AINDA A GLOBALIZAÇÃO
Sempre que reflicto sobre o tema, chego à mesma conclusão: pior do que ser atingido pela “Globalização” é não ser atingido pela “Globalização”. O que vejo por aí, por parte de intelectuais e «opinion makers» ocidentais contrário à «Globalização», é, precisamente, o reflexo do comodismo de quem fala de barriga cheia, sapatinhos Church nos pés e o blusanito Façonnable da praxe.
Sim,«romanticamente», compreendo-os. Também eu gostaria de voltar à escala do bairro e à exploração das idiossincrasias de cada região, país, etc. Também eu gostaria de voltar ao «small is beautiful». Também eu gostaria de viver num mundo que «mimetizásse» conceitos e modelos de diversidade. Mas não me importo de abdicar dessa lógica passadista dos «blocos» estanques se, com essa atitude, eu injectar e espalhar riqueza nos países mais pobres - pelo menos naqueles que aderem ao «circuito».
É evidente que existe muita coisa de errado no estado actual de desenvolvimento mundial. Há mais pobreza e desigualdade do que seria desejável e aceitável, e têm-se registado muitos episódios de instabilidade económica e financeira. Não é tolerável que, num mundo onde há tanta riqueza, existam pessoas a quem ainda falta água potável, assistência médica básica, comida e educação.
Posto isto, há que perceber que, na maior parte das vezes, as respostas certas aos problemas globais devem ser operadas internamente, através das políticas domésticas, de cada país. Não existe uma política global que funcione como panaceia. Os efeitos da globalização estão sobretudo dependentes da relação de dependência dos países face às suas próprias instituições e políticas económicas. Em muitos dos países em vias de desenvolvimento, uma maior abertura ao exterior tem sido um poderoso incentivo às políticas internas reformistas - as quais seriam, mais tarde ou mais cedo, de implementação obrigatória. E a melhor resposta aos problemas que emergem da globalização dificilmente se encontram através de uma política de exílio ou entrave à integração global. Pelo contrário, isso só prejudicaria o crescimento e agravaria a pobreza.
Há um fenómeno inegável, e que todas as estatísticas credíveis e sérias revelam: a globalização tende a disparar o crescimento e o crescimento tende a reduzir a pobreza. Os pobres, tal como os ricos, tendem a ver os seus rendimentos subir sob o efeito do aumento do crescimento económico. Se é, de facto, assustador constatar que cerca de 1.3 biliões de pessoas vivem actualmente em situação de total pobreza (definida estatisticamente como aqueles que têm um rendimento inferior a 1 Dólar/dia), é bom perceber que este número sofreu poucas alterações desde 1950 e é agora uma percentagem menor da totalidade da população mundial - 24% agora contra os 55% de então. Ou seja, embora demasiada gente viva na pobreza, o problema tem vindo a decrescer proporcionalmente durante a recente era da globalização acelerada - e principalmente nos últimos 20 anos.
Quando se afirma que «a globalização tem provocado um grau de pobreza sem precedentes», está-se a ser ignorante. Sim, é verdade: a diferença entre os rendimentos médios dos países mais ricos em relação aos dos países mais pobres, está a um nível maior do que alguma vez esteve. Mas é preciso perceber porquê. E a razão é simples: o fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumentou. Mas os que ficam no meio, ou seja, a maioria, viram os seus padrões de vida aumentados. Vivem hoje melhor. As pontas (os extremos) afastaram-se, mas a percentagem de pessoas que vive abaixo do limiar da pobreza é hoje bem menor. Não é invenção. É observar os números e estatísticas com atenção e cabeça limpa.
Quanto ao papão das multinacionais, existem já, hoje em dia, vários estudos que apontam no sentido do que já por diversas vezes podemos ver escrito na revista The Economist (a única revista que tem tratado o assunto «Globalização» de forma séria, independente e imparcial): não existe qualquer evidência em como o poder corporativo das multinacionais tenha conduzido à miséria, à exploração ou à disputa desregrada os países em vias de desenvolvimento, por oferecerem menores taxas de imposto, baixos níveis de condições de trabalho ou menores restrições ambientais.
