Ir a Badajoz comprar caramelos
É trágico mas é verdade.
a.k.a. Contra a Corrente
"Sou reaccionário. A minha reacção é contra tudo o que não presta." Nelson Rodrigues
”O único que ficou caladinho, quase sem reagir, apesar de ter estado por trás, ter sido mandante, foi o dr. Rui Rio. Teve o seu factótum a falar em nome dele. Foi um grande serviço. Devo dizer que gostava de ter um.”
Quem é o factótum?
”Aguiar Branco. Gostava de ter um Aguiar Branco para mim. As barbaridades que eu digo, pedia-lhe: "Ó pá, diz lá tu, que assim não me chateiam o juízo a mim." Gostava de ter um. Quando for grande, gostava de ter um Aguiar Branco.”
”O dr. Menezes dirigiu-se às pessoas que estão preocupadas, não com o défice, que a dra. Manuela Ferreira Leite criou, mas com o preço do pão, do arroz, das escolas, etc. (…)
Trabalharia com Alberto João Jardim, mas espero que não se candidate, porque a Madeira precisa dele. Eu gosto de desafios. Se me perguntar: fazia a campanha de Menezes contra Aguiar Branco? Eu diria: nesse caso, candidato-me eu contra o dr. Menezes. Agora se me perguntar: fazia a campanha de Menezes, se ele se candidatasse contra Manuela Ferreira Leite? Eu responderia: com toda a certeza. Fazia e quase que a fazia de borla. Não tenho nada contra a dra. Manuela Ferreira Leite. Tenho até tudo a favor, do ponto de vista da competência, etc. Mas seria um desafio.
P: E ganhava?
Mas de caras.”
Boswell:“I censured the coarse invectives which were become fashionable in the House of Commons, and said that if members of parliament must attack each other personally in the heat of debate, it should be done more genteely.”
Johnson:"No, Sir, that would be much worse. Abuse is not so dangerous when there is no vehicle of wit or delicacy, no subtle conveyance. The difference between coarse and refined abuse is as the difference between being bruised by a club, and wounded by a poisoned arrow."
Samuel Johnson
"No weakness of the human mind has more frequently incurred animadversion than the negligence with which men overlook their own faults, however flagrant, and the easiness with which they pardon them, however frequently repeated."
"Vanity inclines us to find faults any where rather than in ourselves."
Samuel Johnson
A China deu hoje conta do seu "forte descontentamento" em relação à decisão de Paris tornar o Dalai Lama seu "cidadão honorário", estimando que isso é uma "grosseira ingerência" nos assuntos internos chineses.
"A China dá conta do seu descontentamento e da sua enérgica oposição", indicou a porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Jiang Yu.
Voltou há dias a assumir a sua candidatura à liderança do partido quando o tema regressar à ordem do dia. Porque deu este sinal nesta altura?
Não disse nada diferente do que venho a dizer há largos meses: quando houvesse eleições para escolher o líder do meu partido, se as condições do País e as condições do PSD fossem as de agora, eu seria candidato. É verdade que esta afirmação, apesar de repetida muitas vezes, teve uma ênfase mais evidente por existir uma situação de alguma descrença em toda a oposição. O que pode ser um sinal de esperança, de vitalização, acaba por ter um enfoque muito maior. Mas também o fiz por pensar que devemos desdramatizar a ideia de que é negativo haver alternativas permanentes à liderança dentro dos grandes partidos. Essa é a realidade normal europeia. Só em Portugal esta questão costuma ser dramatizada: são tiques da ditadura que se perpetuam até hoje.
Um caso perdido
Ainda há uma semana, o eng. Ângelo Correia, num desabafo compreensível, considerava "totalmente insatisfatória" a situação do PSD, defendendo que o partido se devia dedicar "muito mais a pensar, a reflectir e a falar com o país". Aparentemente, o PSD fez-lhe a vontade: deixou cair as "disputas internas por razões menores" e mergulhou finalmente nas grandes questões nacionais e no diálogo com os portugueses. Antes de mais, mergulhou nas sondagens onde conseguiu mostrar que era possível ficar três pontos atrás dos mínimos deixados pelo dr. Santana Lopes, mostrando simultaneamente que se pode sempre descer mais baixo e que nunca se bate no fundo porque abaixo deste falso limite florescem infinitas possibilidades. E, como se viu, de então para cá, o PSD tem dado alguns passos gigantescos nesse longo e auspicioso caminho que, de repente, se lhe abriu pela frente.
