A resposta à réplica
Excelente réplica, que agradeço, de João Amaro Correia, ao meu post sobre arquitectura. Agradeço, em particular, a forma condescendente como o João (que é arquitecto) «malha» num leigo que se atreveu a trilhar territórios escorregadios.
Começo por responder ao suposto «erro inicial de atribuir à arte (pintura, escultura) o estatuto supérfluo [luxos?]». Mea culpa. Faltam, obviamente, as aspas na palavra «luxos» (que aproveito para acrescentar, para que não haja equívocos; a pintura e a escultura não são disciplinas ou artes supérfluas). O sentido do que pretendia dizer é simples: um quadro ou uma pintura são realidades que se insinuam numa dimensão extremamente restrita. Dito de outra forma, um mau escultor ou um mau pintor dificilmente condicionará a vivência orgânica e funcional dos espaços públicos ou semi-públicos, por parte dos cidadãos, e o impacto estético da sua obra será, digamos, tendencialmente privado e não invasivo. Quando muito, prejudicar-se-ão a si próprios, correndo o risco de não reconhecimento ou chacota. Mas, repito, estarão longe de deixar uma marca indelével e inescapável no dia-a-dia de centenas ou milhares de cidadãos, sobretudo no que respeita à função/funcionamento do seu ‘output’ artístico. Dito ainda de outra forma, o impacto negativo de um mau pintor ou de um mau arquitecto sobre a vida (colectiva) em sociedade, não são comparáveis: se o primeiro pintar um quadro «feio» e, digamos, insignificante, grande mal não virá ao mundo; se o segundo, com a sua equipa multidisciplinar, projectar um bairro com ruas acanhadas, ausência de árvores ou espaços verdes, casas mal iluminadas, volumetria pesada e monocórdica, materiais não apropriados para as amplitudes térmicas, escadas íngremes, acessos para pessoas deficientes insuficientes, é a própria vida das pessoas que sairá prejudicada. Dito ainda de outra forma (prometo que será a última): os arquitectos não se podem dar ao «luxo» de extravagâncias ou experimentalismos sem atender a toda uma parafernália de exigências mínimas cuja inobservância influenciará negativamente e por muitos e bons (neste caso maus…) anos a vida «concreta» das pessoas. O betão não se varre com facilidade.
Aceito o reparo do João, quando refere que o meu texto acaba a confundir arquitectura e construção. «É que a arquitectura é, também, construção, o contrário nem sempre é verdade», escreve o João. É um facto: muito do que se vê por aí construído não tem o cunho de um arquitecto (nem sequer de um desenhador). E diz o João, também com alguma razão, que algum do ‘output’ arquitectónico visível foi alvo do «escrutínio do poder política, via autarquias», ou seja, que muitas vezes o papel do arquitecto é instrumental no caciquismo: quem paga é quem manda; e quem manda, manda assim (por vezes mal) e não assado (desejavelmente bem). Tudo isto pode ser verdade, mas o João terá que concordar que, na maior parte dos casos, hoje em dia a liberdade criativa que é dada aos arquitectos é imensa (se não mesmo total), e que são os próprios arquitectos que aproveitam a encomenda, mesmo que condicionada por ditames genéricos (ou se quiserem, de ordem política, demográfica, etc.), para «mostrar serviço», i. e., para forjar a «espectacular e definitiva» obra que preencherá o desígnio de, recorro às palavras do João, «devolver, pela arquitectura, a felicidade a todos os indivíduos.» Não estou convencido, e o João também o reconhece, que a assumpção desse suposto desígnio seja, por sí só, uma garantia (apriorística) de qualidade e competência. De boa vontade está o mundo cheio. Do que estamos a falar é da necessidade de escrutínio público a que os arquitectos devem estar sujeitos. Para benefício, saliente-se, dos próprios. Eu, que em matéria de arquitectura sou um leigo (provavelmente alguns me acharão uma «besta quadrada»), tenho a liberdade de escrever sobre um tema que, não dominando, me diz respeito, na qualidade de cidadão, munícipe, utente, etc. Lá está: o carácter inescapável da arquitectura promove-me a parte interessada. E os arquitectos não devem recear que assim seja. Dou o exemplo do projecto «Acrópole XXI», para o coração do Centro Histórico de Évora. Não desvalorizando o mérito de algumas soluções propostas, a verdade é que a primeira versão do projecto, da autoria do (excelente) arquitecto Nuno Lopes, acabou «chumbada» por força, também ou sobretudo, das associações civis e da generalidade dos cidadãos que, chamados a pronunciar-se, torceram o nariz. Não estou com isto a defender que todo e qualquer projecto arquitectónico de cariz público (ou semi-público), deva ser objecto de plebiscito. Digo apenas isto: aos arquitectos cabe a tomada de consciência de que a sua produção artística nem sempre se pode reger por critérios egoístas, próprios de quem pensa ser o dono da verdade. Em nome da vaidade ou da presunção que a suposta intenção de «devolver, pela arquitectura, a felicidade a todos os indivíduos» acaba por desencadear no espírito e na mente do arquitecto (alguns acham-se personagens ‘larger than life’), foram cometidos autênticas barbaridades arquitectónicas que, ainda hoje, marcam a paisagem, pela negativa, e tornam «infelizes» os que habitam, utilizam, fruem ou meramente observam a obra.
O elogio ao João Trindade acabou por ser «particular» num post que tocou em questões mais abrangentes. Um (o elogio) e outro (o papel dos arquitectos) foram pretextos recíprocos.
2 Comentários:
tentei não usar nem de condescendência nem da arrogância que tocam muito a 'classe'. infelizmente. e que são em muito culpadas pela desconfiança, natural, com que a disciplina hoje é olhada. mas que terá, certamente, razões mais fundas (o 'mau uso' da liberdade, como por exemplo refere.) infelizmente.
bom fim de semana.
j
de regresso ao tema: tento descrever o que encontro nas arquitecturas das quais a arquitectura de joão maria trindade encontra filiação.
abraço,
j
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