Manifestei-me muito pouco sobre as eleições nos EUA. Por duas ordens de razão. Nenhum dos candidatos (Obama, Hillary, McCain) me pareceu particularmente brilhante. McCain – um homem sério e honesto – apresentou-se como uma versão mais liberal e inteligente de George W. Bush, apregoando os slogans que são queridos ao seu eleitorado (menos impostos, menos Estado, combate sem tréguas ao «inimigo», etc.); Hillary nunca se conseguiu deslocar um milímetro das ideias estafadas que o marido já apregoava há quinze anos atrás e pareceu sempre envergar o estandarte da «velha política» de que toda a gente está mais ou menos enfastiada; Obama foi sempre demasiado «redondo» e difuso nos seus discursos, embora tivesse conquistado, como nenhum outro candidato, a mensagem da «mudança» (ainda para mais sendo um negro na corrida à Casa Branca). Mas nenhum candidato foi particularmente brilhante e «assertivo».
Por outro lado, as manifestações de apoio a Obama por parte das finas consciências europeias – sobretudo à Esquerda – deixaram-me estarrecido. Desde cedo passou a ser muito mais interessante assistir ao desfile de louvores e elogios a roçar a histeria na direcção de Obama, com a notável e previsível dose maciça de ingenuidade, do que propriamente comentar as eleições. Assistir a este espectáculo, no silêncio da plateia, foi entretenimento preferencial durante os últimos meses.
Ontem, Barack Obama venceu as eleições. Tornar-se-á no primeiro presidente negro da história dos EUA, o que só por si é histórico. Tendo em conta os debates a que assisti, as trapalhadas do lado do candidato republicano e as expectativas que por aí se foram avolumando, ganhou o homem certo. Mas com a vitória de Obama, convém referir quem perdeu com esta eleição.
A EsquerdaA Esquerda passou a ter um problema entre mãos e dentro de algum tempo (um a dois anos, no máximo) estará, uma vez mais, em plena aula político-ideológica.
O bode expiatório mais querido da esquerda – Bush Jr e respectiva administração vampírica – vai desaparecer de cena. Isso constitui, obviamente, um problema grave. O alvo preferencial, o «idiota» providencial, o «palhaço» a quem se atribuíam os males do mundo desapareceu. E agora?
Por outro lado, aquilo que une McCain a Obama é muitíssimo mais forte do que o que os separa: o seu país e a defesa dos seus interesses e cidadãos. Mais tarde ou mais cedo, os que apoiaram fervorosamente Obama da mesma forma que atacavam de forma virulenta George W. Bush, aperceber-se-ão do monumental
gap entre aquilo que imaginaram que seria Obama e o que Obama se revelará na pratica. Ao contrário do que se vaticina, Obama não vai mandar retirar as tropas do Iraque amanhã nem o irá fazer de uma só vez. Ao contrário do que para aí se pensa, Obama sabe quem são os inimigos dos EUA e estes não são muito diferentes dos que Bush elegeu. Ao contrário do que se supõe, em jeito de
wishful thinking, em matéria ambiental os EUA não vão sacrificar a sua economia e o emprego para cumprir Quioto. Ninguém vai impor a Obama calendários. As metas de redução de gases poluentes serão ditadas internamente pelo governo Americano. Agora e no futuro, como no passado. Finalmente, em matéria de política externa, Obama não irá sentar-se à mesa com o boçal do Chavez, beberricar um chá com a família Castro ou desviar um milímetro a estratégia de impedir que o Irão possa desenvolver o seu programa nuclear. Ponto.
Os anti-americanosOs que regularmente acusam os EUA de ser uma «ditadura» (Saramago e Companhia); os que consideram os americanos um punhado de basbaques acéfalos e ignorantes (a generalidade dos que gozam com o facto do americano desconhecer onde fica Portugal); os que acham que a História dos EUA é um conjunto desinteressante e recente de insípidos episódios que nada adiantaram ao mundo, ao contrário de França, do Reino Unido ou mesmo do «velhinho» Portugal; toda essa gente estará, por esta altura, e se ainda lhe restar uma quantidade mínima de neurónios, a interrogar-se “como é que isto aconteceu?”. Então aquele regime ditatorial e elitista elegeu um negro?! Aquela gente estúpida disse não à doida da Palin?! Colocaram um «socialista» na presidência dos EUA?! As eleições registaram uma afluência histórica?!
George W. BushNas vésperas desta eleição, a popularidade de Bush igualou a de Nixon. Significa isto que McCain se portou muito bem e que o partido republicano soube expurgar destas eleições o quisto W. Seja como for, Bush sai desta história em muitos mais lençóis. Porque será?...