terça-feira, abril 28, 2009
É o «neo-liberalismo», estúpido!
Alvaro Vargas Llosa in The New Republic
Hugo Chavez's gift to President Obama at the recent Summit of the Americas--a copy of Eduardo Galeano's "Open Veins of Latin America"--has many people wondering what the fuss is about.
A decade ago, I and the other two co-authors of the "Guide to the Perfect Latin American Idiot" devoted a chapter to refuting the historical and ideological fallacies contained in Galeano's tract, which we called the "idiot's bible." Everything that has happened in the Western Hemisphere since the book appeared in 1971 has belied Galeano's arguments and predictions. But I guess Chavez has given it the kiss of life and, since people are asking, here I go again.
The author claims that relations between Latin America and rich countries have been so pernicious that "everything ... has always been transmuted into European--and later United States--capital." Actually, for years that relationship has transmuted into the exact opposite: Latin American capital. In the last seven years alone, Latin America has benefited from $300 billion in net capital flows. In other words, a lot more capital came in than went out.
The book rails against the international division of labor, in which "some countries specialize in winning and others in losing." That division of labor in the Western Hemisphere has not changed--Latin American countries still export commodities--and yet in the last six years, poverty in the region has been reduced to about one-third of the population, from just under half. This means that 40 million were lifted out of that hideous condition. Not to mention the 400 million pulled out of poverty in other "losing" nations worldwide in the last couple of decades.
The author pontificates that "raw materials and food are destined for rich countries that benefit more from consuming them more than Latin America does from producing them." Sorry, amigo, but the story of this decade is that Latin America has made a killing sending exports abroad--the region has had a current account surplus for many years. Rich countries are so annoyed with all the things poor countries are exporting to them that they are asking their governments to "protect" them in the name of fair trade. The "buy American" clause in the fiscal stimulus package approved by Congress a few weeks ago is a case in point. The U.S. had a trade deficit of more than $800 billion last year. The poor, if I may echo Galeano's hemophilic language, are sucking the veins of the rich.
The book claims that for years "the endless chain of dependency has been endlessly extended." The story now is that the rich depend on the poor. That is why the Chinese have $1 trillion in U.S. Treasury bonds! The book's jeremiad goes on to say that "the well-being of our dominant classes ... is the curse of our multitudes condemned to exist as beasts of burden." One of the few countries that exemplifies that curse is the author's beloved Cuba, where a worker cannot be paid directly by a foreign company employing him or her; the money goes to the government, which in turn pays the worker one-tenth of the salary--in nonconvertible local currency.
Galeano's mathematics are hugely entertaining. He states that the average income of U.S. citizens is "seven times that of a Latin American and grows 10 times faster." The gap has actually shrank, dear comrade. Many "poor" countries in modern times have seen their income gap with the Unites States narrow dramatically. Thailand and Indonesia have seen theirs cut almost by half in three decades.
The book's Malthusian predictions invite no less compassion than its economic forecasts. Overpopulation, Galeano maintains, will mean that "in the year 2000 there will be 650 million Latin Americans," the implication being that the region will starve. In 2000, the region's population was 30 percent smaller than the author predicted.
To top it all, Chavez's literary muse states that "the more freedom is extended to business, the more prisons have to be built for those who suffer from business." Actually, the greater (though still insufficient) freedom given to business in the era of globalization has resulted in increasing prosperity in developing nations. This decade, the pace of economic growth per person has been four times higher in developing nations than in rich nations.
I would pay anything to be a fly on the wall when President Obama opens the first page of the idiot's bible.
segunda-feira, abril 27, 2009
João Sebastião
When I first learned that Bach preceded Mozart I was completely incredulous. All but the most naive among us accept that literature does not progress; but we've always held out higher hopes for music, as if the species might somehow hitch a ride on it.
Don Paterson in The Book of Shadows
Don Paterson in The Book of Shadows
domingo, abril 26, 2009
sexta-feira, abril 24, 2009
Pomito Lencart
Desconfio que o Jornal Nacional de hoje, com Manuela Moura Guedes (TVI), vai ter uma audiência catita.
Nota: sempre quis arranjar forma de utilizar a expressão ‘catita’, que me remete sempre para o tempo do sabonete Gaticão, do atum Tenório, dos lápis Viarco com a tabuada, do sabonete Alface e do 'one and only' Pomito Lencart. Não sei porquê.
Nota: sempre quis arranjar forma de utilizar a expressão ‘catita’, que me remete sempre para o tempo do sabonete Gaticão, do atum Tenório, dos lápis Viarco com a tabuada, do sabonete Alface e do 'one and only' Pomito Lencart. Não sei porquê.
quarta-feira, abril 22, 2009
Estavam à espera de quê?
Ana Gomes, no Causa Nossa, escreveu prosa divinal:
Só se pode agradecer a Ana Gomes tamanha honestidade e transparência. Alguém, finalmente, assume oficialmente o que, de há uns anos a esta parte, é prática generalizada nos partidos: candidaturas a vários cargos na esperança de apanhar algum tacho e/ou compor as «listas». Ana Gomes teve a honestidade de o assumir. O facto de assumir uma prática vergonhosa em qualquer democracia, baseada na assumpção de que um político é pau para toda a obra na medida em que domina quaisquer temáticas (europeias, autárquicas, etc.), é um mero pormenor. E também é um mero pormenor Vital Moreira recorrer ao argumento de que «os outros também o fazem ou fizeram» (argumentos outrora próprios de gente manhosa). Qualquer crítica à postura de Ana Gomes é puro anacronismo. Os tempos são estes. Os políticos são estes. O mundo é este. Não há nada a fazer. Ou melhor: pela parte que me toca, provavelmente estarei aqui no dia 7 de Junho:
Sou, sim, candidata ao PE e espero ser eleita. Serei também candidata à Câmara de Sintra nas eleições que decorrerão mais tarde. Sem falsidade, sem duplicidade, sem querer enganar ninguém, com total transparência assumi as duas candidaturas. Eu, que nunca acumulei quaisquer cargos - com muita honra, sou formada na escola de serviço público do MNE - já disse e redisse que nunca acumularei os dois cargos, se os munícipes de Sintra me elegerem Presidente da sua Câmara. Nesse caso, abandonarei o PE e dedicar-me-ei exclusivamente à Câmara de Sintra.