Na Madeira, falando directamente ao país, o dr. Menezes reclamou entusiasticamente uma "autonomia sem limites" para a região que acabou por se transformar, conforme foi explicado, mais tarde, numa "autonomia sem limites com alguns limites" - um conceito um pouco confuso que o PSD irá, com certeza, esclarecer quando lhe parecer oportuno. Na mesma altura, e sem esquecer um assunto que está na ordem do dia e preocupa grande parte dos portugueses, o dr. Menezes defendeu a necessidade de uma nova Constituição - dado que já "passaram" 35 anos sobre a que está em vigor e as "realidades constitucionais" devem estar abertas à novidade, seguir as orientações da moda e acompanhar os ditames da juventude. Para além disso, prescrevem. Em qualquer país civilizado, como a Inglaterra, por exemplo, constituições velhas como a nossa, que fazem parte de um passado longínquo, são expeditamente atiradas para o lixo, dando lugar à modernidade e à consagração dos novos direitos e dos novos deveres que se impõem aos cidadãos e ao Estado. Por cá, o dr. Menezes vai fazendo o que pode, tentando modernizar o país com propostas de fundo que têm a superior vantagem de não se poderem realizar.
Já sabíamos que se o PSD, por milagre, vier a formar Governo tenciona "desmantelar" o Estado em meia dúzia de meses, impedir o fecho de qualquer organismo público durante quatro anos, tirar a publicidade à RTP (uns quilómetros de auto-estradas que ficam por fazer!), sujeitar a política fiscal à realidade espanhola, reunir-se semanalmente com a Fenprof e outras habilidades avulsas. Ficamos agora a saber que se, por uma chuva de milagres, o PSD tiver consigo dois terços dos deputados manda os pactos de regime às ortigas (como, aliás, já mandou) e se entretém a fazer novas constituições, consoante o humor do dia e o clima das estações.
Entretanto, no meio deste vendaval de propostas, algures entre a nova Constituição e a harmonização fiscal com Espanha, surgiu a Fernanda Câncio, a reboque de uma produtora externa que vai trabalhar com a RTP. Num primeiro momento, o caso ficou nas mãos de Agostinho Branquinho, um telespectador pouco atento, içado à categoria de porta-voz para o audiovisual. Expedito e sem conhecimentos que lhe atrapalhem o fulgor das iniciativas, Agostinho Branquinho enviou, de imediato, um requerimento à estação, pedindo explicações sobre esta "escandalosa" e "pornográfica" contratação. Aparentemente, o porta-voz do PSD não sabia que a RTP costuma contratar produtoras externas, nem conhecia o trabalho televisivo da Fernanda Câncio. Mas esse alegre desconhecimento já faz parte da ementa diária do PSD.
Uns dias depois, na Madeira, Rui Gomes da Silva, com o talento que se lhe reconhece, abriu novos horizontes à questão da "pornografia". Para o caso dos portugueses não perceberem que o PSD estava a dialogar com eles e a falar abertamente ao país, o mesmo dirigente social-democrata aproveitou uma manhã de sábado para esclarecer devidamente o assunto. Escusado será dizer que, ao fazê-lo, proporcionou um esclarecimento bastante maior sobre si próprio e sobre o partido que compreensivelmente o acolhe. Ultrapassando Branquinho, a uma velocidade estonteante, Rui Gomes da Silva foi directo ao que lhe pareceu essencial, afirmando que a RTP não podia contratar uma jornalista que tinha "um relacionamento com o primeiro-ministro". Até porque, na sua imensa sabedoria, o vice-presidente do PSD sente-se em condições de garantir que a dita contratação foi feita "única e exclusivamente por razões que são de todos conhecidas". Pouco importa que essas "razões que são de todos conhecidas" não sejam mais do que ditos e mexericos que circulam no meio onde se move a actual Comissão Política Nacional do PSD que, segundo Ribau Esteves, manifestou já "a sua total solidariedade e apoio" a Rui Gomes da Silva. Faltava este pequeno e elucidativo pormenor para se ter uma ideia exacta das prioridades que orientam a direcção do partido.
