Os 31 do 25
O Terras do Nunca e o A Barriga De Um Arquitecto revelaram o seu incómodo face ao que certa rapaziada (aqui e aqui) para aí andou a escrever, a propósito do 25 de Abril.
No A Barriga De Um Arquitecto afirmou-se que “[n]ão faz sentido colocar a História no banco dos réus, como não faz sentido ajuizar sobre processos bastante complexos e intrínsecos às contingências de uma situação histórica particular avaliando-os pelos padrões culturais do presente” (sic), não sem antes se ter escrito: “o regime não aceitou a insustentabilidade de manter o sistema colonial por via de uma guerra que não podia suportar – e pior que tudo, sabia-o desde o início” (sic). Contradição? Total.
Em primeiro lugar, o regime não sabia «desde o início» da «insustentabilidade de manter o sistema colonial por um via de uma guerra que não podia suportar». A guerra teve origens e razões específicas, particulares, «compreensíveis» até. Nenhum país teria evitado o envio de tropas para proteger as populações ameaçadas de limpeza étnica no noroeste de Angola (não nos podemos esquecer que o maior massacre de civis europeus em África no século XX foi perpetrado pela União dos Povos de Angola – um grupo armado cujos métodos e cuja intransigência em negociar deram o mote para o que se veio a passar). Se descontarmos a República da África do Sul, a comunidade portuguesa era «só» a maior comunidade europeia em África, a sul do Sara. Ou seja, muita coisa estava em jogo. Falar que «desde o inicio» se sabia da «insustentabilidade» do sistema e da própria guerra, é, para além de errado, um sinal de anacronismo em sede de análise histórica. Precisamente aquilo de que Daniel acusa os outros. Ou seja, dizer, agora, que a guerra não se podia «suportar» e que o sistema era «insustentável» não passa de uma avaliação «pelos padrões culturais do presente» de um «processo bastante complexo e intrínseco às contingências de uma situação histórica particular». Um tiro no pé, portanto.
Quanto a JMF, é bom que ele perceba (se conseguir, claro) que ninguém - no seu perfeito juízo e munido de fortes sentimentos de afecto em relação à democracia e à liberdade, como é o caso da rapaziada aludida - ninguém, dizia, põe em causa o valor simbólico do «25 de Abril», como a data emblemática do início da transição de um regime ditatorial para um regime democrático. Ou seja, ninguém é contra o «25 de Abril» significando este, sobretudo em abstracto, o fim da ditadura e o inicio da democracia (da liberdade de expressão, de culto, etc. etc.). Celebrar o «25 de Abril» (embora, diga-se, já não se justifiquem grandes alaridos ao fim de 31 anos) é celebrar a democracia, com todos os defeitos, fraquezas, virtudes e qualidades que fazem parte desse sistema (que, como disse Churchill, é o pior sistema à excepção de todos os outros). Nesse sentido e contexto, o «25 de Abril» existiu. Ainda bem que existiu. E não, não foi uma desgraça.
Mas a história deve ser contada. Negar, esquecer ou negligenciar, hoje, os problemas que marcaram essa transição de regime é absolutamente idiota. Tornear ou florear a História para que não se melindre uma data, deixar de comentar o comportamento de certos indivíduos que fazem gala em chamar a si o protagonismo de uma suposta «conquista» e que não se coíbem de dar conta da tremenda frustração e insatisfação que sentem à falta dos «amanhãs que cantam» (a que, a seu tempo e em boa hora, a democracia pôs termo pela força da razão), isso sim, parece-me um disparate.
Não podemos, nem devemos, branquear a história em nome do simbolismo de uma efeméride. É normal e natural que, criticamente (no sentido benigno), se continue a tentar perceber como tudo se passou, aventando pelo meio a possibilidade de se ter passado muita coisa de errado e de duvidoso. O papel do historiador e dos analistas é, precisamente, esse: contar a história e tentar perceber por que razão se fez assim; se haveria, ou não, a possibilidade de se ter feito assado; por que razão se fez assim e não assado; quais a repercussões de se ter feito assim e não assado; etc. etc. Passados mais de trinta anos, estão agora reunidas condições para uma análise mais desassombrada e menos engajada da «revolução dos cravos» (Vasco Pulido Valente e Rui Ramos têm tentado fazê-lo com total mestria). Não se trata de imprimir à história um tom maniqueísta, elencando uma galeria de heróis, vitimas, vilões e carrascos. Há é que enfrentá-la, chamando eventualmente os bois pelos nomes. Não se pode continuar a mistificar essa época e esse processo enquanto ou independentemente de se celebrar o «25 de Abril». Há coisas que sabemos, hoje, serem verdade. Sim, a descolonização correu mal. Sim, teve repercussões gravíssimas, que ainda hoje se fazem sentir. Dizer isto não é culpar ou julgar alguém. Nem sequer é dizer que podia ter corrido melhor. Muito menos lamentar o fim da ditadura. Na hora dos festejos, é, sobretudo, de bom tom ter em mente as repercussões positivas e negativas do «25 de Abril» - e, no role destas, as que já foram esquecidas. Ou sonegadas.