Só se pode agradecer a Ana Gomes tamanha honestidade e transparência. Alguém, finalmente, assume oficialmente o que, de há uns anos a esta parte, é prática generalizada nos partidos: candidaturas a vários cargos na esperança de apanhar algum tacho e/ou compor as «listas». Ana Gomes teve a honestidade de o assumir. O facto de assumir uma prática vergonhosa em qualquer democracia, baseada na assumpção de que um político é pau para toda a obra na medida em que domina quaisquer temáticas (europeias, autárquicas, etc.), é um mero pormenor. E também é um mero pormenor Vital Moreira recorrer ao argumento de que «os outros também o fazem ou fizeram» (argumentos outrora próprios de gente manhosa). Qualquer crítica à postura de Ana Gomes é puro anacronismo. Os tempos são estes. Os políticos são estes. O mundo é este. Não há nada a fazer. Ou melhor: pela parte que me toca, provavelmente estarei aqui no dia 7 de Junho:
O homem das anadiploses ainda não percebeu onde está o problema
Não sei se o Presidente da República estará por estas horas a pensar na entrevista de ontem do primeiro-ministro. Provavelmente não. Provavelmente não terá tido tempo ou pachorra para assistir a mais um monólogo, patrocinado pela complacência, impreparação e medo (vamos pensar que inconsciente) de dois jornalistas. Convinha, ainda assim, que o Dr. Cavaco Silva tenha já tido oportunidade de perceber o que foi a entrevista do primeiro-ministro de Portugal, ontem no canal do regime: um mega-recado dirigido ao próprio. O homem que repudia os «recados», esteve durante mais de quinze minutos da entrevista a dizer basicamente isto: “Aníbal, não te metas nos assuntos do país porque de cada vez que falares nos assuntos do país, retirar-te-ei do pedestal e colocar-te-ei nas baças regiões da politiquice da oposição”.
Já se sabia que a retórica de José Sócrates era sleazy e pejada de arrogância. Ontem, juntou-se uma outra característica: o cinismo. José Sócrates arrogou-se o direito de falar em nome do próprio Presidente da República, avisando-o a ele e aos portugueses que o mais leve desabafo, o mais cândido reparo, a mais sincera e inocente das críticas do presidente seria sinónimo do «instrumentalização» - coisa que ele sabe que jamais o Presidente exercitaria...
Ficou, aliás, patente que José Sócrates pretende levar até às últimas consequências a sua pueril e patética doutrina: quem ousar criticar as respostas do governo à crise; quem denunciar práticas duvidosas da administração fiscal ou central; quem puser em dúvida as certezas que habitam a alma do primeiro-ministro e dos seus ministros, está invariavelmente ao serviço do «pessimismo», do «bota-abaixismo» e, no limite, da «calúnia». Ao pé dele, ninguém – jornalistas, comentadores, «analistas políticos», Zé Povinho – pode confrontá-lo com o país real ou com o real estado do país. Na sua santa e comovente crença, José Sócrates acha-se o melhor. Perante o picaresco queixume do povo, José Sócrates jura-nos que está a fazer tudo o que está ao alcance do melhor dos mortais. Este cerimonial dogmático, saturado de bondade e magnanimidade, exige, na prática, um silêncio de igreja a todos (incluindo jornalistas). Qualquer barulho será próprio dos que o querem derrubar de forma gratuita e ressabiada. O homem é, está visto, um santo.
Os objectivos desta estratégia roçam o prosaico: desqualificar o «maldizente», empurrar o «pessimista» para o grupo dos «miserabilistas» e dos «velhos do Restelo», negar até à exaustão uma evidência: antropologicamente, a postura do optimista de serviço nunca foi causa de desenvolvimento social e económico. Por uma razão clara e, também ela, prosaica: o optimista tende a desvalorizar as evidências e a mascarar a verdade. Coisa que este primeiro-ministro tem feito até à exaustão e de forma artificiosa. No dia da queda, a coisa não vai ser nada bonita.
Já se sabia que a retórica de José Sócrates era sleazy e pejada de arrogância. Ontem, juntou-se uma outra característica: o cinismo. José Sócrates arrogou-se o direito de falar em nome do próprio Presidente da República, avisando-o a ele e aos portugueses que o mais leve desabafo, o mais cândido reparo, a mais sincera e inocente das críticas do presidente seria sinónimo do «instrumentalização» - coisa que ele sabe que jamais o Presidente exercitaria...
Ficou, aliás, patente que José Sócrates pretende levar até às últimas consequências a sua pueril e patética doutrina: quem ousar criticar as respostas do governo à crise; quem denunciar práticas duvidosas da administração fiscal ou central; quem puser em dúvida as certezas que habitam a alma do primeiro-ministro e dos seus ministros, está invariavelmente ao serviço do «pessimismo», do «bota-abaixismo» e, no limite, da «calúnia». Ao pé dele, ninguém – jornalistas, comentadores, «analistas políticos», Zé Povinho – pode confrontá-lo com o país real ou com o real estado do país. Na sua santa e comovente crença, José Sócrates acha-se o melhor. Perante o picaresco queixume do povo, José Sócrates jura-nos que está a fazer tudo o que está ao alcance do melhor dos mortais. Este cerimonial dogmático, saturado de bondade e magnanimidade, exige, na prática, um silêncio de igreja a todos (incluindo jornalistas). Qualquer barulho será próprio dos que o querem derrubar de forma gratuita e ressabiada. O homem é, está visto, um santo.
Os objectivos desta estratégia roçam o prosaico: desqualificar o «maldizente», empurrar o «pessimista» para o grupo dos «miserabilistas» e dos «velhos do Restelo», negar até à exaustão uma evidência: antropologicamente, a postura do optimista de serviço nunca foi causa de desenvolvimento social e económico. Por uma razão clara e, também ela, prosaica: o optimista tende a desvalorizar as evidências e a mascarar a verdade. Coisa que este primeiro-ministro tem feito até à exaustão e de forma artificiosa. No dia da queda, a coisa não vai ser nada bonita.
domingo, abril 19, 2009
sábado, abril 18, 2009
Sem emenda
Vasco Pulido Valente in Público 18/04/2009
Uma história de esquerda
Há dois meses, numa conversa de ocasião, Jorge Sampaio e José Saramago concordaram que fazia falta uma "frente de esquerda" para impedir Santana Lopes de ganhar a Câmara de Lisboa. Depois disso aparentemente nenhum deles voltou a pensar no assunto. Mas, não se sabe como, foram os dois promovidos a "mentores" de um putativo "movimento de unidade" contra o espectro do "menino guerreiro". Neste "movimento", que não tem um chefe ou mesmo uma pequena comissão directiva (só uma petição on-line), entram alguns políticos na reforma, algumas personagens sem destino, alguns velhos "militares de Abril" (como se costuma dizer), meia dúzia de socialistas que se acham de esquerda e um pequeno molho de "intelectuais" que ressuscitaram inesperadamente para o efeito.