Numa altura em que, entre outras coisas, se fala de recessão e se discutem as repercussões internas de uma crise internacional, o PSD dedica o melhor do seu tempo a falar da contratação da Fernanda Câncio, escolhendo como alvo de ataque os seus "relacionamentos" privados. E, como se isso não bastasse, ainda acha que está a denunciar um "escândalo" nacional, sem perceber que o verdadeiro escândalo nacional é ver o maior partido da oposição sacrificar a política às improvisações do momento e deixar que esta se preste às rasteiras do mexerico. Da nova Constituição à "autonomia sem limites", passando pela Fernanda Câncio, é o mesmo PSD que se reflecte em todo o seu esplendor: um PSD superficial e rasteiro que é capaz de tudo e que não recua perante nada. Quando Rui Gomes da Silva, referindo-se à vida privada de uma jornalista, com provas dadas, garante que "estes factos, incomodem ou não quem quer que seja, continuarão a ser assumidos e ditos pela direcção do PSD", não percebe que esses "factos" dão cabo de um partido e incomodam principalmente quem costumava votar no PSD.
"The resentment produced by sincerity, whatever be its immediate cause, is so certain, and generally so keen, that very few have magnanimity sufficient for the practice of a duty, which above most others exposes its votaries to hardships and persecutions; yet friendship without it is of very little value, since the great use of so close an intimacy is, that our virtues may be guarded and encouraged, and our vices repressed in their first appearance by timely detection and salutary remonstrances."
Samuel Johnson
Etiquetas: Good old Dr Johnson
"Of those with whom nature and virtue oblige us to converse, some are ignorant of the arts of pleasing, and offend when they design to caress; some are negligent, and gratify themselves without regard to the quiet of another; some, perhaps, are malicious, and feel no greater satisfaction in prosperity than that of raising envy and trampling inferiority. But whatever be the motive of insult, it is always best to overlook it; for folly scarcely can deserve resentment, and malice is punished by neglect."
Samuel Johnson
Etiquetas: Good old Dr Johnson
1.
de pinhão
s. f.,
pasta comestível feita de pinhões e mel.
2.
de Pinho
s. f.,
reprimenda não comestível, de gosto acre e forma tosca, provocada por inusitado apego a cargo político, falta de consciência democrática e excesso de zelo primário.
Uma estação de televisão do movimento palestiniano Hamas transmitiu um programa infantil de marionetas que mostra uma criança a matar George W. Bush. O programa vem aumentar as suspeitas de que o Hamas está a usar técnicas de propaganda para encorajar as crianças a lançar ataques.
Etiquetas: O Jerusalem
Tempos de incerteza
A reeleição do arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, como presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) foi, se se quiser, a gota de água. Usando uma terminologia que se costuma aplicar ao Partido Comunista, o Diário de Notícias garantia, no dia seguinte, que a manutenção no mesmo cargo do "bispo que mais tem afrontado o Governo, nos últimos anos" confirmava a vitória da "linha dura" da hierarquia católica. Como seria de esperar, D. Jorge Ortiga correspondeu adequadamente a este tipo de expectativas: afirmou que "o Estado democrático não pode ser militantemente ateu"; referiu a "inaceitável exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos"; exortou os católicos "a encetar acções tendentes a mostrar que nunca irão abdicar dos seus princípios"; e, como se tudo isto não bastasse, ainda se deu ao luxo de invocar a implantação da República "para reconhecer que os acontecimentos adversos suscitaram coerência e fidelidade". É verdade que D. Jorge Ortiga afirmou também que a presença católica não se deve impor "pela lógica dos comportamentos agressivos ou da ambição dos princípios mas pela diferença do amor", acrescentando que a Igreja "deve estar onde o humano acontece". Infelizmente, estes meandros da teologia interessam pouco aos "laicos de serviço", sempre prontos a denunciar a ingerência da Igreja e a defender a natureza inviolável do Estado.
Esta separação radical, determinada pelo espírito do tempo, deixa ao Estado o monopólio do espaço público, remetendo a Igreja para o domínio privado, no qual a sua intervenção se limita a proclamações doutrinais que se dirigem apenas ao conjunto dos seus fiéis. Esta lógica que coloca a Igreja numa redoma, isolada da sociedade e do homem, ignora a aspiração "universal" de qualquer religião e a natureza pública do seu testemunho.
