Sem emenda
Vasco Pulido Valente in Público 18/04/2009
Uma história de esquerda
Há dois meses, numa conversa de ocasião, Jorge Sampaio e José Saramago concordaram que fazia falta uma "frente de esquerda" para impedir Santana Lopes de ganhar a Câmara de Lisboa. Depois disso aparentemente nenhum deles voltou a pensar no assunto. Mas, não se sabe como, foram os dois promovidos a "mentores" de um putativo "movimento de unidade" contra o espectro do "menino guerreiro". Neste "movimento", que não tem um chefe ou mesmo uma pequena comissão directiva (só uma petição on-line), entram alguns políticos na reforma, algumas personagens sem destino, alguns velhos "militares de Abril" (como se costuma dizer), meia dúzia de socialistas que se acham de esquerda e um pequeno molho de "intelectuais" que ressuscitaram inesperadamente para o efeito.
À primeira vista, nenhum destes salvadores da Pátria (ou de Lisboa) inspira grande confiança. Júlio Pomar, Carlos do Carmo e Maria Teresa Horta não movem montanhas. Nem Carlos Brito, Vera Jardim e Leonor Coutinho. E muito menos Costa Martins, Martins Guerreiro e Vasco Lourenço. Para não falar do inevitável Sá Fernandes, que está persistentemente em toda a parte. Parece que se abriu por engano uma gaveta de um armário antigo e saiu de lá esta gente esbracejante e desorientada. Ainda por cima, os dois "mentores" já tomaram as suas distâncias. Saramago não quer prejudicar o PC e Sampaio já se declarou "pouco optimista". Mas, para lá da melancolia da coisa, o episódio é uma boa história de exemplo e edificação: basta pensar no que sucederá quando Sócrates perder a maioria.
O PC recusa qualquer espécie de aliança com um PS que "virou completamente à direita" e acha como sempre que o PS se deve emendar. O Bloco, que António Costa descreveu como "um partido oportunista, que parasita a desgraça alheia", com certeza que não anda ansioso por se abraçar ao referido Costa. Ou, para não ir mais longe, a um PC que o despreza e combate. De resto, fora este ódio trilateral, há um ódio comum (e suponho que retribuído) aos "Cidadãos por Lisboa" de Helena Roseta e ao índio sem tribo Sá Fernandes, que não pára de arranjar sarilhos. Vale a pena perguntar qual é o objecto de tantas querelas? Vale a pena perguntar quais são, do PS a Roseta, as grandes diferenças políticas sobre Lisboa? Não vale. A esquerda gosta de se dividir e detestar; e a seguir de sofrer porque se dividiu e se detesta. A "frente" e a "unidade" são uma parte indispensável do cerimonial.
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