À primeira vista, nenhum destes salvadores da Pátria (ou de Lisboa) inspira grande confiança. Júlio Pomar, Carlos do Carmo e Maria Teresa Horta não movem montanhas. Nem Carlos Brito, Vera Jardim e Leonor Coutinho. E muito menos Costa Martins, Martins Guerreiro e Vasco Lourenço. Para não falar do inevitável Sá Fernandes, que está persistentemente em toda a parte. Parece que se abriu por engano uma gaveta de um armário antigo e saiu de lá esta gente esbracejante e desorientada. Ainda por cima, os dois "mentores" já tomaram as suas distâncias. Saramago não quer prejudicar o PC e Sampaio já se declarou "pouco optimista". Mas, para lá da melancolia da coisa, o episódio é uma boa história de exemplo e edificação: basta pensar no que sucederá quando Sócrates perder a maioria.
O PC recusa qualquer espécie de aliança com um PS que "virou completamente à direita" e acha como sempre que o PS se deve emendar. O Bloco, que António Costa descreveu como "um partido oportunista, que parasita a desgraça alheia", com certeza que não anda ansioso por se abraçar ao referido Costa. Ou, para não ir mais longe, a um PC que o despreza e combate. De resto, fora este ódio trilateral, há um ódio comum (e suponho que retribuído) aos "Cidadãos por Lisboa" de Helena Roseta e ao índio sem tribo Sá Fernandes, que não pára de arranjar sarilhos. Vale a pena perguntar qual é o objecto de tantas querelas? Vale a pena perguntar quais são, do PS a Roseta, as grandes diferenças políticas sobre Lisboa? Não vale. A esquerda gosta de se dividir e detestar; e a seguir de sofrer porque se dividiu e se detesta. A "frente" e a "unidade" são uma parte indispensável do cerimonial.
Ler os outros faz-nos bem
O Paulo Tunhas no ABC do Paulo Pinto Mascarenhas.
A Joana CD no Hole Horror.
O Nuno Miguel Guedes no Tradução Simultânea (e parabéns ao Nuno pelo aniversário).
O Rogério Casanova no Pastoral Portuguesa.
O Henrique Raposo no Clube das Repúblicas Mortas (by the way, cadê o Rui Ramos?).
O Ricardo Gross no homónimo.
O Luciano Amaral no Gato de Cheshire.
O Jorge Mourinha no Roda Livre.
A Rita Barata Silvério no Rititi.
O João Morgado Fernandes no French Kissin'.
A Joana CD no Hole Horror.
O Nuno Miguel Guedes no Tradução Simultânea (e parabéns ao Nuno pelo aniversário).
O Rogério Casanova no Pastoral Portuguesa.
O Henrique Raposo no Clube das Repúblicas Mortas (by the way, cadê o Rui Ramos?).
O Ricardo Gross no homónimo.
O Luciano Amaral no Gato de Cheshire.
O Jorge Mourinha no Roda Livre.
A Rita Barata Silvério no Rititi.
O João Morgado Fernandes no French Kissin'.
quinta-feira, abril 16, 2009
Só 275 €
"(...) soturna Dra. Manuela Ferreira Leite, trajando de castanho sombrio sobre fundo cinzo-castanho-acabrunhante, carregado ainda pelo contraste com fina estria alaranjada que tudo enquadra.
Não poderá o PSD rentabilizar o "outdoor" oferecendo a concepção gráfica à Servilusa ou congènere cangalheira?"
Ana Gomes in Causa Nossa
Vá lá, Dra. Ana Gomes, o que são para si 275 €?.
Por falar em «correia de transmissão»
Estive a ver a emissão de 4 de Abril do programa A Torto e a Direito (TVI24). Fascinam-me as opiniões de Fernanda Câncio sobre o caso Freeport. Para esta jornalista, existem acusações «infundadas» sobre o primeiro-ministro, «alegadas» pressões sobre os procuradores encarregados da investigação, «alegadas» testemunhas, «alegados» acusadores e «alegados» casos relativos ao processo de licenciamento do Freeport. Em contrapartida, a jornalista tem duas fundadas certezas: a) há jornais e jornalistas que estão a servir de «correia de transmissão» para «recados» (leia-se «ataques») contra o Partido Socialista e o Primeiro-Ministro; b) não há investigação jornalística sobre o caso Freeport, apenas o patrocínio da violação do segredo de justiça através da publicação das fugas de informação (deturpadas ou não).
Notaram a diferença? De um lado, há factos infundados e suposições. Do outro lado, certezas. Fernanda Câncio insurge-se, e bem, contra a violação do segredo e contra as acusações infundadas que pendem sobre o primeiro-ministro. Mas não se coíbe de fazer uso das mesmas conjecturas e do mesmo tipo de acusações (infundadas) relativamente aos jornalistas (Fernanda Câncio não concretiza uma só acusação contra os jornalistas e nem por uma vez refere o nome de um putativo «interesse»). Estamos, novamente, no campo da «campanha negra», sem o epíteto tétrico.
Fernanda Câncio acha gravíssimo que o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (PSMMP) tenha pedido uma audiência ao Presidente da República porque, segundo ela, este gesto põe em causa um dos pilares do Estado de Direito: o da separação de poderes. Repare-se: o PSMMP, que já por duas vezes se referiu à existência de pressões políticas sobre os magistrados encarregados do caso Freeport, pretende abordar a questão com o Presidente da República no sentido, provavelmente ou alegadamente, de este contribuir para repor o regular funcionamento das instituições do Estado de Direito que aquele julga estar em causa. A reacção de Fernanda Câncio é a de profunda preocupação pela possibilidade de haver pressões do poder político sobre o poder judicial? Não. A preocupação vai inteirinha para a posição do PSMMP. Não são as alegadas pressões que a preocupam. É a «alegada» interferência do poder político (Presidente da República) sobre o poder judicial por via do queixume (intolerável) do sindicalista. A primeira, é alegada. A segunda, é de certezinha.
A Fernanda Câncio acha patético, ou pateta, que um magistrado se sinta pressionado por um «colega» (neste caso Lopes da Mota, que não é apenas um «colega» mas o presidente do Eurojust) porque não vê como pode um magistrado sentir-se «pressionado» (invocando, en passant, a valente Dra. Morgado). Trocado por miúdos, o que ela quer dizer é mais ou menos isto: se um magistrado ou um outro agente qualquer, por influência ou a pedido de um membro do governo, tentar influenciar ou alterar o curso de uma investigação judicial, a «vítima» (o pressionado) tem duas saídas: desvalorizar a pressão ou emudecer (extinguindo, de uma forma ou de outra, o objecto e o móbil). Aplicada a outros campos, a tese da jornalista Fernanda Câncio resultaria no seguinte: se o potencial corrompido recusar ou ignorar a tentativa de corrupção, não há corrupção; se o ladrão, na tentativa de arrombar a caixa de esmolas, não conseguir sacar um cêntimo, não há roubo nem tentativa de roubo. O intrigante para uma pessoa portadora de um cartão de jornalista, é a incompreensão sobre o que está em causa: os exemplos do ladrão e do corruptor, para além de simplistas, são peanuts quando comparados com a possibilidade de violação do princípio da separação de poderes, que tanto preocupa a jornalista Fernanda Câncio.
