preconceitos ideológicos, que, neste caso, até nem têm razão de ser, se é que alguma vez têm.”


Caro Zé Luis: preconceito ideológico? Onde? Definitivamente, os esquerdistas têm a mania da perseguição e o sentido de humor não lhes é familiar. A única crítica subentendida nos meus comentários, sobre a peça “Baal”, de Brecht, são ao nível das opções e critérios do CENDREV na hora de escolher os dramaturgos – em meu entender as suas escolhas têm sido monocórdicas, a temática repetitiva e os projectos pouco ambiciosos (daí ter feito referência à falta de “diversidade”, mesmo que me apresentem as estatísticas da praxe).

Quem falou em ideologia? Mesmo sabendo que o Brecht é muito querido à esquerda, só o mencionei por uma questão de oportunidade ou, se quiseres, ‘timing’. Isto porque se anunciava a estreia da peça “Baal” – que eu julgava ser uma produção do CENDREV. Por sinal, a encenação, desta vez, estava a cargo da companhia Artistas Unidos. Valha-nos, ao menos, essa ironia.

Afirmas que o CENDREV encenou “apenas” oito peças do Brecht. De acordo. Apenas? Não são assim tão poucas. Convinha especificar quantas vezes foram levadas à cena e por que período estiveram em cartaz.

Como tu bem referiste, peguei em Brecht como poderia ter pegado em Gil Vicente. O que interessa salientar é que as razões nada tiveram que ver com questões ideológicas. Isso seria, no mínimo, um tremendo dislate. No fundo, as razões são bem mais simples e objectivas. Partem de um simples eborense, leigo em matérias teatrais mas, ainda assim, no direito de criticar.

Mas já que falas em “ideologia”, podemos ir por aí. Concordarás – tu, que és eborense e conheces bem a realidade da nossa mui nobre cidade - que a Câmara Municipal de Évora (CME) e o CENDREV conseguiram um feito assinalável, numa cidade que tem apenas um teatro (o belíssimo Teatro Garcia de Resende (TGR)): afastar os eborenses do mesmo. A forma como a CME, durante o longo consulado do PCP à frente dos seus destinos (foram 25 anos!), deixou o TGR – um teatro municipal - refém do CENDREV, espelha bem a forma doentia como a esquerda, principalmente a esquerda da linha dura, considera como instrumental esta coisa da cultura e das artes vivas. E reflecte bem até que ponto a promiscuidade entre a CME e o CENDREV foi quase obscena.

Assim, no caso concreto, a culpa tem de ser repartida. Por um lado, foi um erro colossal da CME permitir que o CENDREV fizesse do TGR a sua própria casa. Ainda hoje, em Évora, para o comum eborense, o CENDREV é o TGR e o TGR é o CENDREV. Raro é o munícipe que dissocia uma entidade da outra, quando, na prática (e não só no papel) elas deveriam ter estado sempre bem separadas. O TGR deveria ter sido um teatro muncipal, de todos, e não uma espécie de albergue para amigalhaços.

Por outro lado, os responsáveis do CENDREV deveriam ter tido a visão e a humildade de pensar que, sendo a única companhia teatral da cidade, subsidiada com o dinheiro de todos, era de bom senso e de importância vital ter-se empreendido uma programação teatral em jeito de serviço público, englobada numa visão estratégica com pés e cabeça, i. e., percorrendo vários géneros teatrais, levando à cena peças essenciais da história do teatro, ou seja, se a palavra não te ofender, clássicas. Brecht, Gil Vicente, Goldoni ou Moliere poderão ser considerados como tal? De acordo. Nem sequer vou discutir isso. Mas e os outros? Quantas vezes o CENDREV encenou Shakespeare? Duas. Henrik Ibsen? Uma. Tchekhov? Nenhuma. Oscar Wilde? Nicles. Eliot? Zero. O que dizer de uma companhia que esqueceu, durante 25 anos, Beckett? Por último, pretenderás convencer-me que o critério e as escolhas do CENDREV não foram, ao longo dos anos, varridos por um forte cunho político-ideológico?

Dir-me-ás que uma companhia teatral deve ter a sua própria identidade, o seu estilo e linha estética. Mais uma vez, de acordo. Mas, sendo assim, não deveria a CME e o seu executivo ter acautelado isso? Não deveriam ter deixado espaço e meios para trazer a Évora outras companhias, outros dramaturgos (coisa que o fez esporádica e timidamente)? Ou, então, ao contrário: não deveria o CENDREV ter sido mais humilde e atento ao facto de, sendo a única companhia da cidade, ser sua obrigação prestar um serviço público à comunidade, chamando a si projectos que levassem à cena os clássicos, as obras obrigatórias, (outros) dramaturgos de referência? (imagino que estejas a perguntar: quem definiria quais seriam as obras clássicas...)

