O MacGuffin: maio 2005

terça-feira, maio 31, 2005

Mais non!

A vitória do ‘Não’ em França teve por base, em boa medida, razões diferentes das que me levariam a votar contra a «Constituição» europeia. Boa parte das razões que sustentaram o «desaire» (da praxe, esta palavra) não coincidem com as razões propaladas, por exemplo, por Pacheco Pereira ou Pedro Mexia. O ‘Não’ francês alicerçou-se num misto de insatisfação generalizada face à situação sócio-económica do país e no receio do eleitorado de esquerda face a uma suposta deriva neo-liberal do projecto europeu, consubstanciada pela entrada em pleno dos «novos» países, cuja postura pró-free market assusta e melindra as finas consciências gauche. Mais do que por razões de princípio ou de ordem ontológica, boa parte dos que escolheram o ‘Não’ viram no aumento do desemprego; na livre (ou menos condicionada…) entrada de produtos provenientes de países emergentes; no declínio das industrias mais tradicionais (a vinicultura, por exemplo); no fim anunciado de certos proteccionismos e de certas regalias do Estado Social; sinais de que a Europa segue, inapelável, um rumo que, na prática, não lhes interessa. Para o bem e para o mal, a França está a perder influência no mundo e na Europa. O seu modelo «social» dá sinais de falência e a situação económica não augura nada de bom. Juntemos a isso os visíveis laivos gaullistas e neo-marxistas que levaram muitos a não perdoar à «Europa» as contradições e clivagens reveladas numa altura em que era suposto fazer frente ao arqui-rival. Nestas coisas, nada melhor do que culpar os outros: a China, os EUA, a globalização e, agora, a «Europa». É verdade: a outrora querida e apadrinhada «Europa», transfigurou-se numa entidade externa – esquisita, burocrática (só agora?), duvidosa - cujas políticas, por um lado, e incapacidades, por outro, acabaram por lhe granjear a vitória no casting da mega-produção "O Bode Expiatório", em estreia um pouco por todo o lado.

No meio das reacções, duas há que importa comentar. A primeira, unipessoal, vem do senador Soares. Quando o ouvimos lamentar, munido da sua proverbial visão simplista do mundo, o revés da «Constituição» - como se um grupo de anti-europeístas e pró-bushistas franceses tivesse tomado conta das urnas - apercebemo-nos de que o Dr. Soares nem sequer percebeu que boa parte do ‘Non’ veio da participação dos «seus» queridos anti-bushistas e anti-americanistas. O Dr. Soares parece estar a milhas de perceber que a «sua» Europa, para além de doente, continua bem distante dos cidadãos, fechada algures entre Bruxelas e Estrasburgo. E que a culpa, pasme-se, não é do Sr. Bush.

A segunda, mais difundida, prova à saciedade que o autismo e a cegueira abundam na cabeça dos «responsáveis» políticos, empenhados que estão em fazer vingar, contra tudo e contra todos, e custe o que custar, a «Constituição». Entendem eles que não há «alternativa». Que quem votar ‘Não’ é contra a «Europa». Para todos os efeitos, o projecto está em piloto automático e só admite um caminho: a direito.

No meio de tudo isto, onde está e como está a «Europa»? Ninguém arrisca comentários para além dos circunstanciais…

domingo, maio 29, 2005

”Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.”

Lúcio Aneu Séneca, in Cartas a Lucílio
"Tal como o ventre materno nos guarda por dez meses e nos prepara, não para nele permanecer mas sim para sermos como que lançados no mundo assim que estamos aptos a respirar e a aguentar o ar livre, também ao longo do espaço de tempo que vai da infância à velhice nós vamos amadurecendo com vista a um novo parto. Espera-nos um outro nascimento, uma outra ordem das coisas. Por enquanto, não suportamos a vista do céu senão a uma certa distância. Encara, portanto, com coragem a tua hora decisiva, a hora derradeira apenas para o corpo, não para a alma. Os objectos que tens à tua volta, olha-os como bagagens numa hospedaria: tu tens de passar adiante. A natureza revista-te à saída, tal como te revistou à entrada. Não podes levar contigo mais do que trouxeste, pelo contrário, tens mesmo que despojar-te de uma boa parte do que trazias ao entrar nesta vida: ser-te-á tirado o teu último revestimento, a pele que te envolvia; ser-te-ão tirados a carne e o sangue que se espalhava e fluía por todo o corpo; ser-te-ão tirados os ossos e os tendões que serviam de sustentáculo aos tecidos moles. Esse dia que tu temes, como se fora o último, marca o teu nascimento para a eternidade. Depõe o teu fardo; porque hesitas, como se não tivesses já um dia abandonado um corpo dentro do qual te ocultavas?! Estás indeciso, relutante: também nesse dia foi preciso um esforço violento da tua mãe para que tu saísses. Gemes, choras: o choro é próprio do recém-nascido, só que nessa altura tinhas desculpa, como ser ignorante e inexperiente. Quando saíste do quente e suave ventre materno começaste por sentir o sopro livre do ar, chocou-te depois a dura pressão das mãos, e, tenra criança que eras, ignorante de tudo, olhaste espantado um mundo desconhecido. Agora, porém, já não é para ti novidade separares-te de um corpo de que antes fazias parte. Deita fora sem hesitação esses membros inúteis, põe de lado esse corpo em que por tanto tempo habitaste. Esse corpo será dilacerado, esmagado, destruído: porquê afligires-te? Sempre foi costume deitar fora as membranas que envolvem o recém-nascido! Porque te apegas a isso como coisa realmente tua? Estás revestido de um corpo, mas um dia virá em que o despirás, em que deixarás a companhia de um ventre sujo e fétido. Desliga-te dele quanto puderes, e desde já afasta-te do prazer que não seja…… e estritamente necessário; alheia-te deste mundo, e começa desde já a meditar em algo de mais profundo e sublime. Um dia virá em que se te desvelarão os segredos da natureza, em que se dissipará esta bruma e a toda a volta uma luz radiosa incidirá sobre ti. Procura imaginar a intensidade do brilho de tantos astros juntando num só clarão a sua luz. Sombra alguma maculará a serenidade do céu; todos os recantos do universo luzirão com igual esplendor: a alternância do dia e da noite só se verifica ao nível da nossa atmosfera interior. Quando contemplares com todo o teu ser a totalidade da luz – essa luz que agora reduzidamente recebes pelas estreitas aberturas dos teus olhos e que, mesmo assim, e de longe, tanto admiras! – dirás que até agora tens vivido em plena treva. Que aparência terá para ti a luz divina quando a contemplares no seu lugar próprio? Este pensamento não permite que se instale na alma o que quer que seja de sórdido, de rasteiro, de cruel; afirma-nos que há deuses, testemunhas dos nossos actos; ordena-nos que mereçamos a sua aprovação, que nos preparemos para o futuro, que nos prometamos a eternidade. E a quem concebe no seu espírito a ideia da eternidade, nenhum exército atemoriza, nenhum clarim guerreiro assusta, nenhuma ameaça causa medo! E como não se há-de estar livre do medo quando se espera a morte? Mesmo quem pensa que a alma só perdura enquanto se mantém vinculada ao corpo e que, quando ambos se separam, logo ela se desintegra, mesmo quem assim pensa age de modo a poder continuar a ser útil depois de morto. Embora o homem em si não o possamos ver mais,

“a grande virtude do herói, a grande nobreza da
sua raça continua a viver no nosso espírito”.
1


Pensa na grande utilidade que para nós têm os bons exemplos, e concluirás que a lembrança dos grandes homens não é menos útil do que a sua presença!"


1 Vergílio

Lúcio Aneu Séneca, in Cartas a Lucílio

sexta-feira, maio 27, 2005

Custe o que custar, a luta continua!

O Sindicato dos Metalúrgicos convocou uma greve para hoje, dia 27, na fábrica da General Motors Portugal, em Azambuja.

Convém referir o seguinte:

a) o facto de ontem ter sido feriado e de amanhã ser sábado é, obviamente, pura coincidência. Nós sabemos como este país está a salvo de chico-espertos e como o povo abomina pontes;

b) A greve foi marcada depois de uma prolongada fase de negociações com vista à assinatura de um acordo social, durante a qual a Comissão de Trabalhadores da GM Portugal entendeu não aceitar a proposta da Gerência de aumento salarial directamente indexado à inflação (retroactivamente ajustado no final do ano caso a inflação seja superior à prevista), associado ao aumento no âmbito do programa de benefícios, e a criação de um prémio de 250 euros relativo à introdução do acordo de flexibilidade;

c) A GM Portugal é a única fábrica da GM na Europa que ainda não assinou um acordo social, numa altura em que todas as outras operações conseguiram ganhos importantes em competitividade ao implementarem medidas-chave que levam em linha de conta o momento difícil que a GM Europe atravessa actualmente.