No limite, o que Fernanda Câncio defende, ou preconiza, é tão só isto: todo e qualquer assunto que esteja a ser objecto de investigação judicial, e logo em segredo de justiça, não deve ser investigado jornalisticamente. Ou, como ela refere, deve-o ser por jornalistas «independentes». Convinha que a jornalista Fernanda Câncio explicasse o que é, neste caso, um jornalista «independente» (presume-se que ela se considere um), sob pena de suspeitarmos que, para a Fernanda Câncio, um jornalista «independente» é aquela que investiga não investigando, porque o objecto da sua investigação está, lá está, em segredo de justiça. Escusado será dizer que esta ideia, não sendo peregrina, é perigosa e poria em causa um dos pilares de qualquer democracia: o do escrutínio público servido pela liberdade de imprensa.
Notaram a diferença? De um lado, há factos infundados e suposições. Do outro lado, certezas. Fernanda Câncio insurge-se, e bem, contra a violação do segredo e contra as acusações infundadas que pendem sobre o primeiro-ministro. Mas não se coíbe de fazer uso das mesmas conjecturas e do mesmo tipo de acusações (infundadas) relativamente aos jornalistas (Fernanda Câncio não concretiza uma só acusação contra os jornalistas e nem por uma vez refere o nome de um putativo «interesse»). Estamos, novamente, no campo da «campanha negra», sem o epíteto tétrico.
Fernanda Câncio acha gravíssimo que o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (PSMMP) tenha pedido uma audiência ao Presidente da República porque, segundo ela, este gesto põe em causa um dos pilares do Estado de Direito: o da separação de poderes. Repare-se: o PSMMP, que já por duas vezes se referiu à existência de pressões políticas sobre os magistrados encarregados do caso Freeport, pretende abordar a questão com o Presidente da República no sentido, provavelmente ou alegadamente, de este contribuir para repor o regular funcionamento das instituições do Estado de Direito que aquele julga estar em causa. A reacção de Fernanda Câncio é a de profunda preocupação pela possibilidade de haver pressões do poder político sobre o poder judicial? Não. A preocupação vai inteirinha para a posição do PSMMP. Não são as alegadas pressões que a preocupam. É a «alegada» interferência do poder político (Presidente da República) sobre o poder judicial por via do queixume (intolerável) do sindicalista. A primeira, é alegada. A segunda, é de certezinha.
A Fernanda Câncio acha patético, ou pateta, que um magistrado se sinta pressionado por um «colega» (neste caso Lopes da Mota, que não é apenas um «colega» mas o presidente do Eurojust) porque não vê como pode um magistrado sentir-se «pressionado» (invocando, en passant, a valente Dra. Morgado). Trocado por miúdos, o que ela quer dizer é mais ou menos isto: se um magistrado ou um outro agente qualquer, por influência ou a pedido de um membro do governo, tentar influenciar ou alterar o curso de uma investigação judicial, a «vítima» (o pressionado) tem duas saídas: desvalorizar a pressão ou emudecer (extinguindo, de uma forma ou de outra, o objecto e o móbil). Aplicada a outros campos, a tese da jornalista Fernanda Câncio resultaria no seguinte: se o potencial corrompido recusar ou ignorar a tentativa de corrupção, não há corrupção; se o ladrão, na tentativa de arrombar a caixa de esmolas, não conseguir sacar um cêntimo, não há roubo nem tentativa de roubo. O intrigante para uma pessoa portadora de um cartão de jornalista, é a incompreensão sobre o que está em causa: os exemplos do ladrão e do corruptor, para além de simplistas, são peanuts quando comparados com a possibilidade de violação do princípio da separação de poderes, que tanto preocupa a jornalista Fernanda Câncio.
No limite, o que Fernanda Câncio defende, ou preconiza, é tão só isto: todo e qualquer assunto que esteja a ser objecto de investigação judicial, e logo em segredo de justiça, não deve ser investigado jornalisticamente. Ou, como ela refere, deve-o ser por jornalistas «independentes». Convinha que a jornalista Fernanda Câncio explicasse o que é, neste caso, um jornalista «independente» (presume-se que ela se considere um), sob pena de suspeitarmos que, para a Fernanda Câncio, um jornalista «independente» é aquela que investiga não investigando, porque o objecto da sua investigação está, lá está, em segredo de justiça. Escusado será dizer que esta ideia, não sendo peregrina, é perigosa e poria em causa um dos pilares de qualquer democracia: o do escrutínio público servido pela liberdade de imprensa.
quarta-feira, abril 15, 2009
Têm medo que o Dr Daniel Proença de Carvalho venha a tratar do assunto, é?
Notícia Público, a propósito da suposta «apropriação» de uma chanson dos Xutos & Pontapés para «hino» de um país em revolta:
Vamos lá ver se percebi.
Uma banda de rock and roll (?), herdeira, segundo os membros da mesma, do punk de estirpe mais combatente e menos anarquista – os Clash, por exemplo, são quase sempre referenciados como fonte inspiradora dos Xutos (petit nom) - produziu aquilo que parece ser um libelo (ainda que soft) ou, nas palavras do Sr. José Pedro, membro dos Xutos, «um grito de revolta» contra o estado em que se encontra o país. A oeste, nada de novo.
O refrão da música refere-se, concretamente, ao «Senhor Engenheiro», uma alusão clara ao chefe do governo do país, confirmada pelo Sr. José Pedro quando refere que se «optou por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro». A oeste, nada de novo.
A música, entretanto, começou a dar nas vistas. A TVI, por exemplo, aproveitou-a para fazer uma espécie de clip com imagens do governo. A oeste, novamente, nada de novo.
Em face do protagonismo crescente da música, o que fazem os membros da banda?
“Quem conhecer a discografia dos Xutos & Pontapés sabe que o cariz de intervenção e alerta social marcaram sempre presença nas letras das músicas. Mas os membros desta banda nunca quiseram vestir a roupagem de “líderes de uma revolução política”, nem apoiam, enquanto colectivo, qualquer partido político, assegura Zé Pedro, guitarrista dos Xutos. Por isso, é com alguma surpresa que o grupo assiste à euforia em torno da canção “Sem eira nem beira”, que integra o novíssimo álbum Xutos & Pontapés, disco de originais que foi lançado na passada semana.