Para terminar, voltemos à referida ironia da peça “Baal”. E a ironia é só esta: agora que estão no poder os que criticaram, e em certa medida bem, o CENDREV pela falta de diversidade e pela instrumentalização política da sua actividade; agora que se pretende libertar o teatro municipal para outros eventos e companhias, novos dramaturgos (inclusivamente contemporâneos) eis que se acolhe a vinda de uma companhia de teatro forasteira para apresentar uma peça de... Brecht. É caso para perguntar: os assessores culturais da CME estão a gozar connosco ou estão a dormir?

PS: escusado será dizer que, qualitativamente, nunca pus, nem ponho, em causa o CENDREV. O seu corpo técnico (encenadores, cenógrafos, etc.), os seus actores e actrizes nunca estiveram em causa – são todos profissionais e, alguns deles, excelentes (embora com o tempo os melhores tenham desertado). O mesmo se aplica aos Artistas Unidos. O que está em causa é uma coisa bem diferente. Quem não percebeu que volte a ler.

segunda-feira, maio 12, 2003

VIVA, VIVA!

Sempre que recebo uma camioneta de livros da Amazon, fico como aqueles putos a abrir os presentes, no dia do aniversário. A excitação é tal que chego a temer um colapso.


JOHN GRAY E WINSTON CHURCHILL

John Gray também não escapou à síndroma CIPOC. No seu último livro (Al Qaeda and what it means to be modern), Gray chega à conclusão de que Donald Rumsfeld e Osama Bin Laden apenas representam variantes ideológicas diferentes. Ao que parece legítimas. Pois...
Mas Gray avança com algumas perspectivas interessantes. Para ele, os fundadores da Al Qaeda e os seus ideólgos reinterpretaram o Islão à luz de modelos político ocidentais de má memória, presentes ao longo do Sec. XX - adoptando, por exemplo, a noção Bolshevik de vanguarda revolucionária. Sim e não, penso eu de que.

Não creio que a religião muçulmana seja assim tão tolerante e pacifista. Leia-se “Islam Unveiled” de Robert Spencer e perceber-se-á porquê.

Mas concedo algum crédito a Gray (desculpem a falta de humildade) na parte que diz respeito à importação de modelos políticos ocidentais por parte dos regimes árabes.

Durante os séculos XIX e XX, os modernizadores islâmicos concentraram os seus esforços em três áreas: militar, económica e política. Os resultados foram, no mínimo, decepcionantes. Na questão económica, é por demais evidente que houve uma tentativa falhada de impulsionar uma espécie de revolução industrial, à imagem da europeia. Para não irmos mais longe, basta reparar que, se retirarmos as exportações dos combustíveis fósseis, ainda hoje o total das exportações do médio oriente é irrisório (inferior às da Filandia, por exemplo).

Ao nível da administração e organização política, as clivagens foram, e são, ainda maiores. Muito sintomaticamente, existem relatos nos quais se percebe que, no Sec. XVIII, os embaixadores muçulmanos em Berlim, Viena, Paris e Londres, descreviam, com estranheza, o facto de haver uma administração burocrática eficiente, baseada na nomeação e promoção das pessoas com base no mérito e na qualificação, e não por favor ou proteccionismo. A este nível (político e organizacional) registaram-se ironias terríveis: os países árabes, por exemplo, optaram por acolher os modelos errados. Durante os anos 30 (Sec. XX) a URSS, a Itália e, depois, a Alemanha ofereceram os modelos políticos e as ideologias que, por sinal, eram elas próprias um contra-poder dentro do ocidente. Vários tipos de socialismo foram adoptados (a que se seguiram novas categorias como "socialismo árabe") - mas todos resultaram em fracassos monumentais que fizeram perpetuar e acentuar formas de tiranias que ainda hoje se fazem sentir - das tradicionais autocracias às ditaduras mais modernas (ao nível do aparato de meios de repressão e doutrina). Uma coisa é certa: as experiências socialistas, aliadas ao ethos político e religioso muçulmano, deixaram uma marca que está à vista de todos: elevadíssimo nível de intervenção do Estado, com forte inibição do crescimento económico, aliada ao inseparável braço da religião.

