Estará muito frio?
Dia 23 de Janeiro, um Domingo, se não estiver frio, provavelmente irei votar. Votarei em Cavaco Silva. Não que me entusiasme muito votar em Cavaco Silva. A Cavaco Silva sempre faltou uma patine de à vontade e sentido de humor, aliada a uma aura de grandeza intelectual (de cariz popular, não escolástica), que sempre apreciei noutros políticos de dimensão nacional. Aquela coisa difusa do carisma. Francisco Sá Carneiro, por exemplo (cuja personalidade e estilo absorvi a título póstumo). Ou Mário Soares - que, por muito que dele discorde e considere que as suas intervenções públicas, de há uns anos a esta parte, se tenham pautado por uma pitada de insanidade e por doses massivas de infantilidade, lhe reconheço graça e espirituosidade. Há em Cavaco Silva uma rigidez que é filha do receio, ainda que residual e não propriamente determinante para a composição da persona política, da gaffe e do deslize. Um quadro muito comum em gente tímida, mais reservada, mas acima de tudo em gente cuja vivência ou aprendizagem não muito «abrangente» e «multidisciplinar», não terá contribuído para a sedimentação de características de personalidade particularmente cativantes. Simplificando: o homem é um chato (um típico académico opaco), não se lhe reconhecendo grandes interesses, passe o pleonasmo, interessantes.
O que é que isto tem que ver com política? Muito pouco. Em política, outras características e valores tendem a suplantar os eventuais tiques maneiristas e acinzentados que pontuam uma personalidade desgraçadamente apática. Dito de outra forma, de pouco valerá um elaborado sentido de humor ou um grande à vontade na expressão oral, se se constatar que a praxis política evidencia anos e anos de uma lógica conjectural, de uma observação distorcida da realidade, de um módico de realismo, de recorrentes provas de deslealdade argumentativa e de uma propensão para o logro e para a intrujice. Aquela coisa da «seriedade», do «bom senso» e da «lucidez», têm um peso preponderante na minha escala de critérios. Cada um tem a sua pancada.
Cavaco Silva pode ser tudo isso: cinzento, chato, monocórdico no discurso e não muito brilhante na forma. Pode até ter uma ficha na PIDE declarando-se «integrado no sistema» (um episódio que levou a que moralistas e inquisidores, acompanhados pelas brigadas antifascistas, saíssem da sombra ou das tocas para produzir textozinhos abjectos). Mas é, também, outras «coisas»: um homem sério, realista, sabedor (ao contrário de outros candidatos, nos antípodas do bovarismo) e, graças a Deus, previsível. No meio da tempestade, é bom saber que podemos não ter o mais interessante dos faróis, mas calhou-nos em sorte um dos mais sólidos. Brindo a isso.
Cavaco Silva pode ser tudo isso: cinzento, chato, monocórdico no discurso e não muito brilhante na forma. Pode até ter uma ficha na PIDE declarando-se «integrado no sistema» (um episódio que levou a que moralistas e inquisidores, acompanhados pelas brigadas antifascistas, saíssem da sombra ou das tocas para produzir textozinhos abjectos). Mas é, também, outras «coisas»: um homem sério, realista, sabedor (ao contrário de outros candidatos, nos antípodas do bovarismo) e, graças a Deus, previsível. No meio da tempestade, é bom saber que podemos não ter o mais interessante dos faróis, mas calhou-nos em sorte um dos mais sólidos. Brindo a isso.
4 Comentários:
Aplauso. Claríssimo, desempoeirado e acertado.
Concordo com tudo, apenas não vou lá, nem que esteja um sol radioso e um calor dos trópicos.
O senhor já ganhou e apesar das razões apontadas, não gosto dele.
E como os outros também não me apaixonam, desta vez, fico em casa. Ou vou passear.
A minha hesitação é outra: votar em branco ou abster-me pela primeira vez.
Não voto em Cavaco porque nunca votei e nunca votei por o achar medíocre. Foi 1º ministro 10 anos. Acha-lhe algum legado? Algum cimento e mamarrachos.
A questão, meu Caro, é que se todos votássemos regidos por principios e pela nossas convicções e não para fazer o jeito pelo bem da nação - que, meses depois já é outro - talvez «isto» estivesse melhorzinho. Eu aposto.
Meu caro Anónimo,
A política é, também, a arte do possível, e só muito circunstancialmente a do ideal. Se estivermos à espera de homens providenciais, capazes de «legados» substanciais, bem podemos esperar sentados. Como disse, não sei se votarei. Mas entre o «tosco de Boliqueime» (o tal do betão e do macadame, que gostamos todos de criticar ao volante dos nossos automóveis em estradas e auto-estradas que ele, respectivamente, resgatou da condição de caminhos de cabras ou projectou e construiu) e o manicómio, não tenho como hesitar.
Apesar de enunciar vários motivos que levariam qualquer cabeça sensata a rejeitar Cavaco Silva, a sua conclusão é, precisamente, que vai votar.... Cavaco Silva.
Há qualquer coisa de irracional nisto. Ou é o seu discurso, ou é o seu voto
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