João Garcez, do blogue
Afixe, tem brindado o auditório com as suas sentenças – ex-cathedra, objectivas, implacáveis, justíssimas! – sobre um grupelho de ignaros que ele denominou de «Cromos Difíceis Da Blogosfera». Contemplados, até à data: a
Charlotte, o
Tiago e o
MacGuffin (moi même). O Tiago foi, mais ou menos, poupado (até lhe acha piada e tal). À
Charlotte e a mim calhou-nos o tau-tau.
A coisa poderia ser engraçada – acho sinceramente piada à ideia de que somos «cromos» - tivesse João Garcez aproveitado e comentado os pontos fracos da malta com
fair-play e boa-fé, utilizando, para o efeito, uma via menos encanitada e mais humorística. Mas não. João Garcez optou pela saída mais fácil, «séria» e ordinária: tentar ridicularizar os outros através de ataques
ad hominem, lançando um conjunto de epítetos e insinuações preconceituosas, estereotipadas e ofensivas.
João Garcez muniu-se de uma técnica conhecida e de uma estratégia rebatida: 1.º) Fazer uma repescagem de termos e expressões amiúde utilizados, retirando-as do seu contexto (mesmo com o
link, ele sabe que a maioria das pessoas não se vai dar trabalho de ler tudo) e distorcendo o seu significado original - de modo a conferir dramatismo à diabolização do outro e a servir de veículo para a sua pose ora de virgem ofendida, ora de santo e justo; 2.º) Demarcar-se assepticamente do objecto da sua análise, colocando-se, presunçosamente, no pedestal dos que nunca se enganaram, exageraram, falharam, erraram a graça ou cometeram a mais leve das injustiças.
[Sobre esta questão, seria bom que os
bloggers (incluindo João Garcez) e os leitores percebessem que a blogosfera não deveria ser levada tão a sério. O que aqui se publica - para além de circunstancial, acessório, subjectivo, a carecer de cuidados de vária ordem – reflecte invariavelmente o estado de espírito e as circunstâncias particulares que rodeiam o momento da escrita. Infelizmente, nem sempre estamos bem dispostos (e quando assim é, esticamos a corda), nem sempre relemos o que escrevemos, nem sempre estamos atentos a possíveis interpretações erróneas, nem sempre somos justos naquilo que dizemos, nem sempre acertamos com a piada ou com a provocação.]
No meu caso, o
casus belli de João Garcez passou pela questão das «generalizações». A lógica de João Garcez foi, e é, mais ou menos esta: «Eu sou de esquerda, ele diz mal da esquerda, ele está a dizer mal de mim». A partir desse raciocínio, João Garcez mandou às malvas os meus argumentos e o contexto em que foram proferidas certas afirmações e utilizadas determinadas expressões. Esteve-se borrifando para o facto de eu, por dezenas de vezes (aí esqueceu os
links), ter tido o cuidado de explicar a razão porque recorri às generalizações (que não passam de muletas retóricas por todos utilizadas), e com isso de certa forma me penitenciar, para além de ressalvar alguma latitude descodificadora. A título de exemplo, João Garcez pensa que eu considero a Esquerda (toda a Esquerda, sobre a qual ele fala como se fosse o seu legítimo representante) «anti-semita», fazendo um
link para um
post de minha autoria. Por sinal, nesse texto eu «só» escrevia isto:
Ainda este fim-de-semana assisti a uma surpreendente discussão em torno do conflito israelo-palestiniano, que começou com o habitual e razoável “nada tenho contra os israelitas mas sim contra Sharon” para, passados alguns minutos, descambar num role infindável de tiradas de mau gosto, piadinhas nojentas (“Hitler só falhou porque os fornos eram pequenos”), reveladoras de muito má fé contra os judeus (“por alguma razão eles têm sido perseguidos ao longo dos séculos…”). E sim: era malta da esquerda. Mas isso não significa que toda a esquerda seja anti-semita ou que, à direita, não haja laivos de anti-semitismo. (…) Compreendo as preocupações de Rui Tavares com as nem sempre justas generalizações. Como dizem os políticos, quando se referem às sondagens, as generalizações “valem o que valem”.Outro exemplo. Escrevi eu, há tempos:
”[P]ara Miguel Portas e para a generalidade da esquerda hard
, o Sr. Bin Laden e a sua al Qaeda representam a voz dos excluídos, dos humilhados, dos «danados da fome»".
Leitura pronta de João Garcez: eu estou a dizer que a Esquerda (toda a Esquerda) simpatiza com Bin Laden e/ou pensa que a al Qaeda representa a voz dos excluídos, dos humilhados, dos «danados da fome».
Estão a ver o estilo ‘João Garcez’? Os exemplos são paradigmáticos dos métodos e da honestidade intelectual deste
blogger. Para João Garcez, eu não passo de um escarro direitista, de linhagem maniqueísta, bushista e neo-liberal, para quem os esquerdistas, para além de nunca terem razão, deviam ser erradicados da face da terra (se possível queimados). Um disparate que, em condições normais, nem mereceria o mais leve comentário.