Finalmente, John Gray avança com a seguinte frase: “Even intolerable regimes would be tolerated so long as they posed no danger to others.” Este foi o argumento apresentado pelo grosso da coluna, contra a intervenção no Iraque. É para mim claro que a frase em questão não só revela cinismo e comodismo, como também subjectivismo e irrespnsabilidade. Lembrei-me o bom velho Winston Churchill:

"Quando gentes pacíficas como os britânicos e os americanos - que, em tempo de paz, não se preocupam nada com a sua defesa, quando nações e povos despreocupados e confiantes, que nunca conheceram a derrota, quando nações imprevidentes, eu diria imprudentes, que desprezam a arte militar e acreditam que a guerra é demasiado iníqua para que um dia possa voltar - quando estas nações são atacadas por conspiradores altamente organizados e fortemente armados, que, ao longo de anos, planeiam em segredo, celebrando a guerra como a forma mais elevada do esforço humano, glorificando a morte e a agressão, preparados e treinados até aos limites permitidos pela ciência e pela disciplina - quando isto acontece, é natural que os pacíficos e imprevidentes sofram terrivelmente, e que os agressores intrigantes e cruéis dêem livre curso à sua exaltação selvagem. Mas não é o fim da história. É só o primeiro capítulo."

MAÇONARIA

De quinze em quinze dias, recebo um enigmático 'mail' de um tal dany25@hot.com.br , com o seguinte assunto: “Conheça a Maçonaria”. No corpo da mensagem nem uma só palavra a não ser um endereço: www.templarios.org.br

Nunca lá fui. Tenho medo. Muito medo.


O ‘DOSSIER’

A Sociedade Harmonia Eborense, a Ex-Quorum e a MataX - com o apoio da Câmara Municipal de Évora e do Instituto Português da Juventude - criaram um curso de Gestão e Produção Teatral, cujos destinatários, segundo o folheto, são os “Fazedores de Teatro”(sic). O objectivo do curso, segundo, ainda, o folheto, é o seguinte:

“Consciencializar os participantes do projecto de todas as vertentes do mesmo e a melhor forma de o realizar/produzir através da elaboração de um ‘dossier’ de produção.”(sic)

Quanto às “metodologias” a adoptar:

“Propõe-se reflectir com os participantes questões de ordem prática na realização do espectáculo, a partir dos vários projectos a realizar pelos alunos. A discussão em grupo das várias fases do ‘dossier’ vão levantar questões que passam desapercebidos ao próprio. Quanto mais clara e simples for esta vertente do projecto, maior o espaço e a liberdade para a criação.”(sic)

Meus caros: estão a ver onde é gasto o nosso dinheirinho?!

domingo, maio 11, 2003

A GLOBALIZAÇÃO

Pegando na deixa do João Pereira Coutinho gostaria de escrever umas coisas sobre a Globalização.

A forma como a chamada Globalização tem estado a ser debatida no Ocidente, entre os países industrializados, espelha bem o crónico complexo de culpa destes relativamente ao Terceiro Mundo. Hoje em dia é comum afirmar-se que a Globalização é responsável pelo agravamento da situação de pobreza dos países subdesenvolvidos e, ao mesmo tempo, sintomática do fosso abismal entre essas duas realidades antagónicos.

Em boa verdade, a Globalização é, hoje em dia, a nova figura de retórica na discussão de uma questão já velha. Para muito boa gente, o Ocidente criou e continua a promover um sistema de exploração dos países pobres, através de uma dominação opressiva sem contrapartidas. Longe de estar inocente, o Ocidente não pode, contudo, continuar a ser responsabilizado por tudo o que de mal se passa no mundo. E seria importante denunciar a existência de muitos argumentos falaciosos, e a inexistência de outros absolutamente válidos, para efeitos de discussão.

Notar, por exemplo, que o aumento substancial do nível médio de esperança de vida nos países do Terceiro Mundo tem por detrás a acção do Ocidente; que o argumento da dominação colonial e da estratificação social à escala internacional é débil, uma vez que a maioria dos países mais pobres e atrasados do mundo nunca estiveram no passado sob influência de potências coloniais (Afeganistão, Chade, Burundi, Nepal, Butão, etc.); que nos países do Terceiro Mundo são muitos os complexos industriais, agrícolas e comerciais que foram criados através de recursos criados localmente e novamente reinvestidos; que longe de a sugar, o Ocidente tem injectado e promovido muita riqueza em países que, à partida, pouco tinham para oferecer; que em muitos países do terceiro mundo, toda a riqueza criada pelos produtores é absorvida por impostos e taxas proibitivas, decretadas por governos totalitários ou falsamente democráticos; que os países mais desenvolvidos e ricos do Terceiro Mundo são aqueles que mais abriram as suas fronteiras ao Ocidente e maiores contactos comerciais têm com este; que a esmagadora maioria das multinacionais (não digo que não haja excepções) presentes nesses países, e ao contrário do que se veicula por aí, fizeram elevar o nível de rendimento da população e melhorar as condições de trabalho e de acesso ao mesmo, levando para esses países ‘know how’ e meios nunca antes sonhados.