Interpretar esta faixa, cantada pelo baterista Kalu, como um hino contra as políticas do Governo socialista é "deturpar" a intenção do grupo. "Não há aqui alvos a abater", diz, em resposta ao facto de o refrão começar com a frase Senhor engenheiro, dê-me um pouco de atenção. "Não queremos fazer um ataque político a ninguém. A letra exprime mais um grito de revolta. E é um alerta para o estado da Justiça e para uma classe política em geral que, volta e meia, toma atitudes que deixam os cidadãos desamparados", justifica.
O grupo não poderia prever o impacto desta faixa do disco que celebra os 30 anos de carreira do colectivo e que será apresentado pela primeira vez ao vivo a 24 de Abril, no Seixal. Neste contexto, Zé Pedro insiste que qualquer aproveitamento da música para criticar e contestar o Governo não receberá a "solidariedade" dos Xutos.
Zé Pedro, que, diz, até "simpatiza" com o primeiro-ministro José Sócrates, aponta ainda que quando Tim, o vocalista, escreveu o texto para a música de Kalu, tiveram de optar entre "senhor engenheiro" e "senhor doutor": "Optámos por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro, mas nunca quisemos fazer um ataque político directo."
Tim escreveu a letra de Sem eira nem beira já em estúdio, conta Zé Pedro, e "em cima da hora". "Falámos que seria interessante trabalhar uma temática de intervenção e com alguma rebeldia, porque a música é do Kalu e seria ele a cantá-la", afirma.”
Vamos lá ver se percebi.
Uma banda de rock and roll (?), herdeira, segundo os membros da mesma, do punk de estirpe mais combatente e menos anarquista – os Clash, por exemplo, são quase sempre referenciados como fonte inspiradora dos Xutos (petit nom) - produziu aquilo que parece ser um libelo (ainda que soft) ou, nas palavras do Sr. José Pedro, membro dos Xutos, «um grito de revolta» contra o estado em que se encontra o país. A oeste, nada de novo.
O refrão da música refere-se, concretamente, ao «Senhor Engenheiro», uma alusão clara ao chefe do governo do país, confirmada pelo Sr. José Pedro quando refere que se «optou por engenheiro por causa do actual primeiro-ministro». A oeste, nada de novo.
A música, entretanto, começou a dar nas vistas. A TVI, por exemplo, aproveitou-a para fazer uma espécie de clip com imagens do governo. A oeste, novamente, nada de novo.
Em face do protagonismo crescente da música, o que fazem os membros da banda?
- Pedem, encarecidamente, que o povo, em geral, e o visado, em particular (refiro-me ao «Senhor Engenheiro») não julguem os Xutos como «líderes de uma revolução política»;
- Afirmam não haver «alvos a abater»;
- Juram que não houve um ataque político a quem quer que seja;
- O Sr. José Pedro – porta-voz da banda - declara que «até simpatiza» com o Sr. Primeiro-ministro;
- Informam que optaram pelo termo «senhor engenheiro» em detrimento do «senhor doutor» por causa do «actual primeiro-ministro» mas, atenção!, «não houve a mínima intenção de fazer um ataque político»;
- O Sr. José Pedro confessa que, bem vistas as coisas, a música foi feita «em cima da hora» e que, em bom rigor, «é obra do Kalu» (género «esse grande maluco»), que até a canta (género «a malta é bem capaz de lavar as mãos do assunto»).
terça-feira, abril 14, 2009
Não batam mais no ceguinho (texto longo e chato sobre assunto ultrapassado)
Aparentemente (e digo aparentemente porque ainda não o vi em nenhum escaparate), a edição portuguesa já foi publicada. E, a avaliar pelas reacções, em Portugal a obra deverá situar-se entre a bosta e o proscrito. Leia-se o Rogério, aqui, e leia-se o comentário do Miguel Esteves Cardoso na edição de Março da (excelente, já agora) revista LER. Os ataques, como se escrevia na caixa de comentários do Pastoral Portuguesa, têm sido «demolidores», «certíssimos», autênticas sessões de «porrada».
Li o Intellectuals de Paul Johnson (é este o livro em causa) há coisa de cinco anos e, das duas uma: ou era, na altura, um perfeito débil mental, ou não entendi nada do que li (o que vai dar ao mesmo). Seja como for, a reacção indígena à publicação do livro, merece o meu esforço para dizer duas ou três baboseiras.
Paul Johnson escreveu Intellectuals com o objectivo legítimo, embora não original (já lá iremos), de bater nessa categoria profissional que dá pelo nome de «intelectuais». Mais em concreto, Johnson decidiu expor a céu aberto a ambiguidade de carácter, a inconsistência moral e a hipocrisia comportamental dos intelectuais. Para tal, e como não podia deixar de ser, Johnson escolheu as estrelas da companhia, ou seja, os mais proeminentes de entre os que se arrogaram no direito de pregar às massas a Verdade e de explicar como é que o mundo funcionava (mal) e deveria passar a funcionar (bem) caso alguém, algures, os escutasse ou, no limite, lhes concedesse poder.
O carácter controverso da obra de Johnson encontra-se na tese particular de que existe uma forte correlação entre, por um lado, a estrutura intelectual e os pronunciamentos morais, de natureza mais ou menos ortodoxa ou doutrinal, de quem se julga intelectual ou mentalmente apto a imiscuir-se na esfera dos interesses públicos; e, por outro, a personalidade e conduta pessoal do agente/autor. No fim do livro, o corolário de Johnson não podia ser mais claro: é fundamental que o common man beba uma boa dose de cepticismo na hora de processar os diktats morais e políticos produzidos por certas luminárias, já que, segundo Johnson, é gente de pouca confiança. Parafraseando o João Pereira Coutinho, quem espera pelo papel salvífico dos «intelectuais» devia, antes de mais, perguntar que tipo de gente se esconde por detrás dos seus sermões.
O que Johnson tentou de certa forma provar em Intellectuals, foi basicamente isso: regra geral, um pulha ou um escroque em privado jamais poderá produzir uma obra ou um pensamento moralmente são, politicamente consistente e historicamente profícuo. Desde logo porque, como Johnson tentou alertar particularmente bem no caso de Marx, os métodos usados andarão algures entre o vírus e a bactéria: serão duvidosos, rascas, gelatinosos e insidiosos. Acima de tudo, as conclusões supostamente racionais da produção intelectual dos seus autores mais tarde ou mais cedo revelar-se-ão contrárias à própria Razão.
