Um sindicalista da velha escola, dois desempregados, menos de meia dúzia de estudantes, um «artista plástico» e um italiano
Vasco Pulido Valente, no Público de 18/11/2012
Quarta-feira em São Bento
"Algumas pessoas, imagino que poucas, ficaram preocupadas com as cenas de violência na manifestação de quarta-feira em São Bento. Provavelmente, a transmissão "em directo" do episódio impressionou os portugueses mais pacatos (que são a maioria) e as comparações com a Grécia, inteiramente absurdas, fizeram prever a outros um futuro inquietante. Sem razão. A gente que a polícia prendeu em Lisboa (um sindicalista da velha escola, dois desempregados, menos de meia dúzia de estudantes, um "artista plástico" e um italiano) não justifica por enquanto qualquer sobressalto. As pedras, as garrafas, mesmo os cocktails Molotov não têm a seriedade que lhes dão e, no fundo, não passam de um sinal de isolamento e fraqueza. Os governos não caem e as políticas não mudam porque centena e meia de indivíduos (se tanto) resolvem agredir uma barreira da PSP e acabam dispersos com uma única carga, sem um único tiro.
Esta espécie de violência costuma aparecer quando se torna claro que não há maneira de enfraquecer a autoridade do Estado ou de provocar organizações de massa (os sindicatos, por exemplo, ou os partidos da franja radical) a uma política mais radical contra o poder estabelecido. Pequenos grupos de indivíduos (sublinho: indivíduos) acabam então um pouco ao acaso por decidir levar as coisas mais longe, pensando que "pelo acto", como antes se dizia, arrastarão o grosso do movimento de protesto (neste caso, do movimento contra a austeridade) para as suas tácticas. Mas sucede que tanto os sindicatos como os partidos, instalados na legalidade e no regime, invariavelmente não os seguem, porque precisam sobretudo de proteger a sua posição e, como é natural, detestam aventuras.
Basta ouvir Arménio Carlos condenar a arruaça de São Bento e lamentar que ela acabasse por distrair a opinião da "greve geral" para perceber que estamos aqui noutro universo. Os "profissionais da violência", como lhes chama erradamente o ministro Miguel Macedo, não pertencem a uma organização com uma ideologia (para já não falar de uma filosofia), um programa e uma estratégia. Saíram, de resto, indiferentemente de claques de futebol, das discotecas dos subúrbios, da estiva, daqui e dacolá. Não representam os portugueses; nem sequer uma ínfima parte deles. Representam só a irritação e o desespero que anda no ar. E só por isso se devem levar a sério. Até ao momento em que se liguem a um partido ou a um sindicato ou, pior ainda, se consigam organizar eles próprios, uma hipótese longínqua."
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