De uma vez por todas, é essencial perceber que, embora velha e inerente ao desejo inato de contacto e aproximação do ser humano, a Globalização foi acelerada pelo progresso tecnológico e pelos meios de comunicação que desencadearam, entre os países «aderentes» do Terceiro Mundo, um crescimento integrado com o Ocidente, através de um aumento das trocas comerciais, do conhecimento e da mão-de-obra produtiva.

Um dos maiores motores de crescimento de qualquer sociedade é encontrado nas repercussões sociais derivadas das trocas comerciais interna e externas de cada país - coisa que hoje em dia a denominada «Globalização» , enquanto sistema global de informação e comunicação, veio incrementar e facilitar. É essa a diferença entre a Coreia do Sul e a do Norte, entre a Malásia e a Birmânia ou, se quisermos, entre o Norte e o Sul.

A Globalização tem, também, sido útil neste sentido: mostrar a céu aberto as verdadeiras causas das fraquezas de certos países. O grande mérito da Globalização será o de, a pouco e pouco, permitir que os povos desses países se apercebam de que, ao contrário do que lhes continua a ser vendido, o «inimigo» está no meio deles. E que a sua face mais hedionda e perigosa é servida por uma mistura explosiva de fanatismo, obscurantismo, incompetência, despotismo e corrupção.

sábado, maio 10, 2003

PESSIMISMO CONSERVADOR

O conservadorismo fundamenta-se em três crenças básicas: cepticismo, pluralismo, tradicionalismo e pessimismo. Sobre o pessimismo (antropológico), muito boa gente, do lado da esquerda, esfregou as mãos de contente, em sinal de chacota, quando supostamente apanharam os ‘conservas’ em manifesta contradição, por estes terem apoiado a intervenção militar no Iraque. Segundo o argumento da esquerda, só mesmo um optimista - idealista e ingénuo (termos estranhos ao conservadorismo) - poderia apoiar a guerra no Iraque. Seria inconcebível a um conservador defender uma acção que, entre outras coisas, poderia provocar sérios danos nas tradições de um povo e nas ligações - afectivas, comerciais, institucionais - entre pessoas, famílias, etc. Aparte a hilariante contradição interna desse argumento – teriam os esquerdistas sido os conservadores neste assunto? – importa tentar explicar o que leva um conservador a apoiar uma intervenção militar para derrubar um regime ditatorial.

Tomando em linha de conta os argumentos apresentados por Peter Hitchens, em artigo na Spectator, e os argumentos um tanto ou quanto simplistas do Manuel, no Blogue de Esquerda, pode à superfície parecer que uma posição de apoio a uma intervenção militar – ao fim ao cabo uma postura pró-activa que inflige sérios danos no modus vivendi e nos equilíbrios sociais (precários) dos países nela envolvidos - colide com a natureza do conservadorismo. Acontece que o putativo tiro no pé não existiu e o exercício de chacota pode recolher à base. Passo a explicar porquê.

De que falamos, afinal, quando falamos de pessimismo, em sede de moral política? Recorro a John Kekes. Para o pessimista (conservador) o mal, no mundo, é predominante. A sua predominância é um sinal claro da propensão do ser humano para o causar. Esta propensão para causar o mal é uma característica permanente da vida moral do ser humano. Embora seja uma característica inata, a sua expressão pode ser influenciada pelo tipo de organização política adoptada e pela disposição de valores daí resultante. Dito isto, para o conservador, tentar evitar o mal é uma função inerente à sua postura no mundo. Para o conservador, as sociedades devem acarinhar e apadrinhar as possibilidades que permitam melhorar a vida (o que contraria a ideia feita de que o conservador não aceita reformas). É, por isso, necessário impor limites e restrições sobre os potenciais focos do mal, resultantes dos vícios do ser humano – no limite perpetrados por monstros amorais, morais ou malévolos. Essas restrições podem ser aplicadas a governos e ao Estado, como garantia contra o despotismo e o livre arbítrio do exercício do poder. Como referiu o Prof. Anthony O’Grady “the conservative, though open to reform, will be cautious about the large-scale disturbance of things which are running reasonably well. He will also seek to uncover the wisdom latent in ancient institutions and traditions.” Ora, que eu saiba as coisas não estavam a correr razoavelmente bem no Iraque (estou a ser benevolente) e o regime de Saddam foi especialista em, sistemática e meticulosamente, enterrar o passado (chegando ao ponto de cortar com tradições ancestrais e «recriar» cidades históricas inteiras a régua e esquadro.)