O tema, repito, não é original. Aron, Popper, Berlin, Lilla e Jacob Talmon (com a tese de que o Sec. XVIII e XIX foram fartos em falsas doutrinas «racionalistas», baseadas num fervor religioso e em expectativas «messiânicas» que terão produzido a obsessão histérica em torno de conceitos como «raça», glorificação da «violência revolucionária», culto da personalidade e da iconografia, etc.) debruçaram-se sobre o assunto. O que separa Johnson do resto é a abordagem. Enquanto Aron ou Popper, por exemplo, se preocuparam mais em dissecar as incongruências filosóficas ou políticas de ortodoxias e ideologias em abstracto na hora de estas descerem ao terreno, Johnson procurou correlacionar o carácter e a personalidade dos seus autores no sentido de provar, ou de pelo menos alertar, para o facto de que uma personalidade estruturalmente desonesta e/ou amoral afasta o seu dono da autoridade moral de publicamente se pronunciar sobre a conduta do «povo» ou do «mundo» e, mais importante, da possibilidade de fazer perdurar no tempo os seu pensamentos como parte de um edifício respeitável, sólido, que importa visitar e revisitar.
Da leitura da obra, o Rogério concluiu o seguinte: "O corolário lógico do seu catálogo de objecções é evidente: se uma teoria perigosamente deficiente, como o marxismo, tivesse sido Revelada no Monte Sinai, as suas deficiências teriam em Paul Johnson o seu mais infatigável acólito." A meu ver, concluiu mal (uma discordância que se traduz numa dor aguda que, estou certo, ele também partilhará). O corolário é outro: seria improvável que o marxismo – uma teoria perigosamente errada – tivesse sido dado à luz no Monte Sinai porque, e esse é o ponto, seria improvável que uma erva daninha crescesse naquele solo. A expressão é «seria improvável» e não «jamais» ou «impossível». Do que Johnson fala é de cepticismo e de desconfiança, na medida em que uma alma eticamente instalável, pouca amiga do rigor e pouco dada à honestidade intelectual, dificilmente terá as "moral and judgmental qualifications for the task" (sic). Porque, conclui Johnson, a atitude perante a verdade e as evidências factuais será potencialmente tortuosa, doentia ou instável (ao contrário dos rasgos de génio de Paris Hilton.) Lembremo-nos do comportamento altamente dúbio e nojentinho de Brecht na época da caça às bruxas de Parnell Thomas (ler, também, Anything Your Little Heart Desires de Patricia Bosworth, filha de Bartley Crum) e facilmente se percebe onde Johnson quer, ou quis, chegar. À cautela, desconfie-se e aborde-se a obra de forma particularmente crítica, parece avisar Johnson.
O texto sobre Marx é, aliás, o paradigma da tese de Johnson, paradigma que o Rogério se recusou a compreender pela simples razão de Johnson ter cometido o pecado capital de se referir, a espaços, a minudências e mesquinhices, como as calças rotas ou B.O. do velho Karl, resultado de uma higiene pessoal pouca dada a sabonetes. Pondo de parte eventuais exageros de pormenor (que, no geral, estão longe de manchar o livro de forma catastrófica), a ideia de Johnson, a meu ver largamente conseguida, foi a de retratar um homem que transpôs para a sua produção intelectual (filosófica e política) muitas das suas características psicológicas e de carácter. O pendor racista e anti-semita de Marx, a forma imoral como viveu à custa da família Engels, a total inabilidade para lidar com o dinheiro, o gosto pela violência, o apetite pelo poder, a sede de protagonismo e o snobismo intelectual são características que se encontram invariavelmente reflectidas no seu trabalho intelectual. E são, simultaneamente, a causa de sinuosos métodos, supostamente científicos, que conduziram a, ou pelo menos acentuaram, deformidades estruturais que marcam indelevelmente as obras. Longe de cientificamente válidas e factualmente rigorosas, as obras de Marx, em especial O Capital, estão pejadas de incongruências, distorções e omissões graves. Marx não esteve interessado em perceber o mundo através dos factos e da interacção e interligação destes, mas sim em ajustar os factos a uma verdade (a sua verdade) pré-estabelecida, a provar a todo o custo: a de que o capitalismo, por natureza, resulta numa progressiva, imparável e insustentável exploração dos trabalhadores pelos donos do capital. Escuso-me de explicar que, já à data da publicação da obra e até aos nossos dias, o homem estava redondamente enganado (e sim, estou a medir as palavras tendo em conta a época que atravessamos, onde, aparentemente e segundo alguns especialistas de sofá, o Sr. Marx acertou em tudo menos no Euromilhões).
O texto vai longo. Termino com uma observação. Houve quem atacasse Johnson por, ele próprio, não ser exemplo para ninguém (o Rogério, por exemplo). Ou seja, Johnson não poderia, nem deveria, pregar a moral e os bons costumes quando os armários lá de casa cospem esqueletos, tamanha é a pressão acumulada. Mal que pergunte mas, dizer isso de Johnson não é usar da mesma metodologia que se se contesta no historiador?
Li o Intellectuals de Paul Johnson (é este o livro em causa) há coisa de cinco anos e, das duas uma: ou era, na altura, um perfeito débil mental, ou não entendi nada do que li (o que vai dar ao mesmo). Seja como for, a reacção indígena à publicação do livro, merece o meu esforço para dizer duas ou três baboseiras.
Paul Johnson escreveu Intellectuals com o objectivo legítimo, embora não original (já lá iremos), de bater nessa categoria profissional que dá pelo nome de «intelectuais». Mais em concreto, Johnson decidiu expor a céu aberto a ambiguidade de carácter, a inconsistência moral e a hipocrisia comportamental dos intelectuais. Para tal, e como não podia deixar de ser, Johnson escolheu as estrelas da companhia, ou seja, os mais proeminentes de entre os que se arrogaram no direito de pregar às massas a Verdade e de explicar como é que o mundo funcionava (mal) e deveria passar a funcionar (bem) caso alguém, algures, os escutasse ou, no limite, lhes concedesse poder.
O carácter controverso da obra de Johnson encontra-se na tese particular de que existe uma forte correlação entre, por um lado, a estrutura intelectual e os pronunciamentos morais, de natureza mais ou menos ortodoxa ou doutrinal, de quem se julga intelectual ou mentalmente apto a imiscuir-se na esfera dos interesses públicos; e, por outro, a personalidade e conduta pessoal do agente/autor. No fim do livro, o corolário de Johnson não podia ser mais claro: é fundamental que o common man beba uma boa dose de cepticismo na hora de processar os diktats morais e políticos produzidos por certas luminárias, já que, segundo Johnson, é gente de pouca confiança. Parafraseando o João Pereira Coutinho, quem espera pelo papel salvífico dos «intelectuais» devia, antes de mais, perguntar que tipo de gente se esconde por detrás dos seus sermões.