Relembro o que aqui escrevi em Março:
“Enquanto decorre o braço de ferro entre o Sr. Vicente e a administração da Opel-Azambuja (que está fartinha de avisar que o contrato com a GM Europa termina em 2008 sem quaisquer garantias quanto ao futuro), o mundo teima em existir. A Peugeot, a Citröen e a Toyota estão esta semana a inaugurar fábricas na República Checa. O grupo PSA já assentou arraiais na Eslováquia, à imagem da Kia (agora do grupo Hyundai). A Suzuki está a investir na Hungria. O projecto Logan, da Renault (desenvolvido pela subsidiária Dacia) está de vento em popa na Roménia. Feitas as contas, cerca de 24 fábricas de montagem automóvel estão agora implantadas na Europa de Leste e na Europa Central - o que, segundo pesquisa levada a cabo pela J.D. Power-LMC, significa um aumento da produção automóvel no leste europeu de cerca de 24% em cinco anos. Provavelmente, o Sr. Vicente sabe tudo isto. Mas é também provável que, perante isto, o Sr. Vicente e os seus companheiros digam, com muita razão, aliás, que o leste europeu “não nos diz respeito”, que “não se podem misturar alhos com bugalhos” e que “não podemos baixar as calças por causa desses gajos do leste”. Claro que sim. Em 2008 a gente conversa.”

E assim acontece. Entre outras figuras, o país continua entregue a sindicalistazecos de meia-tigela, desprovidos de qualquer bom senso e visão de fundo, empenhados, sobretudo, no seu protagonismo e na bravata heróica de um discurso anacrónico, demagógico e irrealista, repleto de invectivas contra o «patronato» e o «capital». Este sindicalistas estão-se nas tintas para o que os rodeia. Para o facto, por exemplo, de Portugal estar inserido, para o bem e para o mal, numa Europa que exige, cada vez mais, competitividade e flexibilidade, mesmo dentro do espírito de «coesão social» que impera na retórica propalada nos corredores de Bruxelas e Estrasburgo.

Aos sindicalistas também se deveria exigir seriedade e responsabilidade. Uma concertação exige compromissos possíveis, que incluem cedências de parte a parte e uma boa dose de bom senso a presidir à cerimónia. Na actual conjuntura socio-económica, as condições propostas – e já negociadas – pela administração da GM Portugal são razoabilíssimas. O que falta a estes «sindicalistas», que arranjam sempre maneira de apanhar uns tachos aqui e acolá, são algumas noções básicas de quase tudo: o que significa gerir uma multinacional num mercado de risco e extremamente competitivo (e que certamente os levaria a observar a relação empregador/empregado como uma relação de equipa e não de forças); o valor do emprego; o preço da perda de um posto de trabalho.

É pena. Como disse, em 2008 a gente conversa.

L'Adversaire

Ontem vi um dos filmes mais perturbantes e magistralmente realizados dos últimos anos: L’Adversaire de Nicole Garcia. Não vou adiantar muito sobre o filme. Pela sua natureza e plot, é essencial ver o filme «virgem» de quaisquer informações ou pré-conceitos. Digo apenas que Daniel Auteuil – grandioso actor - tem aqui um dos grandes papeis da sua vida. Uma representação sublime de tão contida e «psicológica». Despida de quaisquer formalismos. Como manda, aliás, a lei.



PS: tinhas razão, Alberto.

Parabéns, João!

O «incontornável» Jaquinzinhos celebrou ontem, quinta-feira 26, o seu segundo aniversário. Ao meu querido amigo João – esse ser humano de excepção (até rima, pois então) – lhe amando, directamente do Alentejo profundo, um grande abraço e votos de sucesso e longevidade para o seu blogue.

Devo, contudo, avisar-te de duas coisas:

1.ª O Daniel Tecelão sou eu;

2.ª O Casino é melhor que o Goodfellas.

quarta-feira, maio 25, 2005

Um a atirar para o pedante

Oiço Rétrospective 1940-1953 de Charlie Parker. E penso: um gajo que apregoe gostar de jazz e não consiga viciar-se nestes discos (é uma caixinha de três), pura e simplesmente não gosta de jazz. Ou não sabe o que é o jazz. Deve evitar, portanto, a mentira. Ou a ilusão.


terça-feira, maio 24, 2005

Acerca de Freud

segunda-feira, maio 23, 2005

Bem fica

Parabenizar os benfiquistas pelo título.

Parabenizar o Eng. Sócrates pelo título do Benfica (o país está, obviamente, salvo).

Parabenizar o Sr. Peseiro pela excelente pessoa que é.

Discos do Ano (e ainda só estamos em Maio) #2


Jens Lekman When I Said I Wanted to Be Your Dog (Secretly Canadian 2005)

Discos do Ano (e ainda só estamos em Maio) #1


Antony and The Johnsons I Am A Bird Now (Rough Trade 2005)

quinta-feira, maio 19, 2005

You talkin' to me?


«Here’s Johnny!»
Jack Torrance (Jack Nicholson), in The Shining

«You talkin’ to me?»
Travis Bickle (Robert de Niro), in Taxi Driver

«I’ll have what she’s having»
Senhora idosa sentada na mesa ao lado, depois de assistir a um simulacro de um orgasmo por parte da personagem de Meg Ryan, in When Harry Met Sally

«All right, Mr. DeMille, I’m ready for my close-up.»
Norma Desmond (Gloria Swanson), in Sunset Boulevard

«Well, nobody’s perfect.»
Osgood Fielding III (Joe E. Brown), in Some Like it Hot, depois de Jack Nicholson («noiva» de Osgood) lhe confessar que era um homem.

«I love the smell of napalm in the morning.»
Colonel Kilgore (Robert Duvall), in Apocalypse Now

«Don’t you fuckin’ look at me!»
Frank Booth (Dennis Hopper), in Blue Velvet

«You know how to whistle, don’t you, Steve? You just put your lips together and blow.»
Marie Browning (Lauren Bacall), in To Have and have Not

«Go, get the butter.»
Paul (Marlon Brando), in Last Tango in Paris

«Fluoridation is the most monstrously conceived and dangerous communist plot we have ever had to face.»
General Jack D. Ripper (Sterling Hayden), in Dr. Strangelove

«Gentleman, you can’t fight here! This is the war room!»
President Merkin Muffley (Peter Sellers), in Dr. Strangelove

«I’m not saying we wouldn’t get our hair mussed, but I do say no more than ten to twenty million killed, tops!»
General Buck Turgidson (George C. Scott), in Dr. Strangelove

«Mein Führer! I can walk!»
Dr. Strangelove (Peter Sellers), in Dr. Strangelove

«Hey, don’t knock masturbation – it’s sex with someone I love»
Alvy Singer (Woody Allen), in Annie Hall

«You shouldn’t ask me fo advice. When it comes to relationships with women, I’m the winner of the August Strindberg award.»
Isaac Davis (Woody Allen), in Manhattan

«The horror.... the horror....»
Colonel Kurtz (marlon Brando), in Apocalypse Now

«You know, you haven’t stopped talking since I came here? You must have been vaccinated with a phonograph needle.»
Groucho Marx, in Duck Soup

«Remeber, you’re fighting for this woman’s honor, which is probably more than she ever did.»
Groucho, in Duck Soup

«I’ll make him an offer he can’t refuse.»
Don Vito Corleone (Marlon Brando), in The Godfather

«Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship.»
Rick Blaine (Humphrey Bogart), in Casablanca

«Of all the gin joints in all the towns in all the world, she walks into mine.»
Rick Blaine (Bogart), in Casablanca

«I’m afraid Mr. De Witt would find me boring before too long.»
«You won’t bore him, honey. You won’t even get a chance to talk.»
Eve Harrington (Anne Baxter) para Miss Caswell (Marilyn Monroe), in All About Eve

«Mmmmmmm-hmmmm! This is a tasty burger!»
Jules (samuel L. Jackson), in Pulp Fiction

«A census taker once tried to test me. I ate is liver with some fava beans and a nice chianti.»
Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), in Silence of the Lambs

E, neste momento...

... o blogue mais bonito de toda a blogosfera dá pelo nome de Educação Sentimental. Mai nada!

A idade da razão

(Diálogo entre pai e filha, hoje, às 7:55h)

- Pai?
- Sim?
- Tenho uma má notícia para te dar.
- O que foi, Sofia?
- Já não sou do Sporting.
- Não és?
- Não.
- Porquê?
- Ó pai, ‘tá sempre a perder! Perdeu com o Benfica, perdeu com o CSKA...
- Mas Ó filha, nós não podemos mudar de clube só porque a equipa perde.
- Pai: eu perdi a paciência para o Sporting!
- Mas… pois… er… Olha, come lá os cereais para não chegares atrasada à escola.

quarta-feira, maio 18, 2005

Meeting at Night

I
The grey sea and the long black land;
And the yellow half-moon large and low;
And the startled little waves that leap
In fiery ringlets from their sleep,
As I gain the cove with pushing prow,
And quench its speed i’ the slushy sand.

II
Then a mile of warm sea-scented beach;
Three fields to cross till a farm appears;
A tap at the pane, the quick sharp scratch
And blue spurt of lighted match,
And a voice less loud, through its joys and fears,
Than the two hearts beating each to each!

Robert Browning


Lá estou eu armado em neo-liberal


Tempo ganho

A menina unsettled mudou de poiso. Encontra-se, agora, aqui. Seja re-bem-vinda. Sara.