Era por demais sabido que Saddam Hussein procurava, por todos os meios, reunir um arsenal de armas de destruição maciça. A rodeá-lo estavam iminentes cientistas especializados nesse tipo de armas e a história demonstrava que ele já as havia utilizado. Durante os anos pós-guerra do golfo, só não as terá utilizado por culpa da derrota no conflito de 1991 (que lhe minou internamente boa parte do arsenal bélico e os meios de fabrico dessas armas), mas também por culpa de uma maior vigilância por parte da comunidade internacional. Também era sabido que, se o espaço de manobra tinha sido reduzido nos anos subsequentes à guerra do golfo, de 1998 a esta parte um manto de dúvida e receio pairava sobre as intenções e meios de Saddam, uma vez que as suas movimentações tinham deixado de ser monitorizadas, numa altura em que o mundo assistia, após o desmantelamento do bloco soviético, ao tráfico clandestino de substâncias perigosas. Existem registos em vários serviços secretos de contrabando de urânio por parte do regime de Saddam – o qual, entretanto, tinha deixado de ser controlado. Uma coisa parecia certa: para Saddam, o desenvolvimento deste tipo de armas seria apenas uma questão de tempo e de astúcia, facilitado pelo descuido da comunidade internacional.

Para além das dezenas de violações materiais das resoluções do conselho de segurança da ONU (o tão afamado mas tão volátil “direito internacional”), e da noção clara de que Saddam não iria desistir das suas intenções megalómanas, estávamos na presença de um ditador brutal, responsável por milhares de execuções sumárias e por uma guerra que ceifou a vida a milhões de pessoas. Acresce ainda um ponto essencial: o regime ditatorial de Saddam estava implantado numa das mais explosivas regiões do mundo: o médio-oriente. O próprio Saddam patrocinava o terrorismo palestiniano e existiam indícios de ligações a outras redes terroristas – incluindo a Al Qaeda. Saddam incitou sempre o seu povo e os seus colaboradores, dentro e fora do Iraque, a detestar violentamente o Ocidente, na figura da sua nação mais representativa: os EUA. Era, portanto, um homem perigoso num ninho (leia-se ‘região’) de vespas – donde saíram os autores morais e materiais do 11 de Setembro e onde os fundamentalismos religiosos recrudesciam (embora o Iraque de Saddam mantivesse uma tradição secular, a aproximação ao «Islão», por parte de Saddam, era nos últimos anos, notória).

Eis, resumidamente, o cenário antes deste conflito. Perante ele, surgiram três grandes correntes: 1) nada fazer – Saddam não era supostamente uma ameaça para o mundo e o Iraque era um país soberano, embora servido por um regime abjecto; 2) Insistir no embargo, aumentando o controlo por parte dos inspectores - ou seja, apostando numa política de contenção; 3) Agir preventiva e pró-activamente, através do uso da força, derrubando um regime perigoso, abanando o doentio status quo do médio-oriente e lançando alicerces para a reforma da região – enviando, ‘en passant’, um sinal claro contra os terroristas e estados párias de todo o mundo.

Julgar que o conservador, politicamente pessimista, não passa de um tipo que se habitou contemplativamente a cruzar os braços perante o mal que o rodeia, adoptando um comportamento irresponsável de inacção aliado ao discurso da litania e do conformismo, é não só absurdo como revelador de ignorância. Ser pessimista, no contexto do conservadorismo, não é ser niilista ou totalmente descrente quanto às possibilidades de poder melhorar, ainda que pontual e localmente, a organização política e a vida em sociedade. O conservador nunca poderia defender uma política de inacção perante um perigo crescente, que punha em causa a segurança de pessoas, lançado o receio e o medo patológico – fins acessórios do terrorismo à escala global. Quando está em causa a defesa de valores e princípios essenciais – como sejam os da liberdade, da segurança ou da tolerância – contra a escalada do mal, o conservador sabe de que lado está. A sua coerência foi, por isso, total. O resto são conversas da treta.

sexta-feira, maio 09, 2003

CORRECÇÃO

Segundo o meu amigo Luis, gerente e proprietário da eborense, 'cosy' e empenhada livraria Som das Letras, conjuntamente com a Sra. D. Anabela (sua cara metade), a peça de Brecht, de seu nome "BAAL" (escrita na adolescência daquele), foi levada à cena em Évora, no teatro Garcia de Resende, pelos Artistas Unidos, "independemente da vontade e conduta artística do CENDREV"(sic).