O que Johnson tentou de certa forma provar em Intellectuals, foi basicamente isso: regra geral, um pulha ou um escroque em privado jamais poderá produzir uma obra ou um pensamento moralmente são, politicamente consistente e historicamente profícuo. Desde logo porque, como Johnson tentou alertar particularmente bem no caso de Marx, os métodos usados andarão algures entre o vírus e a bactéria: serão duvidosos, rascas, gelatinosos e insidiosos. Acima de tudo, as conclusões supostamente racionais da produção intelectual dos seus autores mais tarde ou mais cedo revelar-se-ão contrárias à própria Razão.
O tema, repito, não é original. Aron, Popper, Berlin, Lilla e Jacob Talmon (com a tese de que o Sec. XVIII e XIX foram fartos em falsas doutrinas «racionalistas», baseadas num fervor religioso e em expectativas «messiânicas» que terão produzido a obsessão histérica em torno de conceitos como «raça», glorificação da «violência revolucionária», culto da personalidade e da iconografia, etc.) debruçaram-se sobre o assunto. O que separa Johnson do resto é a abordagem. Enquanto Aron ou Popper, por exemplo, se preocuparam mais em dissecar as incongruências filosóficas ou políticas de ortodoxias e ideologias em abstracto na hora de estas descerem ao terreno, Johnson procurou correlacionar o carácter e a personalidade dos seus autores no sentido de provar, ou de pelo menos alertar, para o facto de que uma personalidade estruturalmente desonesta e/ou amoral afasta o seu dono da autoridade moral de publicamente se pronunciar sobre a conduta do «povo» ou do «mundo» e, mais importante, da possibilidade de fazer perdurar no tempo os seu pensamentos como parte de um edifício respeitável, sólido, que importa visitar e revisitar.
Da leitura da obra, o Rogério concluiu o seguinte: "O corolário lógico do seu catálogo de objecções é evidente: se uma teoria perigosamente deficiente, como o marxismo, tivesse sido Revelada no Monte Sinai, as suas deficiências teriam em Paul Johnson o seu mais infatigável acólito." A meu ver, concluiu mal (uma discordância que se traduz numa dor aguda que, estou certo, ele também partilhará). O corolário é outro: seria improvável que o marxismo – uma teoria perigosamente errada – tivesse sido dado à luz no Monte Sinai porque, e esse é o ponto, seria improvável que uma erva daninha crescesse naquele solo. A expressão é «seria improvável» e não «jamais» ou «impossível». Do que Johnson fala é de cepticismo e de desconfiança, na medida em que uma alma eticamente instalável, pouca amiga do rigor e pouco dada à honestidade intelectual, dificilmente terá as "moral and judgmental qualifications for the task" (sic). Porque, conclui Johnson, a atitude perante a verdade e as evidências factuais será potencialmente tortuosa, doentia ou instável (ao contrário dos rasgos de génio de Paris Hilton.) Lembremo-nos do comportamento altamente dúbio e nojentinho de Brecht na época da caça às bruxas de Parnell Thomas (ler, também, Anything Your Little Heart Desires de Patricia Bosworth, filha de Bartley Crum) e facilmente se percebe onde Johnson quer, ou quis, chegar. À cautela, desconfie-se e aborde-se a obra de forma particularmente crítica, parece avisar Johnson.
O texto sobre Marx é, aliás, o paradigma da tese de Johnson, paradigma que o Rogério se recusou a compreender pela simples razão de Johnson ter cometido o pecado capital de se referir, a espaços, a minudências e mesquinhices, como as calças rotas ou B.O. do velho Karl, resultado de uma higiene pessoal pouca dada a sabonetes. Pondo de parte eventuais exageros de pormenor (que, no geral, estão longe de manchar o livro de forma catastrófica), a ideia de Johnson, a meu ver largamente conseguida, foi a de retratar um homem que transpôs para a sua produção intelectual (filosófica e política) muitas das suas características psicológicas e de carácter. O pendor racista e anti-semita de Marx, a forma imoral como viveu à custa da família Engels, a total inabilidade para lidar com o dinheiro, o gosto pela violência, o apetite pelo poder, a sede de protagonismo e o snobismo intelectual são características que se encontram invariavelmente reflectidas no seu trabalho intelectual. E são, simultaneamente, a causa de sinuosos métodos, supostamente científicos, que conduziram a, ou pelo menos acentuaram, deformidades estruturais que marcam indelevelmente as obras. Longe de cientificamente válidas e factualmente rigorosas, as obras de Marx, em especial O Capital, estão pejadas de incongruências, distorções e omissões graves. Marx não esteve interessado em perceber o mundo através dos factos e da interacção e interligação destes, mas sim em ajustar os factos a uma verdade (a sua verdade) pré-estabelecida, a provar a todo o custo: a de que o capitalismo, por natureza, resulta numa progressiva, imparável e insustentável exploração dos trabalhadores pelos donos do capital. Escuso-me de explicar que, já à data da publicação da obra e até aos nossos dias, o homem estava redondamente enganado (e sim, estou a medir as palavras tendo em conta a época que atravessamos, onde, aparentemente e segundo alguns especialistas de sofá, o Sr. Marx acertou em tudo menos no Euromilhões).
O texto vai longo. Termino com uma observação. Houve quem atacasse Johnson por, ele próprio, não ser exemplo para ninguém (o Rogério, por exemplo). Ou seja, Johnson não poderia, nem deveria, pregar a moral e os bons costumes quando os armários lá de casa cospem esqueletos, tamanha é a pressão acumulada. Mal que pergunte mas, dizer isso de Johnson não é usar da mesma metodologia que se se contesta no historiador?
sexta-feira, abril 10, 2009
O medo que eu tenho de divulgar isto e de me estragarem aquilo*
(* partindo do princípio de que sou lido por milhares de pessoas)
Na Rua das Fontainhas, em Setúbal, encontra-se uma perolazinha de restaurante, onde se come um peixe grelhado que confirma, uma vez mais, a minha tese: a de que não há país no mundo onde se coma tão bem e tão bom peixe quanto em Portugal. Do ponto de vista estético, o Batareo não resistiria ao primeiro olhar obliquo de uma qualquer brigada do bom gosto. Dito de outra forma, aquilo não tem ponta por onde se lhe pegue. Um autêntico berlinde, portanto. Quanto ao resto, o peixinho é do melhor que há, a simpatia do pessoal (dono, esposa, etc.) faz-nos sentir como da casa e, last but not least, na hora da conta não nos sentimos assaltados (coisa rara hoje em dia). Da última vez, voltei a escolher aquilo que ele (o dono) denomina de «entranche» ou «azelha» de um belíssimo cherne. Não tenho palavras. A sério que não.