Mas não posso deixar de comentar. Apesar, e a par, das «generalizações», sempre tive o cuidado de colocar a Esquerda de igual para igual com a Direita, no sentido de ambas encerrarem cosmovisões legítimas sobre a vida e a organização do mundo. Nunca escondi a minha discordância filosófica e politica em relação à Esquerda, mas isso nunca significou que a pretendesse «calar», prender ou erradicar. Até porque, como sempre disse, há Esquerdas e Esquerdas, esquerdistas e esquerdistas. Sou um crítico da Esquerda (lá está, novamente, a generalização), mas nunca supus que a Direita fosse perfeita ou uma ilha ou que as vozes da Esquerda não tivessem, por vezes, razão. Têm. Seria caso para responder à 'João Garcez': se alguns esquerdistas chegaram ao meu blogue com melindres exagerados e encanitamentos pueris (como parece ser o caso de João Garcez), tal responsabilidade recai apenas sobre os seus ombros. O velho e popular «cada um enfia a carapuça que lhe serve».
Voltando à questão das generalizações, já expliquei, várias vezes, por que razão as utilizo - e se utilizam, pois não sou o único a fazê-lo.
Daniel Oliveira,
JMF,
Jorge Palinhos, Filipe Moura, José Mário Silva, etc, muita gente se refere, na blogosfera, à Direita (genericamente) para a criticar. Só mesmo uma mente distorcida e imbuída de má-fé poderia «ofender-se» com isso, levando à letra essas críticas seguindo a tal lógica do «eles estão a dizer mal da direita, eu sou de direita, eles estão a dizer mal de mim». Isso é tão estúpido (não a pessoa em si, mas o raciocínio) que nem dá, ou daria, para discutir ou mencionar. Até porque Esquerda e Direita não são pessoas, ou grupos homogéneos, mas sim conceitos. Só mesmo absolutistas empedernidos ou «idiotas da objectividade» (expressão feliz de Nelson Rodrigues que serve para apontar o dedo à nossa tendência para, por vezes, ou quando nos convém, aplicarmos um excesso de zelo na descodificação objectiva das palavras ou das opiniões, sem nos darmos conta de que há vida para além da «objectividade») levariam as coisas a esse ponto. E se não é estupidez ou má-fé, é criancice, imaturidade, falta de poder de encaixe. Quando alguém explica, várias vezes, o uso que faz das generalizações, fazendo ressalvar que não é para serem levadas tão «objectivamente» - na exacta medida em que (escrevi-o dezenas de vezes) não há uma Esquerda (e há gente de esquerda com quem dá gozo discutir política, por muito diferentes que sejam as nossas opiniões) - e a pessoa a quem nos dirigimos faz orelhas moucas, insistindo em radicalizar o discurso e rejeitando qualquer espécie de conciliação (dêem um saltinho à caixa de comentários do referido
post), a partir daí sabe-se que se está a debater com alguém que não quer discutir mas apenas denegrir, achincalhar, diabolizar. Alguém que já separou as águas e não quer mais conversa para além da sentença.
João Garcez revela, também, uma confrangedora falta de sentido de humor. Para além de levar tudo demasiado a peito e de uma forma distorcida e tortuosa, João Garcez faz mesmo das tripas coração para passar ao lado da provocação benigna e humorística, perdendo,
en passant, o próprio sentido das proporções. Repare-se no seu comentário ao meu post sobre a seca e o aquecimento global: tudo subvertido. Nesse
post, tentei, em jeito de paródia, alertar para o facto de ser necessária alguma cautela, especialmente entre leigos, quando nos debruçamos sobre os fenómenos atmosféricos ou meteorológicos, na medida em que o grau de conhecimento do passado (sobretudo do passado longínquo) não nos permitir afiançar, com toda a certeza, das causas, ocorrências e recorrências desses fenómenos. Há vozes na comunidade cientifica que põem em causa a teoria do
doomsday, atribuindo maior ponderação a causas e razões exógenas (as tempestades solares, p.ex.) para além das provocadas pela acção do homem. É óbvio que não quis, com esse texto (nunca tal me passou pela cabeça), pôr em causa o fenómeno do aquecimento global (que é, infelizmente, real), nem sequer sonegar o facto dos EUA serem, actualmente, o país que mais polui o mundo (e muito menos fazer do desgraçado do abade o maior especialista na matéria). Mas, lá está: João Garcez tinha que pegar no meu texto pela mais tenebrosa das perspectivas.
No meio desta postura de santo, de vitima e de indignado, podemos facilmente encontrar textos de João Garcez onde ele usa e abusa de epítetos e insinuações super-elegantes: desde chamar «quadrilha» aos dirigentes do CDS agora constituídos arguidos (para ele já são todos culpados, ou não fossem eles da Di…); apelidar João Carlos Espada de João “Caras” Espada e de «parolo caçador de autógrafos filosóficos»; de insinuar que a expressão «cultura de morte» deveria ser atribuída aos que «apoiaram a invasão do Iraque e que menorizam, ainda hoje, as dezenas e dezenas de milhares de inocentes que as aventuras de Bush II já assassinaram»(sic); de referenciar o nome de Hitler quando comenta essa conversa dos «relativismos» levada a cabo por certos católicos ou direitistas; ou de equiparar o meu
modus operandi ao de Goebbels.
A isto, meus caros leitores, chama-se má-fé, falta de chá, imaturidade. É pena. Com pessoas assim não dá para discutir o que quer que seja. Subtraem-se (suicidando-se), fazendo uso daquilo de que acusam os outros. Fecham logo as portas, por receio de contagio com os leprosos ímpios. Parafraseando Adriana Calcanhoto, há que manter as portas abertas, mesmo quando o vento insiste em fechá-las, o tempo todo. João Garcez não veio por bem. Mas não será ele que me vai obrigar a fechar as portas. Elas estarão sempre abertas.