Ok, Luis. Fair enough. Nesse caso o CENDREV só levou à cena o Brecht quinhentas e vinte nove vezes, e não quinhentas e trinta...

PS: Este post teve o patrocinio da Livraria Som das Letras.
SR. ANTUNES: POSSO VOLTAR? ESTOU PERDOADO?

Há palavras no português que são sonoramente cómicas. Outras soam a vulgaridade (no sentido reles do termo). Outras há que são insultuosas – embora o seu significado esteja nos antípodas do efeito produzido pelo som.

Ontem fui cortar o cabelo. Se há coisa que me põe de rastos, esta é uma delas. Tenho uma costela de Sansão, certamente. Mas, como eu ia dizendo, fui cortar o cabelo. O facto relevante é que traí, pela primeira vez, o Sr. Antunes – o meu habitual barbeiro. Por sugestão, e insistência, da minha namorada, dirigi-me a um salão de cabeleireiro. Às 11 em ponto entrei num ambiente estranho, alheio ao que estava habituado. Não havia calendários da Pirelli, relatos de bola na telefonia, fumo de cigarros, carradas de cabelo no chão e, o mais extraordinário, a voz sábia do Sr. Antunes – uma espécie de Nuno Rogeiro lá da rua. Fui atendido por uma menina com madeixas que mascava ávida e, suponho eu, prazenteiramente uma pastilha. Entregou-me um cartão, o qual era suposto acompanhar-me ao longo da linha de montagem (neste caso de desmontagem), não sem antes me desejar uma «bom dia». Uma outra menina encaminhou-me a uma das poltronas, sorrindo desmedidamente na minha direcção (eu que nunca vi os dentes ao Sr. Antunes). Colocou-me uma toalha timbrada à volta do pescoço, girou a cadeira (seria Vitra?), carregou num botão e o meu delicado pescoço aterrou numa superfície esponjosamente macia. Mandou-me inclinar a cabeça para trás e, logo a seguir, chamou a Ana. A Ana encarregar-se-ia de lavar a minha farta cabeleira – coisa que fez com particular atenção e devoção. As mãos da Ana massajaram o meu couro cabeludo durante longos minutos. Perguntou-me várias vezes se a temperatura da água estava «do meu agrado» (com o Sr. Antunes, a água encontra-se a meio caminho entre o frio e o gelado e é expressamente proibido perguntar o que quer que seja durante os escassos segundos em que demora a operação). Retirada a espuma, a Ana (simpática, a Ana) envolveu-me a cabeça (cuidado aí com os comentários ordinários!) numa toalha de algodão egípcio, imaculadamente branca (as do Sr. Antunes já foram brancas, em tempos não muito distantes...), retirando o excesso de água.

Foi então que pegou numa escova e proferiu a fatídica frase: “O Sr. Carlos quer a marrafa como?”

Bolas! Nunca o Sr. Antunes falou em «marrafas»!


UM HOMEM NÃO É DE FERRO!

Depois das conhecidas e histéricas posições do Sr. Ferro Rodrigues sobre o caso Moderna e Paulo Portas, é com chave de ouro que ele fecha, agora, a questão Fátima Felgueiras. Há anos que sobre a dita senhora vinha sendo aventada a suspeita de corrupção e peculato. Durante anos, o Sr. Ferro Rodrigues e o Eng. Guterres nada disseram ou fizeram sobre o assunto, mantendo a “confiança política” na autarca de Felgueiras e o silêncio da praxe. Agora, a Sra. Dona Fáfá está para ser presa preventivamente num processo de... adivinharam: corrupção. Contudo, ao que tudo indica, a senhora fugiu. Escapuliu-se. E o que nos diz o Sr. Ferro Rodrigues? Muito laconicamente, que não faz comentários porque essa é uma questão “de justiça e dos tribunais”. Eu pasmo. Ao que tudo indica, Ferro respeita e valoriza mais, através do silêncio, um arguido que uma mera testemunha.