Eu acho que sim

Pedro Sales, barnabeniano dos sete costados, afiança-nos que Joana Amaral Dias escreve, a partir de Chicago, ”uma das melhores colunas semanais dos jornais portugueses". Dentro do paradigma de Pedro Sales – constituído pelas colunas semanais do seu contentamento – acredito piamente que sim. Se não fosse pedir muito, gostaria que Pedro Sales nos informasse quem escreve, a partir de Chicago ou não (não vamos ser comichosos a esse ponto), as melhores colunas diárias dos jornais portugueses. Já agora, por se tratar de uma questão interessante, seria útil saber até que ponto Chicago influi na qualidade de articulista de Joana Amaral Dias. Pela minha parte, estou em crer que concorre. E muito. Repare-se como José Mourinho, a partir de Londres, é «um dos melhores treinadores portugueses». Ou como, a partir de Washington, Pedro Bicudo é um dos «melhores correspondentes portugueses». Ou, ainda, como José Milhazes, a partir de Moscovo, é um «dos melhores jornalistas portugueses especializados em assuntos russos». Até Pedro Sales, a partir de Salvaterra de Magos, é um dos melhores bloggers portugueses.

Welfare Farewell Socialism

Escrevia Vasco Pulido Valente há dias:

“O sr. Presidente da República, o Governo e a oposição (da esquerda e da direita) quase só falam do aborto e das maquiavélicas manobras a que o referendo ao aborto deu origem. O sr. Presidente da República também se preocupa ruidosamente com a "sinistralidade rodoviária". O PSD pensa dia e noite no sr. Isaltino, na sra. Damasceno e no major Loureiro. O primeiro-ministro anuncia no Parlamento "pequenas medidas", com grande aprovação dos comentadores de serviço. Parece que Portugal está próspero e tranquilo, sem um único problema sério, e que há tempo para discutir uma ou outra imperfeição menor da nossa exemplar sociedade. Quando se compara o torpor de hoje ao frenesim de Fevereiro, não se acredita. Sócrates conseguiu de facto anestesiar o país. Nem o aviso de Constâncio sobre a necessidade absoluta de apertar o cinto acordou ninguém.
Medina Carreira bem pode dizer que a "economia possível" não permite o "Estado impossível" que por aí existe e por aí se prometeu. Os portugueses não suportam excessos de realidade e o PS tem uma filosofia diferente, que o dr. Manuel Pinho, da Economia, já explicou: este "socialismo" não gosta de ideias, não quer ideias, nem vai deixar que uma única ideia o atrapalhe. Detesta principalmente "teorias gerais": "sobre a burocracia", sobre "reformas" (calculem) "institucionais", até sobre o próprio "choque tecnológico", que tanto propalou. Este "socialismo" mostra com orgulho a sua cabeça vazia e declara bem alto que é exclusivamente "adepto de actos". Por outras palavras, que é um socialismo de "remendos", que é uma nova e maravilhosa espécie: o "socialismo remendão", sapateiro remendão da Pátria. Já tapou uns buraquinhos na justiça, vai tapar com certeza muito mais buraquinhos, quando lhe parecer razoável e barato. As "pequenas medidas" são isso: a estratégia das meias-solas, que, garante Pinho, o Governo tenciona aplicar por convicção e regra.
Não ocorre a Pinho (nem, suponho, ao Governo) que no seu ódio às "teorias gerais", propõe igualmente uma teoria geral (a rejeição de qualquer teoria), embora no caso crassa e deletéria. Um médico não trata sintomas, trata a doença, como o dr. Pinho talvez saiba. O PS, tomando "pequenas medidas", sem um diagnóstico da situação portuguesa e um programa claro para a corrigir, não resolve nada e, a prazo, complica tudo. Para voltar à metáfora do sapateiro, deita meias-solas numas botas que devia deitar fora.”


O Eng. Sócrates está neste preciso momento a braços com um problema, dentro de outro problema: a situação em que o país se encontra obriga-o a meter na gaveta os resquícios de um socialismo que a esquerda (dentro e fora do PS) ainda acalentava ver posto em prática: o do Estado empreendedor, assistente e «humano», timoneiro do progresso e da solidariedadezeca. Dito de outra forma, o Eng. Sócrates vai ser obrigado a viver obcecado por essa coisa chata que dá pelo nome de «défice». Dito, ainda, de outra forma, o Eng. Sócrates vai ter de engolir as críticas propaladas veementemente contra a retórica da «tanga» do Dr. Barroso, sendo obrigado, ele próprio, a reinventar a metáfora da lingerie (desde já lhe sugiro o termo «fio-dental») e a reviver o dilema vivido pelo agora presidente da Comissão Europeia (é claro que Sócrates fará questão, tal como Barroso, de culpar o governo anterior). Saudades do futuro é coisa que o Eng. Sócrates vai passar a sentir nos próximos anos. Isso e os milhões de olhares dos que, à esquerda, nunca lhe irão perdoar tamanha «traição».

Como Vasco Pulido Valente sugere, desta vez não vamos lá com paliativos e medidas ad hoc. A máscara caiu e o país ou vai para obras (profundas, estruturais, sérias) ou fecha em definitivo as portas. Com as suas declarações, o Dr. Constâncio já preparou o terreno para o que aí se avizinha. Um favor inestimável que o Eng. Sócrates vai ter de aproveitar. Se, é claro, se desenlear da fixação pelo aumento da Receita (via impostos), para se concentrar na efectiva e duradoura descida da Despesa, a Monstra.

Parabenizar

O Almocreve das Petas pelo segundo aniversário. Cheers!

terça-feira, maio 17, 2005

Isaltino, meu filho

Nunca esperei escrever o que ireis ler de seguida: estou solidário com Isaltino Morais. Entendam-me: o que ontem se passou no programa Prós e Contras (RTP1) leva-me a ter vontade de lhe dar umas pancadinhas nas costas, como que a dizer “calma, Isaltino, eu bem vi o que te fizeram”. Logo seguida, está claro, de uma valente chapada, tipo “minha grandessíssima besta!”. Significa isto que estou solidário com um homem que, no que toca à inteligência, deixa muito a desejar.

Explico. Quando foi convidado a entrar em directo num programa sobre tráfico de influências (cunhas e sucedâneos) e corrupção - não estando, por isso, presente no plateau (já por si uma situação desvantajosa) - Isaltino devia ter tido um lampejo de inteligência para perceber que, por um lado, a sua situação (de investigado num processo sobre uma conta bancária na Suiça não declarada) exigia recato e pudor (logo silêncio), e, por outro lado, que a probabilidade de vir a ser o bobo da corte ou o troféu de caça do programa era altíssima. Foi o que aconteceu. Isaltino caiu nas mãos de uma criatura que, para além de não ter a noção do ridículo, desconhece as implicações que a profissão de jornalista acarreta. Foi tudo muito rápido e limpinho: Fátima Campos Ferreira julgou o homem em público (culpado, obviamente), não se rogando de despejar sobre ele toda uma série de tiradas trocistas e boquinhas da pândega, que o bom do público logo aplaudiu (“é assim mesmo, chega-lhe agora!”). O tom foi mais ou menos este: “Ó Dr! O senhor esteja mas é calado porque a mim não me engana!”.

A personagem em questão – o Dr. Morais – está longe de me inspirar confiança. Não estou, obviamente, a defender a sua candidatura, a sua «gestão» ou a sua postura. Digo apenas que julgar e acusar publicamente uma pessoa que ainda não foi acusada, e muito menos condenada, tratando-a como um vigarista e um salafrário, é coisa feia. Muito feia. Eu ainda esperei, pela expressão de Isaltino, que o outrora autarca padrão tivesse a dignidade de mandar a senhora jornalista à merda. Mas nem isso o homem fez. É o que digo: uma pancadinha nas costas seguida de um valente tabefe.

Conclusões? Está visto que, em Portugal, essa história da «presunção da inocência» é só para cumprir calendário. Não passa de uma declaração vazia de conteúdo e sentido. O que vigora tem outro nome: presunção da culpa até prova em contrário. E mesmo assim…

sábado, maio 14, 2005

Yeats, William Butler

O do not love too long
Sweetheart, do not love too long:
I loved long and long,
And grew to be out of fashion
Like an old song.

All through the years of your youth
Neither could have known
Their own thought from the other’s,
We were so much at one.

But O, in a minute she changed –
O do not love too long,
Or you will grow out of fashion
Like an old song.

sexta-feira, maio 13, 2005

Correio dos leitores

De Tiago Franco: "É só para dizer que achei desonesto (depois do seu post sobre o Eduardo Prado Coelho) descrever-se como alguém que gosta de sardinhas assadas."

PS: Afinal, é o Tiago do Não Muito Bom. Quanto aos Toranja, o problema deles são as lyrics. Musicalmente são interessantes.

Borges, J.L.

São os rios
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heraclito o Obscuro.
Somos a água, e não o diamante duro,
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos aquele grego
que se olha no rio. A sua visagem
muda na água da mutável imagem,
no vidro que muda como o fogo.
Somos o vão rio determinado,
rumo ao seu mar, pela sombra cercado.
Tudo nos diz adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha moeda.
E contudo há algo que queda
e contudo há algo que se queixa.

in Os Conjurados

Parabenizar

O Quinto dos Impérios (2.º aniversário) e o Mar Salgado (idem). Cheers!

Este post tem contraditório

Dizem que, em política, o que parece é. E que, como à mulher de César, não basta ser, é preciso parecer. Não vou perder muito tempo a explicar por que razão tudo isto é treta. E da grossa. Na maior parte das vezes, o que sustenta e dá corpo a estes clichés é tão só a má-fé, o preconceito mais reles e a mais gritante mesquinhez.