No A Barriga De Um Arquitecto afirmou-se que “[n]ão faz sentido colocar a História no banco dos réus, como não faz sentido ajuizar sobre processos bastante complexos e intrínsecos às contingências de uma situação histórica particular avaliando-os pelos padrões culturais do presente” (sic), não sem antes se ter escrito: “o regime não aceitou a insustentabilidade de manter o sistema colonial por via de uma guerra que não podia suportar – e pior que tudo, sabia-o desde o início” (sic). Contradição? Total.
Em primeiro lugar, o regime não sabia «desde o início» da «insustentabilidade de manter o sistema colonial por um via de uma guerra que não podia suportar». A guerra teve origens e razões específicas, particulares, «compreensíveis» até. Nenhum país teria evitado o envio de tropas para proteger as populações ameaçadas de limpeza étnica no noroeste de Angola (não nos podemos esquecer que o maior massacre de civis europeus em África no século XX foi perpetrado pela União dos Povos de Angola – um grupo armado cujos métodos e cuja intransigência em negociar deram o mote para o que se veio a passar). Se descontarmos a República da África do Sul, a comunidade portuguesa era «só» a maior comunidade europeia em África, a sul do Sara. Ou seja, muita coisa estava em jogo. Falar que «desde o inicio» se sabia da «insustentabilidade» do sistema e da própria guerra, é, para além de errado, um sinal de anacronismo em sede de análise histórica. Precisamente aquilo de que Daniel acusa os outros. Ou seja, dizer, agora, que a guerra não se podia «suportar» e que o sistema era «insustentável» não passa de uma avaliação «pelos padrões culturais do presente» de um «processo bastante complexo e intrínseco às contingências de uma situação histórica particular». Um tiro no pé, portanto.
Quanto a JMF, é bom que ele perceba (se conseguir, claro) que ninguém - no seu perfeito juízo e munido de fortes sentimentos de afecto em relação à democracia e à liberdade, como é o caso da rapaziada aludida - ninguém, dizia, põe em causa o valor simbólico do «25 de Abril», como a data emblemática do início da transição de um regime ditatorial para um regime democrático. Ou seja, ninguém é contra o «25 de Abril» significando este, sobretudo em abstracto, o fim da ditadura e o inicio da democracia (da liberdade de expressão, de culto, etc. etc.). Celebrar o «25 de Abril» (embora, diga-se, já não se justifiquem grandes alaridos ao fim de 31 anos) é celebrar a democracia, com todos os defeitos, fraquezas, virtudes e qualidades que fazem parte desse sistema (que, como disse Churchill, é o pior sistema à excepção de todos os outros). Nesse sentido e contexto, o «25 de Abril» existiu. Ainda bem que existiu. E não, não foi uma desgraça.
Mas a história deve ser contada. Negar, esquecer ou negligenciar, hoje, os problemas que marcaram essa transição de regime é absolutamente idiota. Tornear ou florear a História para que não se melindre uma data, deixar de comentar o comportamento de certos indivíduos que fazem gala em chamar a si o protagonismo de uma suposta «conquista» e que não se coíbem de dar conta da tremenda frustração e insatisfação que sentem à falta dos «amanhãs que cantam» (a que, a seu tempo e em boa hora, a democracia pôs termo pela força da razão), isso sim, parece-me um disparate.
Não podemos, nem devemos, branquear a história em nome do simbolismo de uma efeméride. É normal e natural que, criticamente (no sentido benigno), se continue a tentar perceber como tudo se passou, aventando pelo meio a possibilidade de se ter passado muita coisa de errado e de duvidoso. O papel do historiador e dos analistas é, precisamente, esse: contar a história e tentar perceber por que razão se fez assim; se haveria, ou não, a possibilidade de se ter feito assado; por que razão se fez assim e não assado; quais a repercussões de se ter feito assim e não assado; etc. etc. Passados mais de trinta anos, estão agora reunidas condições para uma análise mais desassombrada e menos engajada da «revolução dos cravos» (Vasco Pulido Valente e Rui Ramos têm tentado fazê-lo com total mestria). Não se trata de imprimir à história um tom maniqueísta, elencando uma galeria de heróis, vitimas, vilões e carrascos. Há é que enfrentá-la, chamando eventualmente os bois pelos nomes. Não se pode continuar a mistificar essa época e esse processo enquanto ou independentemente de se celebrar o «25 de Abril». Há coisas que sabemos, hoje, serem verdade. Sim, a descolonização correu mal. Sim, teve repercussões gravíssimas, que ainda hoje se fazem sentir. Dizer isto não é culpar ou julgar alguém. Nem sequer é dizer que podia ter corrido melhor. Muito menos lamentar o fim da ditadura. Na hora dos festejos, é, sobretudo, de bom tom ter em mente as repercussões positivas e negativas do «25 de Abril» - e, no role destas, as que já foram esquecidas. Ou sonegadas.
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