Dizem-me que o homem é sério? A sério? De gente séria está o mundo cheio. O Sr. Ferro Rodrigues, para além de caminhar a passos largos para o papel de vulgar moralista e estridente maniqueista (já repararam na carga ideológica dos seus discursos, com a "direita" a ser constantemente demonizada?), revelou agora que, em política, há dois pesos e duas medidas. Ou até mais...
JOHN FORD

A semana passada, no meu trabalho de substituição de filmes em VHS por DVD (não os vou substituir todos, pela simples razão de ter para cima de 250 cassetes VHS...), comprei o meu querido How green was my valley do Sr. John Ford. Nem de propósito, tive conhecimento de uma nova e, segundo Frank McLynn da Literary Review, excelente biografia de mestre Ford, da autoria de Joseph McBride, intitulada Searching for John Ford: A Life (Faber & Faber). Ainda segundo McLynn, a biografia (de 838 páginas), está recheada de soberbas analises críticas aos mais importantes filmes de Ford - o que não deixa de ser uma mais valia sumarenta.

Estão à espera do quê? Podem comprá-la aqui.

PS: este ‘post’ não teve o patrocino da Amazon.

RELEMBRAR AUBERON

Há umas semanas atrás, fui brindado com duas cartas onde era acusado de snob - facto, aliás, recorrente na minha vida. As razões eram estas: transcrevia textos em inglês, sem os traduzir; era de direita; falava em destinos turísticos para gente rica; abusava do «namedropping» e, finalmente, era elitista (seja lá o que isso for). Em suma, uma perfeita parvoíce.

A propósito do snobismo, lembrei-me de uma crónica de Auberon Waugh, que aproveito para publicar – relembrando este genial e ‘wickedly funny’ escritor e jornalista inglês.

STAND UP FOR SNOBS

A friend characterised my strong desire for greater European integration as being inspired by snobbish motives, and this seemed fair enough. The word “snob” – at any rate since its original meaning of «shoemaker» - has always been used pejoratively, and we must agree that when described an excessive regard for the peerage, or for social aggrandisement, it may have been justified as a term of abuse.
Nowadays, however, it is used in the proletarian culture to describe anyone who reads the Telegraph rather than the Sun, and in the great cultural battle between snobs and yobs we should be all proud to call ourselves snobs.
The difference between the two cultures was well illustrated on Friday night’s television, when Jeremy Paxman, on BBC2, introduced a version of University Challenge with two teams, one from the tabloid and one from the broadsheet press. My point is not that the tabloids showed themselves in a poor light. In fact both the tabloid team, led by the Mirror’s Tony Parsons, and the broadsheet team, led by our own Boris Johnson, struck me as brilliant – very quick and impressively well informed.
Then half an hour later, ITV showed a new series: Who wants to be a millionaire? This was presented by Chris Tarrant and sponsored, needless to say, by the Sun, promising up to £1 million for anyone who could answer a number of general knowledge questions correctly.
A fat, expressionless man called Jason with an unrecognisable accent was brought on and asked eight general knowledge questions of an easiness which made everybody present gasp. Refusing the ninth question, he was told he had won £16,000 and led away. Another, almost equally fat man, this time with a northern accent, was brought on and started the process again. The contrast between the two cultures could not have been plainer. We are all snobs. This is not quite the same thing as saying we must all support the common currency, only that those who don’t support it have some explaining to do.
4 January 1999


quinta-feira, maio 08, 2003

MAIS UMA COMPARAÇÃO DA TRETA DO SENADOR
(Back to work)

Há uma espécie de tique idiota presente em certos intelectuais e académicos – supostamente letrados, esclarecidos e informados – a que poderíamos denominar de CIPOC: Comparação Idiota da Praxe Para Otário Consumir. Ouve-se e nem se acredita. O mais recente exemplo desta síndroma surgiu da boca do inefável professor/senador Freitas do Amaral - useiro e vezeiro em matéria de CIPOC’s.

No programa “Conversa Afiada”, da simpática Maria João Avillez, afirmou que o que se passa em Guantanamo é “semelhante aos campos de concentração, na Alemanha de Hitler, para judeus, ciganos e polacos”(sic). Perante a incredulidade da entrevistadora (a qual lhe deitou um olhar “tenha paciência!”), o professor tratou de corrigir a CIPOC: não se referia aos campos de concentração de fim de mandato, mas aos dos anos 30... Por muito críticos que possamos ser relativamente ao que se passa em Guantanamo, esta é a forma mais patética de assassinar qualquer linha de argumentação razoável e credível. E é também a forma mais rápida de banalizar o mal e ofender a memória das vitimas, comparando o que não é comparável. É com este tipo de comparações que se alimentam os mais nojentos revisionismos históricos. Comparar a clausura de judeus, ciganos e polacos por parte do regime nazi – que os deteve por puro preconceito racial e social – com a clausura de quem, no mínimo, é suspeito de actos terroristas responsáveis pela morte de milhares de pessoas, não lembra ao Diabo. Só mesmo ao Sr. Professor/Senador. Aliás, Freitas do Amaral arrisca-se a ficar na história como um excelente académico (sem dúvida), um dramaturgo sofrível e um perfeito idiota como «opinion-maker» (desculpa Domingos).
THE VOICE

Uma brincadeira.