O caso do «grande armador grego» e do seu amigo Zé Manel é paradigmático do estado de cretinice a que o politicamente correcto nos conduziu. A desconfiança passou a ser apriorística, o cânone persecutório, o bom senso e a boa-fé atirados para a valeta.

O cidadão José Manuel Durão Barroso tem um amigo chamado Spiros Latsis. Latsis é «milionário» (mau...), «grande armador» (pior...) e tem negócios que valem «milhões de euros» (pronto, a marosca está montada). Spiros convidou José para passar uns dias a bordo do seu iate particular. São, repito, amigos.

Ora, ora, MacGuffin, está-se mesmo a ver: um «grande armador grego» (primeira nódoa), «milionário» (segunda nódoa), amigo de «poderosos» (jackpot) e receptor de um subsídio (terminação) só pode significar uma coisa: marosca. Portanto, meu caro direitista empedernido, abre os olhos.

Por coincidência…

Coincidência, MacGuffin?! Qual coincidência, pá! És mesmo parvo. Ou julgas que os outros são.

…o empresário grego estava na iminência de receber um subsidio da UE, já deferido pela Comissão de Prodi. Um mês depois deste encontro particular entre dois amigos (que custou zero euros aos cofres da Comissão ou da UE), e já com Durão Barroso como presidente da Comissão, é concedido, finalmente, o subsídio público (repito: p-ú-b-l-i-c-o) ao «grande armador grego», no valor de dez milhões de euros. [Miguel Portas, com aquele ar resoluto e aquela voz de semi-indignação, diz, agora, que “dez milhões de euros é muito dinheiro” (há gente para quem o dinheiro é logo sinal de vigarice). Como se isso fosse importante no contexto do que ele se propõe debater. Se fosse metade ou um décimo já não se importaria?]

Agora, um grupo de deputados (mais ou menos 74) decidiu avançar com uma moção de censura contra o presidente da Comissão Europeia. O que eles estão a dizer é mais ou menos isto: 1) José Manuel Durão Barroso, e qualquer futuro presidente da Comissão, não vai poder confraternizar, a título particular e pessoal, com amigos cujos negócios envolvam a concessão de subsídios da UE (a não ser que o faça às escondidas, à distância ou guardados por um corpo de elite a constituir); 2) A comissão de Durão Barroso – todos os comissários e o pessoal minimamente responsável - foi colectivamente conivente com a «marosca» ou, em alternativa, não passam de um bando de idiotas que se deixaram enganar pelo chefe.

Pois foi. Foi tudo isso. Resta saber com quanto é que cada um se abotoou.

Ao invés de se debruçarem sobre as razões e os critérios objectivos que sustentaram a atribuição do subsídio - no sentido de averiguarem da transparência, legalidade e legitimidade do processo - estes deputados estão mais preocupados com a imagem. Muito provavelmente, chegarão à conclusão de que tudo foi devidamente justificado e está em conformidade com a lei e a prática. Mas nada disto parece interessar. O problema é um problema de «parecer», i.e., do que se poderá «pensar» (da «suspeição» de «promiscuidade» entre os poderes político e económico). "Nós pensamos, logo ele culpado". Em política, o que parece é, não é?

É.

quinta-feira, maio 12, 2005

Apparent Failure


VII

It's wiser being good than bad;
It's safer being meek than fierce:
It's fitter being sane than mad.
My own hope is, a sun will pierce
The thickest cloud earth ever stretched;
That, after Last, returns the First,
Though a wide compass round be fetched;
That what began best, can't end worst,
Nor what God blessed once, prove accurst.

Robert Browning

Paffff!

E pronto, lá levei um tabefe do João Miranda, como quem diz “pára lá com isso e deixa-te de merdas, tá bem?”. Confesso: estava a pedi-lo. Muito bem dado. Thanks João.

Ah, não era para mim?

PS: Nada como ser linkado por um dos grandes (neste caso o Blasfémias). O sitemeter espevita logo.

PPS: A desconstrução da minha ironia era, ela própria, irónica. Mas não surtiu efeito. Desde que para aqui veio, este Carlos do Carmo Carapinha não acerta uma.

A ironia passou ao lado

Parece a parte final da letra de uma música dos Toranja (bela porcaria, by the way). Mas houve quem, por aqui e aqui, não tivesse percebido o tom e o sentido do meu post sobre a «credibilização». Sim, eu sei que a minha figura é um pouco medíocre (vá lá, deixem-me ser simpático) e que a fotografia é ranhosa (aquela estante de livros em fundo é de uma presunção atroz), mas a chave estava no exagero dos dados pessoais avançados e, claro, na seguinte frase:

“(uma questão que me tiraria o sono caso não se verificasse, como, pelos vistos, foi o caso até à data)”

Por falar em dados, acrescento, por solicitação, mais estes:

NIB: 009105473254000021420
MB: 9091
Peúgas: 40 e meio

Em suma, não estou minimamente preocupado com o grau, ou a ausência, de «credibilização» a mim atribuída por Pacheco Pereira, Daniel Oliveira ou quem quer que seja. “Então por que passaste a publicar o teu nome, Ó minha besta?” Apeteceu-me. É verdade, não tenho outra resposta ou razão a dar. Desculpem, sim?

PS: e, já agora, vou contar-vos um segredo: o MacGuffin e o Carlos do Carmo Carapinha são uma e a mesma pessoa. E de carne e osso. Isso é importante não é? Para quem não se preocupava com essas coisas, deve ser.

PPS: será que também passei ao lado da ironia?

quarta-feira, maio 11, 2005

João Garcez, outra vez

Face à defesa, João Garcez strikes again. De volta ao drible, atira-se, agora: 1) ao estranho caso do «só»; 2) à questão da «caixa de comentários» a propósito das «portas abertas».

Quanto ao primeiro ponto, repare-se na forma como ele se faz de desentendido (não acredito que não o tenha percebido) em relação ao verdadeiro significado do «só» na frase “Por sinal, nesse texto eu «só» escrevia isto:(...)”. Não acredito que o tenha que explicar, mas lá vai disto, ó Evaristo: o «só» foi para dizer que aquela parte do texto, posterior à parte que ele agora refere, era de suprema importância no contexto das «generalizações». «Só» no sentido de ser «fundamental». «Só» no sentido de se tratar «da» ressalva. É claro que, a essas explicações e ressalvas, João Garcez trata de chamar light (leia-se «não interessam»), porque as que lhe interessam é que são hard (leia-se «importantes»).

Em relação à expressão «portas abertas», João Garcez não percebeu que era sinónima de «entendimento», «conciliação», «pontos de contacto», etc. Não senhor: tinha que vir à baila a velha questão da «caixa de comentários» (ter ou não ter, eis a questão). Tenho todo o gosto em explicar, e informar, que em dois anos de blogosfera nunca deixei de publicar um só comentário aos meus textos, exceptuando os verdadeiramente ofensivos ou os embaraçosamente bajuladores (critérios, aliás, que o Afixe não dispensa). O email sempre ali esteve, e está, disponível para quem o quiser utilizar (inclusivamente para mandar bojardas). Recorrendo um pouco à técnica ‘João Garcez’, eu podia agora dizer que, ao contrário do Afixe, os comentários ao Contra não ficam escondidos em sub-páginas, subterraneamente perdidos. Pelo contrário, são postados na primeira página, de igual para igual. Podia dizê-lo (aliás, já o disse), mas não é assim que penso. Não sou assim tão mau. Estou a perder qualidades. Um dia destes, ainda convido o Garcez para uma cerveja ou um copito de vinho tinto alentejano. E ele é bem capaz de aceitar, o biltre!

Alameda VPV

"(...)Quanto à paixão de Paulo Portas e dos antifederalistas pela soberania do Estado Português, ela parte de um equívoco: o equívoco de que a soberania nos protege contra a dependência ou a interferência da «Europa». Não protege. Soberania não significa poder e só o poder protege.

No séc. XIX e no princípio deste século, gozando de plena soberania, fomos uma espécie de protectorado da Inglaterra. A Inglaterra entregou o comando do exército português a Wellington e a Beresford e, durante anos, exigiu para o seu embaixador um lugar «ex officio» na regência do Reino, a Inglaterra intrometeu-se sistematicamente na política doméstica portuguesa, a Inglaterra determinou as fronteiras das colónias portuguesas de África e não hesitou em oferecer Angola e uma fatia de Moçambique aos alemães, a Inglaterra definiu os termos do crédito português nos mercados financeiros de Londres e Paris, a Inglaterra negociou a dívida externa portuguesa, a Inglaterra penhorou os rendimentos do Estado Português, a Inglaterra impôs a Portugal a paz, a guerra e a neutralidade consoante a sua estratégia e o seu proveito. A Inglaterra só nos deixou em paz, quando já não lhe servíamos para nada.(...)

Com ou sem soberania formal do Estado-Nação, com ou sem federalismos, os grandes mandam nos pequenos, os fortes nos fracos e os ricos nos pobres.(...)"