Não por acaso, essas declarações doutrinais que supostamente só dizem respeito aos católicos são abundantemente comentadas - e ainda bem - por todos os que, embora não fazendo parte da Igreja, se sentem na obrigação de as analisar. Basta lembrar as inúmeras polémicas que acompanham invariavelmente as posições do Vaticano sobre determinadas matérias como a homossexualidade, o uso de métodos anticoncepcionais, o casamento dos padres ou o acesso das mulheres ao sacerdócio, para referir apenas as mais recorrentes. O interesse suscitado por estas questões mostra, ad contrarium, que mesmo os seus críticos mais contundentes dificilmente conseguem admitir que a actuação da Igreja se insere numa esfera meramente privada com a qual nada têm a ver.
Em contrapartida, o facto de D. Jorge Ortiga ter dito que o "Estado democrático não podia ser militantemente ateu" (o que é razoável) ou ter considerado "inaceitável" a "exclusão da presença católica dos ambientes públicos e políticos" (o que se compreende) provocou, entre nós, como já é habitual, um ensurdecedor alarido. Aí estava a Igreja, mais uma vez, a "afrontar" o Governo. A exigir, mais uma vez, privilégios que fazem parte do passado. E a imiscuir-se, mais uma vez, onde não era chamada. Pelo meio, houve inevitavelmente quem lamentasse esta indesejável colagem à Igreja espanhola e à sua indecorosa oposição ao Governo de Zapatero. Mas o mundo, como se devia saber, não se esgota na Península Ibérica.
Nos últimos tempos, a chamada "ofensiva" da religião já não se refere, apenas, ao florescimento de uma vaga espiritualidade que, há uns anos, se reflectia no sucesso de algumas seitas ou na importação de um orientalismo de trazer por casa, embrulhado no aperfeiçoamento pessoal e numa gama de "receitas" que levavam à "felicidade". Ao fracasso das ideologias e ao clima de insegurança juntou-se o "fundamentalismo" islâmico, que impôs ao mundo desenvolvido e às sociedades de bem-estar o "retrocesso" da religião. A sharia que o Ocidente tolera, ao ponto de o arcebispo de Cantuária pretender integrá-la na lei britânica, não deixou de abrir um caminho favorável ao regresso da religião numa Europa laica e desenvolvida.
Num livro, publicado em Portugal, no ano de 1994, sob o título A Igreja e a Nova Europa, o então cardeal Ratzinger, recusando uma análise "simplista" sobre esta matéria, não deixava de concluir o seguinte: "O islão, seguro de si, exerce sobre o Terceiro Mundo um fascínio muito mais forte do que o cristianismo, a que falta paz interior."
Dois anos mais tarde, na Universidade de Ratisbona, o mesmo Ratzinger, já como Papa Bento XVI, exortava as religiões do Livro a ocuparem o espaço deixado vazio pelas ideologias modernas e a tirarem partido destes tempos de incerteza e de mudança para regressarem ao centro da vida política - o que foi interpretado como uma legitimação da "cruzada" da Igreja espanhola contra o Governo de Zapatero. A mudança, no entanto, não se fez sentir apenas em Espanha. Em Itália, a Igreja deixou cair o primeiro-ministro Romano Prodi. Na Áustria, o arcebispo de Viena, num artigo publicado do New York Times, decidiu repescar o direito natural de inspiração divina por oposição às leis "demasiado" humanas que são aprovadas num Parlamento. E, por último, em França, no berço do Estado laico e republicano, o presidente Sarkozy surgiu como um baluarte da religião, defendendo as suas virtudes cívicas, ao mesmo tempo que afirmava que a moral laica se pode esgotar quando não é apoiada numa esperança que realiza as "aspirações do homem ao infinito".
Pode-se dizer que tudo isto não é mais do que um fenómeno passageiro - principalmente se levarmos em linha de conta o divórcio que existe entre as exigências da religião e o modo de vida europeu. Como se pode dizer também que existe uma incompatibilidade de fundo entre o pluralismo da democracia e a Verdade única que emana de Deus. Mas não deixa de ser sintomático que este tempo de incerteza aliado a um laicismo exacerbado possa pôr em causa uma das principais conquistas do mundo ocidental.