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JPP

Só agora dei conta do novo blog Abrupto. Ao mesmo tempo, soube que o seu autor - JPP - é "o" JPP. Como diria o velhinho do anúncio: estou maravilhado. A blogosfera assiste a um reforço inaudito. A UBL poderá agora acolher um peso pesado. Meus caros leitores e amigos: é o blogue do Josué Pires Patalim, revisor do Público.

PS: não é nada! É o blogue do incontornável e muito cá de casa Pacheco Pereira. Viva!

terça-feira, maio 06, 2003

TEMPUS FUGIT

Contra a minha vontade, tenho andando arredado deste meu cantinho, à blogosfera plantado.
Como já devem ter reparado, este sitio é um hobby, sujeito a flutuações de tempo - falta de.

Prometo redimir-me dentro de alguns dias. Obrigado pela vossa compreensão.
HERE WE GO AGAIN...

Entretanto, em Évora, o CENDREV prepara-se para levar à cena, pela quingentésima terceira vez, Bertolt Brecht. A noção de diversidade da companhia teatral de Évora é notável...
THE WHITE STRIPES

Alguém devia condecorar o Sr. e a Sra. White. O serviço que têm prestado ao rock não pode passar em claro. Oiça-se o tema de abertura do seu mais recente álbum “Elephant” (“Seven Nation Army”, um clássico absoluto) e percebe-se porquê. Rock ‘n’ Roll is dead? Pois... Os Stripes estão aí para mandar às urtigas essa velha e inconclusiva profecia (que João Lisboa tantas vezes anunciou nos idos 80...). Outra coisa não seria de esperar de um grupo que mistura eficazmente influências tão díspares como as de T-Rex, Stooges, Queen (arghh!), Burt Bacharach ou Velvet Underground, conseguindo, ainda assim, soar a novo. Uma coisa é certa: os Stripes têm feito pelo rock aquilo que os Pixies fizeram com “Surfer Rosa”. Ou aquilo que os Smiths fizeram pela pop na década de 80.



HOWE GELB

Para o mais distraídos: é favor actualizar a lista Songwriters-A-Seguir-Com-Todo-O-Cuidado, acrescentando à mesma o nome de Howe Gelb (lista esta onde já devem constar Stephen Merritt, Will Oldham, Beck, Mark Eitzel ou Mark Kozelek). O seu último trabalho (“The Listener”) reúne treze memoráveis canções. ‘Lou Reed meets Arizona solitude’ podia ser o epíteto, embora se possa acrescentar Pascal Comelade - na forma como o piano é martelado e o ambiente nos remete para uma produção home-made



THE IDEAL COPY

Em 1987 a agulha do meu prato Pionneer (um pouco manhoso) sulcava irremediavelmente a superfície de “The Ideal Copy”, obra maior dos Wire. Tantas vezes ouvido, as músicas passaram a emitir sons de ovos a serem estrelados. A semana passada adquiri o dito em formato CD. É bom reviver o passado. Principalmente quando o passado parece tão presente.

segunda-feira, maio 05, 2003

YEP!

Para que não restem dúvidas, o meu caro amigo Umbigoniilista confirma tudo:

PARADISE GARAGE
19-05-03
21:00
THE GO-BETWEENS

Prontes.

sábado, maio 03, 2003

É VERDADE?

Ouvi dizer que estes senhores vão dar um concerto em Lisboa, brevemente. Alguém poderá confirmar esta extraordinária notícia?


sexta-feira, maio 02, 2003

EI-LO, EM TODO O SEU ESPLENDOR
O rally de automóveis antigos Pedras D’el Rei passou por Évora. Altura certa para colocar o Mercedes Benz 230 SL de 1965 em alegre convívio com os seus comparsas. Confessou-me, mais tarde, já em casa, que fez amizades com um Jaguar E. Trocaram morada e números de telefone.



Depois disso, nem parece o mesmo (até o barulho do escape desapareceu). Está visto: tenho de o levar mais vezes a estes eventos.

PS: é igualzinho a este, só que branco com capota azul (todinho original)
YOU DO SOMETHING TO ME

I was mighty blue,
Though my life was through




You do something to me,
Something that simply mystifies me.

AINDA O ANDO A OUVIR...

Um dos melhores álbuns dos últimos anos. Não despega do CD-changer.



"Satta". Boozoo Bajou
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