Vasco Pulido Valente
(via Mão Invisível)

João Garcez ou ‘Quando À Falta de Chá Se Alia A Má-fé’

João Garcez, do blogue Afixe, tem brindado o auditório com as suas sentenças – ex-cathedra, objectivas, implacáveis, justíssimas! – sobre um grupelho de ignaros que ele denominou de «Cromos Difíceis Da Blogosfera». Contemplados, até à data: a Charlotte, o Tiago e o MacGuffin (moi même). O Tiago foi, mais ou menos, poupado (até lhe acha piada e tal). À Charlotte e a mim calhou-nos o tau-tau.

A coisa poderia ser engraçada – acho sinceramente piada à ideia de que somos «cromos» - tivesse João Garcez aproveitado e comentado os pontos fracos da malta com fair-play e boa-fé, utilizando, para o efeito, uma via menos encanitada e mais humorística. Mas não. João Garcez optou pela saída mais fácil, «séria» e ordinária: tentar ridicularizar os outros através de ataques ad hominem, lançando um conjunto de epítetos e insinuações preconceituosas, estereotipadas e ofensivas.

João Garcez muniu-se de uma técnica conhecida e de uma estratégia rebatida: 1.º) Fazer uma repescagem de termos e expressões amiúde utilizados, retirando-as do seu contexto (mesmo com o link, ele sabe que a maioria das pessoas não se vai dar trabalho de ler tudo) e distorcendo o seu significado original - de modo a conferir dramatismo à diabolização do outro e a servir de veículo para a sua pose ora de virgem ofendida, ora de santo e justo; 2.º) Demarcar-se assepticamente do objecto da sua análise, colocando-se, presunçosamente, no pedestal dos que nunca se enganaram, exageraram, falharam, erraram a graça ou cometeram a mais leve das injustiças.

[Sobre esta questão, seria bom que os bloggers (incluindo João Garcez) e os leitores percebessem que a blogosfera não deveria ser levada tão a sério. O que aqui se publica - para além de circunstancial, acessório, subjectivo, a carecer de cuidados de vária ordem – reflecte invariavelmente o estado de espírito e as circunstâncias particulares que rodeiam o momento da escrita. Infelizmente, nem sempre estamos bem dispostos (e quando assim é, esticamos a corda), nem sempre relemos o que escrevemos, nem sempre estamos atentos a possíveis interpretações erróneas, nem sempre somos justos naquilo que dizemos, nem sempre acertamos com a piada ou com a provocação.]

No meu caso, o casus belli de João Garcez passou pela questão das «generalizações». A lógica de João Garcez foi, e é, mais ou menos esta: «Eu sou de esquerda, ele diz mal da esquerda, ele está a dizer mal de mim». A partir desse raciocínio, João Garcez mandou às malvas os meus argumentos e o contexto em que foram proferidas certas afirmações e utilizadas determinadas expressões. Esteve-se borrifando para o facto de eu, por dezenas de vezes (aí esqueceu os links), ter tido o cuidado de explicar a razão porque recorri às generalizações (que não passam de muletas retóricas por todos utilizadas), e com isso de certa forma me penitenciar, para além de ressalvar alguma latitude descodificadora. A título de exemplo, João Garcez pensa que eu considero a Esquerda (toda a Esquerda, sobre a qual ele fala como se fosse o seu legítimo representante) «anti-semita», fazendo um link para um post de minha autoria. Por sinal, nesse texto eu «só» escrevia isto:

Ainda este fim-de-semana assisti a uma surpreendente discussão em torno do conflito israelo-palestiniano, que começou com o habitual e razoável “nada tenho contra os israelitas mas sim contra Sharon” para, passados alguns minutos, descambar num role infindável de tiradas de mau gosto, piadinhas nojentas (“Hitler só falhou porque os fornos eram pequenos”), reveladoras de muito má fé contra os judeus (“por alguma razão eles têm sido perseguidos ao longo dos séculos…”). E sim: era malta da esquerda. Mas isso não significa que toda a esquerda seja anti-semita ou que, à direita, não haja laivos de anti-semitismo. (…) Compreendo as preocupações de Rui Tavares com as nem sempre justas generalizações. Como dizem os políticos, quando se referem às sondagens, as generalizações “valem o que valem”.

Outro exemplo. Escrevi eu, há tempos:

”[P]ara Miguel Portas e para a generalidade da esquerda hard, o Sr. Bin Laden e a sua al Qaeda representam a voz dos excluídos, dos humilhados, dos «danados da fome»".

Leitura pronta de João Garcez: eu estou a dizer que a Esquerda (toda a Esquerda) simpatiza com Bin Laden e/ou pensa que a al Qaeda representa a voz dos excluídos, dos humilhados, dos «danados da fome».

Estão a ver o estilo ‘João Garcez’? Os exemplos são paradigmáticos dos métodos e da honestidade intelectual deste blogger. Para João Garcez, eu não passo de um escarro direitista, de linhagem maniqueísta, bushista e neo-liberal, para quem os esquerdistas, para além de nunca terem razão, deviam ser erradicados da face da terra (se possível queimados). Um disparate que, em condições normais, nem mereceria o mais leve comentário.

Mas não posso deixar de comentar. Apesar, e a par, das «generalizações», sempre tive o cuidado de colocar a Esquerda de igual para igual com a Direita, no sentido de ambas encerrarem cosmovisões legítimas sobre a vida e a organização do mundo. Nunca escondi a minha discordância filosófica e politica em relação à Esquerda, mas isso nunca significou que a pretendesse «calar», prender ou erradicar. Até porque, como sempre disse, há Esquerdas e Esquerdas, esquerdistas e esquerdistas. Sou um crítico da Esquerda (lá está, novamente, a generalização), mas nunca supus que a Direita fosse perfeita ou uma ilha ou que as vozes da Esquerda não tivessem, por vezes, razão. Têm. Seria caso para responder à 'João Garcez': se alguns esquerdistas chegaram ao meu blogue com melindres exagerados e encanitamentos pueris (como parece ser o caso de João Garcez), tal responsabilidade recai apenas sobre os seus ombros. O velho e popular «cada um enfia a carapuça que lhe serve».

Voltando à questão das generalizações, já expliquei, várias vezes, por que razão as utilizo - e se utilizam, pois não sou o único a fazê-lo. Daniel Oliveira, JMF, Jorge Palinhos, Filipe Moura, José Mário Silva, etc, muita gente se refere, na blogosfera, à Direita (genericamente) para a criticar. Só mesmo uma mente distorcida e imbuída de má-fé poderia «ofender-se» com isso, levando à letra essas críticas seguindo a tal lógica do «eles estão a dizer mal da direita, eu sou de direita, eles estão a dizer mal de mim». Isso é tão estúpido (não a pessoa em si, mas o raciocínio) que nem dá, ou daria, para discutir ou mencionar. Até porque Esquerda e Direita não são pessoas, ou grupos homogéneos, mas sim conceitos. Só mesmo absolutistas empedernidos ou «idiotas da objectividade» (expressão feliz de Nelson Rodrigues que serve para apontar o dedo à nossa tendência para, por vezes, ou quando nos convém, aplicarmos um excesso de zelo na descodificação objectiva das palavras ou das opiniões, sem nos darmos conta de que há vida para além da «objectividade») levariam as coisas a esse ponto. E se não é estupidez ou má-fé, é criancice, imaturidade, falta de poder de encaixe. Quando alguém explica, várias vezes, o uso que faz das generalizações, fazendo ressalvar que não é para serem levadas tão «objectivamente» - na exacta medida em que (escrevi-o dezenas de vezes) não há uma Esquerda (e há gente de esquerda com quem dá gozo discutir política, por muito diferentes que sejam as nossas opiniões) - e a pessoa a quem nos dirigimos faz orelhas moucas, insistindo em radicalizar o discurso e rejeitando qualquer espécie de conciliação (dêem um saltinho à caixa de comentários do referido post), a partir daí sabe-se que se está a debater com alguém que não quer discutir mas apenas denegrir, achincalhar, diabolizar. Alguém que já separou as águas e não quer mais conversa para além da sentença.

João Garcez revela, também, uma confrangedora falta de sentido de humor. Para além de levar tudo demasiado a peito e de uma forma distorcida e tortuosa, João Garcez faz mesmo das tripas coração para passar ao lado da provocação benigna e humorística, perdendo, en passant, o próprio sentido das proporções. Repare-se no seu comentário ao meu post sobre a seca e o aquecimento global: tudo subvertido. Nesse post, tentei, em jeito de paródia, alertar para o facto de ser necessária alguma cautela, especialmente entre leigos, quando nos debruçamos sobre os fenómenos atmosféricos ou meteorológicos, na medida em que o grau de conhecimento do passado (sobretudo do passado longínquo) não nos permitir afiançar, com toda a certeza, das causas, ocorrências e recorrências desses fenómenos. Há vozes na comunidade cientifica que põem em causa a teoria do doomsday, atribuindo maior ponderação a causas e razões exógenas (as tempestades solares, p.ex.) para além das provocadas pela acção do homem. É óbvio que não quis, com esse texto (nunca tal me passou pela cabeça), pôr em causa o fenómeno do aquecimento global (que é, infelizmente, real), nem sequer sonegar o facto dos EUA serem, actualmente, o país que mais polui o mundo (e muito menos fazer do desgraçado do abade o maior especialista na matéria). Mas, lá está: João Garcez tinha que pegar no meu texto pela mais tenebrosa das perspectivas.

