A origem das espécies
Acrescento, apenas, dois ou três pormenores (que, tenho a certeza, não beliscam as desiludidas luminárias). Pela sua natureza, timing e contexto, qualquer programa eleitoral de qualquer partido é mais ou menos previsível. Ninguém em Portugal ousou ou ousará surpreender um só mortal com um programa eleitoral (o que é o programa do PS senão uma paupérrima amálgama que repisa promessas não cumpridas e um socialismo requentado para conquistar as franjas esquerdistas?). No fundo, ninguém, em Portugal, ousará «rasgar» o que quer que seja. Este é um país cuja tradição liberal é ínfima e cuja disposição para a mudança é inerte. É isso mesmo Carlos e Pedro: não se ganham eleições em Portugal dizendo que se vai acabar com as Golden Shares ou que se vai pôr em prática um sistema de protecção social misto (publico-privado) ou que se vai privatizar a Caixa Geral de Depósitos. Cairia o Carmo e a Trindade. Mais: a própria ideia de cortar a direito com o investimento público pode ser fatal. Não se trata do eleitorado ser maioritariamente de esquerda (também o é, de facto). Trata-se simplesmente de vivermos num país onde o ADN dos seus habitantes não comporta uma atmosfera de rarefacção do peso paternalista e dirigista do Estado, no qual o Estado Providencia (apesar de essencial) é uma espécie de altar onde todos vão rezar, pedir amor e protecção – porque, também é verdade, o que o Estado suga da economia e das famílias conduz a essa doentia interdependência. Esperar do programa eleitoral do PSD aquilo que ele não pode dar, dados os condicionalismos históricos, económicos e sociais, e a própria génese do seu povo, é que me parece confrangedor e potencialmente risível.
PS: Este post, publicado igualmente no 31 da Armada, deu lugar a uma discussão com o Pedro Marques Lopes. É seguir a contenda.