Etiquetas: Opinion Makers
O gabinete do Dr. Pinho
Há muita coisa em Portugal para fazer sorrir. Uma delas é o fervor com que alguns ainda acreditam na necessidade de "submeter o poder económico ao poder político". A minha pergunta, depois do que ouvi e li durante o último ano, é esta: ainda mais? Em 12 meses, vimos o Governo acusado de dificultar negócios e de impor uma nova direcção respectivamente ao maior empregador e ao maior banco do sector privado. Agora, insinua-se que tem os mais importantes grupos de comunicação social suspensos das suas decisões sobre um novo canal de televisão e sobre a publicidade no canal do Estado. Que pensar, depois disto, do temível "poder económico"?
Em público, por decoro ou modéstia, o Governo não reconhece a sua força. Em privado, porém, a história parece ser outra: entre as paredes discretas dos gabinetes, o ideal revolucionário da submissão do poder económico é realizado ao natural, sem luvas. É o que se deduz das confissões de António Borges ao PÚBLICO acerca da sua experiência no gabinete do ministro da Economia, Manuel Pinho.
Dir-me-ão: não sabíamos já todos que era assim? Portugal tem a curiosa característica de ser um país em que já se sabe tudo - o que é uma forma de nos eximirmos ao trabalho de apurar a verdade sempre que é possível fazê-lo. Como neste caso. Não seria muito difícil investigar e comprovar o que António Borges e Manuel Pinho disseram sobre a ruptura dos contratos entre o Estado e a empresa cujos interesses Borges representava em Portugal em 2005. Convinha mesmo que esse trabalho fosse feito. Interessa-nos a todos. Porque se puder ser demonstrada, documentalmente, a probabilidade de alguém ter sido punido, através da empresa para que trabalhava, pelas opiniões políticas que manifestou enquanto cidadão, tornar-se-á claro que não precisamos cá do gabinete do dr. Caligari para ter pesadelos. Mas se não foi assim, é igualmente urgente que se saiba. Eis uma oportunidade para esclarecer finalmente em que país vivemos.
Em Portugal, os gabinetes de ministros e presidentes da câmara parecem, desde há demasiado tempo, uma fatalidade: tudo passa por lá, mais tarde ou mais cedo. Mas não deverá ser assim? Não representa esta preeminência, em democracia, o autogoverno da sociedade, através dos homens públicos que a representam legitimamente? Acontece que no poder político, numa sociedade plural, nunca estão representadas todas as opiniões, mas apenas algumas - e que o poder político nunca é apenas algo que emana das opiniões, mas que as forma. A sua omnipotência nunca é uma garantia de liberdade para todos.
Por cá, o poder político tendeu a ser quase sempre tudo, e os restantes poderes muito pouco ou nada. Desde 1975, nacionalizações e privatizações habilitaram os governos para destruir e reconstruir grupos económicos à vontade. Entretanto, o peso do Estado multiplicou-se. Há um século, Portugal era ainda um país de proprietários que viviam das suas rendas e de lavradores e artesãos que viviam do seu trabalho. Hoje, é um país de funcionários, pensionistas e utentes, submetidos ao governo e aos seus truques com impostos, subsídios, pensões e serviços públicos. Nós votamos, mas o poder determina os nossos comportamentos e condiciona as nossas opiniões. É esta possibilidade de controlar e mandar tudo que cria, nos nossos governantes, a tentação de tudo controlar e mandar. Por isso, o PS é acusado hoje do que o PSD foi acusado no passado.
A causa da liberdade não é servida pela submissão do poder económico ao político, mas por outra coisa: a separação dos dois, através da instituição de uma economia de mercado concorrencial, com os devidos mecanismos para prevenir práticas desleais e posições dominantes. Proporcionaria certamente negócios a alguns. Mas daria a todos uma coisa mais importante: liberdade acrescentada, através da criação de contrapesos sociais ao poder político. Se houvesse uma oferta maior de ensino privado, os professores não estariam à mercê do ministério e das suas avaliações. Tal como os médicos já não estão, graças aos hospitais privados.
É verdade que há no Estado poderes para equilibrar o do governo. Mas bastará um Presidente da República, um Tribunal Constitucional ou uma oposição parlamentar para podermos respirar? Talvez valesse a pena pensar num outro modelo social, em que as nossas aspirações e medos não dependessem de um ministro. De contrário, a crer em António Borges, teremos todos de continuar à espera daquela fatal chamada de segunda-feira ao gabinete deste ou doutro dr. Pinho.