No meio desta postura de santo, de vitima e de indignado, podemos facilmente encontrar textos de João Garcez onde ele usa e abusa de epítetos e insinuações super-elegantes: desde chamar «quadrilha» aos dirigentes do CDS agora constituídos arguidos (para ele já são todos culpados, ou não fossem eles da Di…); apelidar João Carlos Espada de João “Caras” Espada e de «parolo caçador de autógrafos filosóficos»; de insinuar que a expressão «cultura de morte» deveria ser atribuída aos que «apoiaram a invasão do Iraque e que menorizam, ainda hoje, as dezenas e dezenas de milhares de inocentes que as aventuras de Bush II já assassinaram»(sic); de referenciar o nome de Hitler quando comenta essa conversa dos «relativismos» levada a cabo por certos católicos ou direitistas; ou de equiparar o meu modus operandi ao de Goebbels.

A isto, meus caros leitores, chama-se má-fé, falta de chá, imaturidade. É pena. Com pessoas assim não dá para discutir o que quer que seja. Subtraem-se (suicidando-se), fazendo uso daquilo de que acusam os outros. Fecham logo as portas, por receio de contagio com os leprosos ímpios. Parafraseando Adriana Calcanhoto, há que manter as portas abertas, mesmo quando o vento insiste em fechá-las, o tempo todo. João Garcez não veio por bem. Mas não será ele que me vai obrigar a fechar as portas. Elas estarão sempre abertas.

segunda-feira, maio 09, 2005

On line

Os bois pelos nomes

Agradecendo a atenção do Daniel, impõe-se o esclarecimento de alguns pontos.

Em primeiro lugar, quero deixar claro que não me constitui defensor oficioso de Rui A. ou da rapaziada do Acidental. Nem recebi procuração para esse efeito. Estávamos, estamos, a discutir no sentido mais nobre do termo. É normal que tal exercício nos leve a discutir, en passant, ”os nossos pequenos egos”. Daniel acusa A. Rui A. acusa B. JMF acusa C. Eu acuso D. So fu***** what? É assim que as coisas se passam, não é? É bom não esquecer que Daniel acusou Rui A., directa (ad hominem) ou indirectamente (referindo-se ao post), de «maniqueísmo», «cobardia» e «baixeza intelectual». Tudo bem. «Guerra» é «guerra». Somos maiores e vacinados. Mas convém assumir o que dizemos e como o dizemos, partindo do princípio de que a boa-fé preside à cerimónia. E deixemos de parte o papel de vitimas.

Dito isto, devo dizer que sei onde o Daniel quer chegar. Compreendo o seu ponto. Mas não consigo discordar de Rui A., precisamente por achar que o seu texto se encaixa legitima e pacificamente na prateleira das análises críticas da História - onde também se incluem os juízos de valor e os julgamentos sentenciados. Porque não? Quem tem medo da História e da sua análise crítica? Não vejo qualquer problema nisso. Trata-se de uma opinião, tão válida quanto a do Daniel. Não vejo onde possa estar o maniqueísmo. Não vislumbrei sentenças. Não podemos esquecer que nenhum de nós é especialista na matéria e que o assunto está a ser tratado em sede de opinião política – subjectiva, circunstancial, acessória. Na minha opinião, e na opinião de Rui A., houve gente que esteve do lado errado da história. Isso não faz, ou fez, dessas pessoas criminosos, nem sequer lhes retira, ou retirou, a possibilidade e a capacidade de conciliação com o tempo e o mundo.

Rui A. acha, muito legitimamente, que no processo que conduziu à instauração de um regime democrático, marcaram presença forças e elementos que procuraram, durante algum tempo, subverter o espírito de mudança que a esmagadora maioria dos portugueses exigia ou esperava: a transição de um regime ditatorial - autoritário e iliberal - para um regime democrático - politicamente liberal, moderno e modernizador, onde se respeitasse a liberdade de expressão, a liberdade de associação política, a liberdade de culto, a propriedade privada, etc. etc. Um regime sem policia política, sem perseguições, onde a iniciativa privada pudesse florescer minimamente, sem grandes sobressaltos ou perseguições. Ou seja, um modelo projectado à imagem do que se passava na maioria das democracias ocidentais à época. Quem conhece minimamente a história sabe que, retirando este ou aquele exagero, Rui A. está carregadinho de razão. Não nos podemos esquecer que, para o bem e para o mal, o «25 de Abril» trouxe, com ele, a tralha e os excessos «revolucionários». Uns poderiam ter sido evitados, outros seria, de todo, impossível evitar ou prever. Não há revoluções limpas, perfeitas, sem efeitos secundários mais ou menos graves. É esse o ponto de partida do texto de Rui A.

Mas talvez Rui A. tenha pecado por uma perspectiva excessivamente restrita na forma e redutora no conteúdo. O «25 de Abril» foi um «processo». E, como «processo», não se pode dele excluir o papel e o trabalho de homens como Mário Soares, Emídio Guerreiro, Magalhães Mota, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Jaime Neves ou Ramalho Eanes. Eles também foram o «25 de Abril». Foram pelo «verdadeiro» ou «correcto» «25 de Abril». Fizeram parte de todo um «processo» evolutivo. Um «processo» que nos conduziu, em boa hora, ao «25 de Novembro» e a muitas outras datas. Mais uma vez, penso que a confusão passa por aí. Rui A. debruçou-se sobre a tentativa real de instauração de um outro «25 de Abril» (que, penso eu, o Daniel rejeitaria), por parte de certas facções armadas e de certos grupos e partidos políticos, que acabou por condicionar o próprio desenvolvimento do país, para além de colidir abruptamente com os valores que hoje em dia ninguém põe em causa e que o Rui A. tratou de agregar sob o título de «liberalismo» - levantando, desta forma, outro problema, já que, hoje em dia, o «liberalismo» tem várias faces e vários sentidos, para além de mau nome por via de um seu sucedâneo, ou híbrido, chamado «neo-liberalismo» (e não só). Para Rui A., o «25 de Abril» representou e representa isso, i.e., essa tentativa nefasta de conduzir o «25 de Abril» para outros caminhos - autoritários, nada liberais e muito pouco pluralistas. E só isso. Aí penso que há, de facto, alguma intransigência e uma visão um pouco redutora por parte de Rui A., a que não será alheio o facto das comemorações do «25 de Abril» continuarem a servir para «certa» gente se pavonear, acenando com as já conhecidas insatisfações «democráticas», aliadas, por vezes, a um moralismo de pacotilha e a um saudosimo do que «deveria» ter sido.

De resto, Daniel, não atirei nada à cara de ninguém. Cada um é livre de comemorar e comentar o «25 de Abril» da forma que lhe aprouver.

sexta-feira, maio 06, 2005

Para me «credibilizar»

A propósito do segundo aniversário do Abrupto, o Público de hoje publica uma reportagem, de Patrícia Vieira Ferreira, sobre o fenómeno da blogosfera, mais concretamente no que respeita ao “impacto dos blogues no debate político”.

Fui dos contemplados com um pequeno questionário, a que respondi pronta e solicitamente. Dedicaram-me 11 linhas. Agradeço, penhorado.

Sobre a reportagem, duas pequenas notas:

1.ª) Escreve Patrícia Vieira Ferreira que ”Carlos Carapinha, que assina ‘MacGuffin’ no Contra a Corrente, receia que a «influência seja relativa, para não dizer marginal»”. Ora, eu nunca afirmei que «receava» alguma coisa. Sobre esta matéria não receio absolutamente nada. Constato, apenas. Nada mais.

2.ª) Na reportagem são publicadas, e destacadas, duas citações sobre a questão do anonimato. Uma de Pacheco Pereira:

”Sou muito crítico em relação ao blogues cujos autores não se identificam. Nenhuma coisa que lá se diz me merece credibilidade”

Outra de Daniel Oliveira:

”Eu não dou muito valor [aos bloggers não identificados]; é uma situação de desigualdade.”

Patrícia Vieira Ferreira colocou-me essa questão. Lamento que não tenha publicado a minha resposta (certamente por falta de «espaço»). Foi esta a resposta:

“É uma velha questão. Em primeiro lugar, os Weblogs, ou blogues, não são equiparáveis com os tradicionais meios de comunicação social. Os critérios são outros. A sua lógica, estilo ou estatuto é bem mais informal, livre e espontâneo. Há liberdade na blogosfera para usar o anonimato. Como já referi, na sua maioria os blogues são geridos por anónimos e/ou desconhecidos. Os primeiros, por questões de conveniência, estilo ou mero acaso, assinam recorrendo a 'nicknames'. Não vejo grande diferença entre assinar com um 'nickname' ou com um nome (desconhecido) igual a tantos outros (p.ex. José Silva, Luis Fonseca, António Barbosa, etc.). O mesmo já não se aplica aos que já têm (bom ou mau) nome na praça. Cada qual opta pelo que mais lhe convém. Respeito isso, mesmo levando em consideração que a opção pelo anonimato levanta problemas de 'accountability', para além de, em certas situações, deixar no ar uma aura de cobardia, de quem tem medo de dar a cara. Mas, repito, a blogosfera é um espaço de liberdade. No meu caso, comecei por escrever, e ainda hoje o faço, sob o nickname 'MacGuffin' por causa de uma experiência anterior no site do Miguel Esteves Cardoso, e também pelo facto do nome remeter para o universo de Hitchcock (de quem sou um indefectível). Hoje em dia já não escondo quem sou, embora, repito, no contexto da blogosfera, me pareça uma questão irrelevante.”