Existe, isso sim, uma evidência clara de que ao investimento das multinacionais estão associados melhores standards ambientais. Algumas companhias tentam, de facto, fugir aos impostos e ao controlo das regulamentações, o que exige extrema vigilância. Mas não existe nenhuma evidência que demonstre uma perda de eficácia na regulamentação dos governos sobre as actividades das companhias externas.
Por outro lado, as companhias multinacionais procuram, de há décadas a esta parte, uma combinação de factores na escolha da sua estratégia produtiva: baixos custos de produção, acessibilidade aos mercados, qualificação dos trabalhadores, infra-estruturas adequadas, governos estáveis e uma situação interna equilibrada. É isto que é procurado quando toca a decidir em que país investir.
Mas sobre o investimento externo dos países ricos, é bom desfazer um mito: a esmagadora maioria desses investimentos fazem-se dentro do círculo de países da OCDE e, quanto muito, na direcção de países remediados. É escasso o investimento externo dos países desenvolvidos no continente Africano, em especial nos países subsarianos. O que significa que o critério do custo menor não é o único nem o principal. Na verdade, as multinacionais presentes nos países em vias de desenvolvimento pagam em média mais do que o nível médio de salário desses países, o que explica o facto de os salários reais nesses países terem vindo a subir por influência dos investidores externos. O emprego nas fábricas das multinacionais é sempre disputado avidamente por toda a gente (especialmente as mulheres). É óbvio que o nível de remuneração paga e as condições de trabalho oferecidas nesses países pelas multinacionais não coincidem com as dos sues países de origem (o mundo é o possível, mas não o ideial). Isso é evidente. Mas também é verdade que, por experiência, as multinacionais têm vindo a perceber, à sua custa, que é importante monitorizar essas condições de perto, tanto nas fábricas que directamente controlam como, especialmente, naquelas que subcontratam (e aqui entram histórias como as da Nike...).
De uma vez por todas, é importante perceber que, para além de criarem emprego nos países em vias de desenvolvimento, os investimentos das multinacionais têm sido preponderantes e fundamentais na transferência de know-how e de tecnologia dos países ricos para os países pobres. Mas o sucesso desta transferência depende de ambas as partes - e tudo depende do contacto cara-a-cara e da experiência adquirida. Em muitos contextos, é difícil pensar numa outra forma de transferência tecnológica para além da que advém do investimento directo.
Por último, o grande problema da globalização é... a hipocrisia dos países ricos em não assumir a sua retórica sobre a Globalização. Veja-se o caso dos produtos agrícolas. Vergonhosamente, os agricultores dos países pobres têm sido forçados a sair dos mercados do norte e a enfrentar as exportações subsidiadas dos países ricos. A «santa» União Europeia é useira e vezeira nesta matéria. Os países mais ricos têm a obrigação moral de não empurrar dos seus mercados os produtos desenvolvidos nos países do terceiro mundo. As regras do jogo tem de ser limpas e iguais para todos. Se o receio é o declínio ou o desemprego, desenganem-se: os países ricos podem suportar isso porque têm uma estrutura económica que absorve e distribui os seus elementos produtivos.
A solução para os problemas da globalização não passa por proteccionismos, isolacionismo, regressão do progresso ou regresso ao passado. Passa pelo tipo de políticas internas adoptadas por cada país e não propriamente pela criação de uma megalómana estrutura supra e pan-nacional. É tudo uma questão de regras, adaptação e cabeça limpa. Meus caros: para o bem e para o mal, o desenvolvimento, a mundialização e os progressos tecnológico e cientifico são imparáveis. Tiremos deles o melhor partido. Acima de tudo, deixemo-nos de lirismos.