Desde que nascemos
Miguel Esteves Cardoso, Público 31/10/2012
O medo de verdade
"Há uma imagem que me dá pesadelos e que me assusta tanto que me custa olhar para ela: é o Perro Semihundido, de Goya. Evite vê-lo, se puder.
O medo é uma coisa fácil de mostrar mas difícil de fixar. O cão semiafogado de Goya, à beira de morrer afogado, tem os olhos abertos a olhar para a massa de água que o vai matar.
Os cães têm medo muitas vezes. Mas este sabe que vai morrer. É este o último momento de vida: a vida suficiente para saber ter medo do que lhe vai acontecer.
Na noite das bruxas brinca-se com os sustos. Os sustos não dão tempo para ter medo. Para ter medo é preciso tempo. É preciso um momento parado, como aquele durante um acidente violento de automóvel, em que o tempo, por crueldade, se alenta, para que possamos contemplar o horror que aí vem, que já não pode ser evitado, que parece fazer render o já ser tarde de mais para fazer qualquer coisa.
Quando se tem mesmo medo, não se consegue fechar os olhos. O cão de Goya tem os olhos bem abertos. É o único ser vivo. O resto são coisas brutas que não sabem o que fazem, que nem o prazer de matar têm.
Há muitas interpretações do mural de Goya mas nem sequer interessa se o cão está à beira da morte, seja por afogamento, seja por outra razão. O que importa é a aflição de quem olha para a cabeça daquele cão e imediatamente a reconhece. É por isso que faz medo: não ameaça nem assusta. Declara uma condição que um dia será a nossa, mas de que já temos medo desde que nascemos."
1 Comentários:
... bolas.
Isto é triste, caraças.
O MEC habitua-nos a rir, mesmo nos momentos de sufoco, e agora enfia-me aqui um cãozinho nestes preparos?
Vou já abraçar as minhas patudinhas...
Snif...
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