Para que conste e para que, daqui em diante, os Pachecos Pereiras e os Danieis Oliveiras passem a conceder-me alguma credibilidade (uma questão que me tiraria o sono caso não se verificasse, como, pelos vistos, foi o caso até à data) informo o mundo do seguinte:

Este blogue é da autoria de Carlos do Carmo C. Carapinha, natural de Évora, portador do bilhete de identidade n.º 8677935 (arquivo de Évora, freguesia da Sé), nascido no ano de 1969, a 8 de Fevereiro, contribuinte n.º 184087001. Já foi casado, é pai de uma menina, pesa 66 quilos, calça 40, tem 1,70 m e gosta de sardinhas assadas na brasa. Publica-se, também, fotografia.


PS: o meu nome passará a constar no blogue.

Mealhada

Rebelo da Silva, em artigo publicado em 1930 na Revista Agronómica, deu-nos conta de um estudo levado a cabo pelo abade de Montearagon, em 1662, sobre cataclismos, secas e fomes na Península Ibérica:

[em 1040 AC] a Península Ibérica começou a ser assolada por calores tão intensos que não houve rio ou fonte que não secasse, exceptuando dos rios Ébro e Guadalquivir, que apenas conservaram pouquíssima água. Durante muito tempo não choveu, e em extensões de terreno de grande superfície, o solo abriu fendas muito profundas. Toda a vegetação secou; a falta de subsistências foi geral, compelindo os habitantes do País a emigrar; nas suas terras conservaram-se os proprietários ricos confiados na provisão de subsistência, que haviam feito, e tendo esperança e melhores tempos que não vieram. Consumiram as subsistências e quando quiseram fugir dessas desoladas terras era já muito tarde; foram morrendo de fome e de sede pelo caminho, salvando-se apenas, em pequeno número, os que puderam refugiar-se nas montanhas dos Pirinéus. Esta calamidade durou vinte e seis anos, sem que a chuva nem um único dia refrescasse o solo de Espanha, que ficou despovoado. Findo este tempo, choveu abundantemente e consecutivamente durante três anos; a terra cobriu-se novamente de vegetação, e a Espanha começou a repovoar-se” (fonte: Revista Agronómica, 1930, Rebelo da Silva).

Em Portugal, Rebelo da Silva apoiou-se nos Anais de D. João III, escritos por Luis de Sousa, para evocar que, em 1552, em todo o reino ”estavam os campos tam secos que, como em outro tempo se despovoou Hispanha por lhe faltarem as chuvas ordinárias, parecia que tornava similhante desventuras.”

Daqui se conclui que há séculos que o imperialismo americano vem fustigando o planeta terra e a camada do ozono. Alfonso Manitas de Plata, um estudioso catalão da matéria, em paper publicado há três anos, reitera esta tese: ”Em 1545, era já notório o autismo por parte dos responsáveis norte-americanos (os que, na altura, mais contribuíam para a poluição no planeta) em não abrir mão das suas reservas de búfalos – um número perto do bilião e meio – cuja ventosidade intestinal deixava marcas indeléveis na camada de ozono, provocando um efeito estufa devastador que secou rios, ribeiros, riachos e poças de água”.

Em Portugal, um distinto cientista filiado no Bloco de Esquerda que, para este pequeno apontamento de reportagem, pediu o anonimato, tem praticamente concluído um estudo sobre o impacto dos sinais de fumo, utilizados pelas tribos nativas norte-americanas (os Mohawks, os Teton Lakota, os Choctaw do sudoeste e os Shoshon), na atmosfera. Relatos manuscritos do Grande Chefe Bogart (Mohawk) referiam “secas prolongadas, pés gretados e mulheres quentes”, ambiente comummente atribuído à interconexão entre o mundo dos espíritos e o mundos dos vivos.

Ó Alberto: é “Meca” ou “Meta” dos leitões?

Spoooooorting!

Sofrido!



Mas merecido.

quinta-feira, maio 05, 2005

Vem aí o Mencken

Este moço descobriu o Mencken. Em boa hora o fez (vem aí a tradução do On Being an American, uma ínfima parte dos Prejudices). E ainda por cima via Bellow. Só boas referências. Deixo aqui um cheirinho e os links certos (aqui, aqui, aqui e aqui).

The Good Man
”Man, at his best, remains a sort of one-lunged animal, never completely rounded and perfect, as a cockroach, say, is perfect. If he shows one valuable quality, it is almost unheard of for him to show any other. Give him a head, and he lacks a heart. Give him a heart of a gallon capacity, and his head holds scarcely a pint. The artist, nine times out of ten, is a dead-beat and given to the debauching of virgins, so-called. The patriot is a bigot, and, more often than not, a bounder and a poltroon. The man of physical bravery is often on a level, intellectually, with a Baptist clergyman. The intellectual giant has bad kidneys and cannot thread a needle. In all my years of search in this world, from the Golden Gate in the West to the Vistula in the East, and from the Orkney Islands in the North to the Spanish Main in the South, I have never met a thoroughly moral man who was honourable.”
(in Smart Set, 1923)

The mind of Man
”The difference between a moral man and a man of honour is that the latter regrets a discreditable act, even when it has worked and he has not been caught.

Man is a beautiful machine that works very badly. He is like a watch of which the most that can be said is that its cosmetic effect is good.”
(in Smart Set, 1922)

”Man is one of the toughest of animated creatures. Only the anthrax bacillus can stand so unfavourable an environment for so long a time.”
”The human race has probably never produced a wholly admirable man. Such trite examples as Lincoln, Washington, Goethe and the holy saints are obviously very lame candidates. Even Jesus fails to meet any rational specification.”
(in Minority Report, 1956)

Mau Maria! (ou, neste caso, Paulo!)

Vamos esperar que ele reconsidere. A não ser que tenha sido contratado (tipo transferência entre blogues) para outro espaço. Esperemos, então.

Os 31 do 25

O Terras do Nunca e o A Barriga De Um Arquitecto revelaram o seu incómodo face ao que certa rapaziada (aqui e aqui) para aí andou a escrever, a propósito do 25 de Abril.

No A Barriga De Um Arquitecto afirmou-se que [n]ão faz sentido colocar a História no banco dos réus, como não faz sentido ajuizar sobre processos bastante complexos e intrínsecos às contingências de uma situação histórica particular avaliando-os pelos padrões culturais do presente” (sic), não sem antes se ter escrito: “o regime não aceitou a insustentabilidade de manter o sistema colonial por via de uma guerra que não podia suportar – e pior que tudo, sabia-o desde o início” (sic). Contradição? Total.

Em primeiro lugar, o regime não sabia «desde o início» da «insustentabilidade de manter o sistema colonial por um via de uma guerra que não podia suportar». A guerra teve origens e razões específicas, particulares, «compreensíveis» até. Nenhum país teria evitado o envio de tropas para proteger as populações ameaçadas de limpeza étnica no noroeste de Angola (não nos podemos esquecer que o maior massacre de civis europeus em África no século XX foi perpetrado pela União dos Povos de Angola – um grupo armado cujos métodos e cuja intransigência em negociar deram o mote para o que se veio a passar). Se descontarmos a República da África do Sul, a comunidade portuguesa era «só» a maior comunidade europeia em África, a sul do Sara. Ou seja, muita coisa estava em jogo. Falar que «desde o inicio» se sabia da «insustentabilidade» do sistema e da própria guerra, é, para além de errado, um sinal de anacronismo em sede de análise histórica. Precisamente aquilo de que Daniel acusa os outros. Ou seja, dizer, agora, que a guerra não se podia «suportar» e que o sistema era «insustentável» não passa de uma avaliação «pelos padrões culturais do presente» de um «processo bastante complexo e intrínseco às contingências de uma situação histórica particular». Um tiro no pé, portanto.

Quanto a JMF, é bom que ele perceba (se conseguir, claro) que ninguém - no seu perfeito juízo e munido de fortes sentimentos de afecto em relação à democracia e à liberdade, como é o caso da rapaziada aludida - ninguém, dizia, põe em causa o valor simbólico do «25 de Abril», como a data emblemática do início da transição de um regime ditatorial para um regime democrático. Ou seja, ninguém é contra o «25 de Abril» significando este, sobretudo em abstracto, o fim da ditadura e o inicio da democracia (da liberdade de expressão, de culto, etc. etc.). Celebrar o «25 de Abril» (embora, diga-se, já não se justifiquem grandes alaridos ao fim de 31 anos) é celebrar a democracia, com todos os defeitos, fraquezas, virtudes e qualidades que fazem parte desse sistema (que, como disse Churchill, é o pior sistema à excepção de todos os outros). Nesse sentido e contexto, o «25 de Abril» existiu. Ainda bem que existiu. E não, não foi uma desgraça.