Na Rua das Fontainhas, em Setúbal, encontra-se uma perolazinha de restaurante, onde se come um peixe grelhado que confirma, uma vez mais, a minha tese: a de que não há país no mundo onde se coma tão bem e tão bom peixe quanto em Portugal. Do ponto de vista estético, o Batareo não resistiria ao primeiro olhar obliquo de uma qualquer brigada do bom gosto. Dito de outra forma, aquilo não tem ponta por onde se lhe pegue. Um autêntico berlinde, portanto. Quanto ao resto, o peixinho é do melhor que há, a simpatia do pessoal (dono, esposa, etc.) faz-nos sentir como da casa e, last but not least, na hora da conta não nos sentimos assaltados (coisa rara hoje em dia). Da última vez, voltei a escolher aquilo que ele (o dono) denomina de «entranche» ou «azelha» de um belíssimo cherne. Não tenho palavras. A sério que não.
Parar
Estou cada vez mais convencido que o futuro deste país e a salvação das almas – incluindo as mais torturadas como as de José Sócrates, Alberto Costa, Augusto Santos Silva e, last but no least, José Lello - passa por uma medida simples: parar de construir. Parar de fazer buracos, parar de ocupar o espaço, parar de invadir o campo, parar de injectar cimento, ferro, pedra e alcatrão. Parar para perceber que há muito espaço erigido e estrutura montada que, pacientemente, espera para ser aproveitada, requalificada, acarinhada. Parar para perceber que uma boa rede interna de comboios tipo convencional, é um milhão de vezes mais essencial do que todos os TGVs e as auto-estradas do futuro. Parar para perceber que o «paradigma» betão-emprego-produção já está caduco e é próprio de países subdesenvolvidos.
Em Portugal, o afã de alterar PDMs, ZPEs e demais acrónimos no sentido de libertar as comportas do betão, com o beneplácito insensato mas interessado dos poderes (governo e autarquias), devia constituir um case study. A saloiice e o provincianismo continuam a ser as marcas deste país: do povo - que adora «inaugurar» as pontes, as estradas, os centros comerciais e culturais - dos governantes - que julgam exceder-se, para a história, de forma putativamente comovente e magnânima, com as obras do «regime» - e dos intelectuais – que se entretêm ora na academia ou no Prós e Contras a digladiar-se uns aos outros, ora no programa da Paula Moura Pinheiro por entre carinhos e demonstrações de afecto mais ou menos hipócritas mas sempre a exaltar a mediocridade. Portugal precisava de uma viragem de 180 graus. Sócrates prometeu, e cumpriu, uma de 360. Estamos falados. E tratados.
Em Portugal, o afã de alterar PDMs, ZPEs e demais acrónimos no sentido de libertar as comportas do betão, com o beneplácito insensato mas interessado dos poderes (governo e autarquias), devia constituir um case study. A saloiice e o provincianismo continuam a ser as marcas deste país: do povo - que adora «inaugurar» as pontes, as estradas, os centros comerciais e culturais - dos governantes - que julgam exceder-se, para a história, de forma putativamente comovente e magnânima, com as obras do «regime» - e dos intelectuais – que se entretêm ora na academia ou no Prós e Contras a digladiar-se uns aos outros, ora no programa da Paula Moura Pinheiro por entre carinhos e demonstrações de afecto mais ou menos hipócritas mas sempre a exaltar a mediocridade. Portugal precisava de uma viragem de 180 graus. Sócrates prometeu, e cumpriu, uma de 360. Estamos falados. E tratados.
Sr. Primeiro Ministro: processe-me, por favor, eu também quero
potencial de intentar acção judicial contra: 2 (0 a 10)
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da democracia por parte de Hugo Chavez.
potencial de intentar acção judicial contra: 5 (0 a 10)
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa, póstuma, de que o tamanho não interessa por parte de John Holmes.
potencial de intentar acção judicial contra: 9 (0 a 10)
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da liberdade de expressão por parte de José Sócrates.
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da democracia por parte de Hugo Chavez.
potencial de intentar acção judicial contra: 5 (0 a 10)
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa, póstuma, de que o tamanho não interessa por parte de John Holmes.
potencial de intentar acção judicial contra: 9 (0 a 10)
Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da liberdade de expressão por parte de José Sócrates.
sábado, abril 04, 2009
Coisas que a Fernanda Câncio jamais perceberá
Vasco Pulido Valente in Público 04/04/2009
Fora o gordo (ou a gorda)
O Governo, como bom pai, mãe, tia, vigilante e polícia, anda preocupado com o nosso peso. Parece que mais de metade dos portugueses tem excesso de peso e que, pelo menos, 14 por cento são francamente obesos. Perante esta desgraça, o ministério respectivo (de certo animado pelo espírito inquieto do eng. e maratonista Sócrates) resolveu congeminar um "plano" contra a gordura. Dizem que dentro de um homem gordo há sempre um homem magro que sonha nascer. Pois respondendo a esse justo sonho, o Estado vai finalmente ajudar o parto da magreza indígena. Já este ano, cada um dos 68 agrupamentos de Centros de Saúde poderá contar com o seu nutricionista privado e próprio. Há hoje apenas 75 em exercício, não tardará, esperemos, que haja mais 500.
Se até agora o senhor, ou a senhora, por ignorância ou vício, passeava por aí a sua repugnante corpulência (ou, pior ainda, a mostrava na praia), daqui em diante assim que penetrar num Centro de Saúde será imediatamente conduzido a um nutricionista, que o porá numa dieta rigorosa e, em menos de nada, lhe arrancará a casca de adiposidade que preocupa a Pátria e o seu chefe. Pense que, depois de uma vida de erro e masoquismo, irá para o futuro comer e beber bem, por não mais - segundo juram especialistas do Porto - de quatro euros por dia; uma santa e simpática disciplina, aliás, muito apropriada à presente crise. Pense e rejubile. Imagine a sua pessoa elegante e bela e sobretudo esqueça que a mesa é uma prazer. A mesa não é um prazer, é, como oportunamente lhe explicarão, um puro suicídio.
Claro que o Estado não se dá a tanto trabalho só por altruísmo. O excesso de peso e a obesidade estão na origem de várias doenças, com que o Estado gasta dinheiro, e o Estado não deseja gastar dinheiro consigo. Por isso o Estado desejaria que o senhor, ou a senhora, não fumasse (e o persegue quando fuma) e não ingerisse muito sal (e lhe tirou o sal do pão) e se prepara pouco a pouco para o reduzir a um perfeito exemplar da espécie, destinado a morrer impecável e robusto numa extrema e acéfala velhice. Onde fica no meio disto a sua liberdade é melhor não perguntar. O Estado, que o trata e o educa, não se interessa pela sua liberdade. Uma liberdade que o senhor, ou senhora, se o deixarem à solta, usa com certeza mal. É preferível que o eng. Sócrates, que de resto o conhece bem, o meta na ordem. Ou julgava que a beneficência do Governo era de graça?