Mas a história deve ser contada. Negar, esquecer ou negligenciar, hoje, os problemas que marcaram essa transição de regime é absolutamente idiota. Tornear ou florear a História para que não se melindre uma data, deixar de comentar o comportamento de certos indivíduos que fazem gala em chamar a si o protagonismo de uma suposta «conquista» e que não se coíbem de dar conta da tremenda frustração e insatisfação que sentem à falta dos «amanhãs que cantam» (a que, a seu tempo e em boa hora, a democracia pôs termo pela força da razão), isso sim, parece-me um disparate.

Não podemos, nem devemos, branquear a história em nome do simbolismo de uma efeméride. É normal e natural que, criticamente (no sentido benigno), se continue a tentar perceber como tudo se passou, aventando pelo meio a possibilidade de se ter passado muita coisa de errado e de duvidoso. O papel do historiador e dos analistas é, precisamente, esse: contar a história e tentar perceber por que razão se fez assim; se haveria, ou não, a possibilidade de se ter feito assado; por que razão se fez assim e não assado; quais a repercussões de se ter feito assim e não assado; etc. etc. Passados mais de trinta anos, estão agora reunidas condições para uma análise mais desassombrada e menos engajada da «revolução dos cravos» (Vasco Pulido Valente e Rui Ramos têm tentado fazê-lo com total mestria). Não se trata de imprimir à história um tom maniqueísta, elencando uma galeria de heróis, vitimas, vilões e carrascos. Há é que enfrentá-la, chamando eventualmente os bois pelos nomes. Não se pode continuar a mistificar essa época e esse processo enquanto ou independentemente de se celebrar o «25 de Abril». Há coisas que sabemos, hoje, serem verdade. Sim, a descolonização correu mal. Sim, teve repercussões gravíssimas, que ainda hoje se fazem sentir. Dizer isto não é culpar ou julgar alguém. Nem sequer é dizer que podia ter corrido melhor. Muito menos lamentar o fim da ditadura. Na hora dos festejos, é, sobretudo, de bom tom ter em mente as repercussões positivas e negativas do «25 de Abril» - e, no role destas, as que já foram esquecidas. Ou sonegadas.

Questionário

Agradecendo o duplo convite (Alberto e Ricardo)…

1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Um à prova de fogo.

2. Já alguma vez ficaste apanhado por um personagem de ficção?

Ireneo Funes

3. Qual foi o último livro que compraste?

Ilíada, de Homero; The Mystery of Capital, de Hernando de Soto. Hume, de Anthony Quinton.

4. Qual o último que leste?

Hume de Anthony Quinton

5. Que livros estás a ler?

The Jews Of The United States de Hasia R. Diner. The Mystery of Capital de Hernando de Soto. Gulag de Anne Applebaum. Odisseia de Homero.

6. Que 5 livros levarias para uma ilha deserta?

A obra completa de Jorge Luis Borges. As crónicas de Nelson Rodrigues pela Companhia das Letras. A Odisseia e a Ilíada de Homero. A obra completa de Roy Stuart (fotografias). Seriam mais que cinco, portanto.

6. A que 3 pessoas vais passar este testemunho?

À Inês, ao Luís e ao João Burke.

quarta-feira, maio 04, 2005

O nosso Eduardo

Em artigo da praxe, o Prof. Dr. Eduardo Prado Coelho volta a escancarar a céu aberto a sua paroquial altivez e a sua pueril arrogância, com direito, como é seu apanágio, a recadinhos cirúrgicos (ou, numa perspectiva mais benigna e complacente, o Prof. Dr. Eduardo Prado Coelho volta a doar às massas mais uma brilhante elucubração sobre a rasteira actividade do povaréu).

Sob o sugestivo título “Prova Oral”, o Prof. Dr. Eduardo Prado Coelho - um vulto da intelectualidade lusa pós-moderna e neo-marxista - resolveu discorrer sobre as aventuras e desventuras da ralé, em matéria de hábitos literários. Segundo o douto intelectual, tudo volta a confluir no sentido de validar a mãe de todas as teses, que é a sua desde tempos imemoráveis: o povo, quando não é estúpido, é ignorante; e quando não é ignorante, é estúpido.

O nosso Eduardo - passemos a este tratamento mais intimista e carinhoso, já que EPC é já património nacional, quiçá mesmo da humanidade – o nosso Eduardo, dizia, chegou à conclusão, por exemplo, de que o povo (essa abstracta massa uniforme) ora liga peva à música clássica (leia-se «erudita»), ora quando se predispõe a fazê-lo, escolhe sempre os piores motivos, momentos e sítios – um «festival» ou uma «festa» em locais muito povoados. E sempre sob registo epiléptico.

No mesmíssimo sentido, diz-nos o nosso Eduardo que o povo (novamente, a «massa» homogénea) ora lê pouco (A Bola, o Rekord, A Capital, O Capital), ora lê muito, mas, neste caso, entregando-se ao que não presta, i.e., ao lixo literário ou ao que está na berra (que é mais ou menos a mesma coisa). O nosso Eduardo faz mesmo eco da ideia de que vivemos, por estes dias, numa espécie de limbo existencial - «complexo», obtuso, esquisito - recheado de epifenómenos – o livro do filósofo Gil, os livros do Dan Brown, a proliferação de «novas livrarias, pouco profissionais e muito afectivas, que vão surgindo sobretudo nas pequenas cidades universitárias» - que mais não são do que sinais de uma temível enfermidade que por aí alastra e a todos consome. Pelo meio, o nosso Eduardo lamenta-se: «E vemos no concurso "Um contra todos": uma pessoa não faz a menor ideia de quem escreveu "Guerra e Paz".»

Eu, por exemplo, nunca li o Guerra e Paz. Sei, contudo, que foi um tal de Tolstoi que o escreveu. Na óptica do nosso Eduardo, não ler o Guerra e Paz mas saber quem o escreveu, faz, obviamente, toda a diferença. E eu imagino a miséria espiritual e a infelicidade dos rebanhos que, sem orientação divina ou intelectual (do nosso Eduardo, por exemplo), nunca leram Tolstoi, Joyce ou Schopenhauer. Uma sociedade que produz espécies humanas que nunca leram, nem lerão, o Guerra e Paz ou o Ulisses, e que nem sequer sabem quem escreveu essas obras magnas, é uma sociedade à beira da catástrofe. Sem emenda. Moral e esteticamente falida.

De resto, e em boa verdade, o nosso Eduardo não se desviou um milímetro da velha síndrome da «barata tonta». De tempos a tempos, o nosso Eduardo faz questão de revelar a confusão e o desarranjo que habitam as suas meninges, revelação, aliás, entremeada pela sua habitual postura de Hiperíon entre sátiros. Ao fim destes anos, o nosso Eduardo continua a apanhar papéis face a uma série de fenómenos que deixaram há muito de ser inéditos: a democratização dos gostos; a liberdade individual de escolha (de escolher, por exemplo, uma via diferente da preconizada por ele); a massificação e a hiper-produção literárias; o culto do livro, como objecto de consumo; a perda da influência doutoral e «doutrinária» de uma certa intelligentsia. E por aí fora.

O recadinho às livrarias* «pouco profissionais e muito afectivas» das «pequenas cidades universitárias» é mais do mesmo. O nosso Eduardo acaba por ver nessas livrarias os agentes da «nova ordem» - a da «cultura obesa do livro». Ao nosso Eduardo faz-lhe imensa confusão que uma livraria de província tenha o desplante de organizar um debate em torno do livro de José Gil, não só com a presença do autor, mas, sobretudo, com a presença, em peso (horror dos horrores!), do «povo». Da choldra. E, pasme-se, sem a sua presença ou a dos seus. Não que o nosso Eduardo se predispusesse a misturar-se com a ralé que consome o José Gil (porque é moda), o Dan Brown (porque é light e místico) ou corre, expedita, para os «festivais» de música clássica. Nada disso. O nosso Eduardo queria viver num mundo diferente. Um mundo previsível, certinho, planificado, arrumadinho, compartimentado. Um mundo em que os comportamentos, gostos e tiques do povo permanecessem cristalizados (leia-se «toscos»), à parte dos de um restrito grupo de luminárias que, da capital, defendesse «o que deve ser» e planificasse «como deve ser». Um mundo que não permitisse qualquer tipo de intrusão entre o «popular» e o «erudito», entre o «consumismo» e a «cultura», entre o «povo» e as «elites». Um mundo acompanhado de perto por uma elite que ditasse os critérios, supervisionasse os desvios e escolhesse quem, como e quando. O nosso Eduardo está nitidamente incomodado. O tempo e os modos escapam-se-lhe da mão.

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*PS: tenho acompanhado o esforço quase sobre-humano de uma «nova» livraria de uma «pequena cidade universitária» (Évora). Por ter conhecimento do trabalho desenvolvido por essa livraria nos últimos quatro anos – um trabalho que tem envolvido as escolas da cidade, a vinda de autores, o debate em torno de livros, a tradição oral do conto, etc. etc. - não posso deixar de referir que, para além de injustas, as palavras de EPC se revestem de um carácter quase ofensivo. Sei que, há uns tempos atrás, EPC passou uns dias em Évora. Li as suas crónicas na altura. Só posso lamentar que, ao invés de discorrer sobre restaurantes de quinta categoria dirigidos por boçais, não se tivesse informado desse trabalho. Essa informação ter-lhe-ia poupado o esforço dos recadinhos e as boquinhas da praxe.

domingo, maio 01, 2005

Lambchop


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