Estas coisas têm de ser debatidas
É muito importante aquilo de que fala o maradona no post das 11:19 do dia 17 de Dezembro de 2010 (que dentro de algumas horas ou dias desaparecerá). Há (sempre houve e continuará a haver) indicadores e sinais de aparência fátua, inconsequente, mesquinha até, que muito revelam e marcam (acabam por institucionalizar-se por via da aceitação tácita) um povo e um país. Exemplos: o número reduzido de pessoas que se observa a ler nos transportes públicos ou na fila para o autocarro; a percentagem ínfima de veículos com caixa automática, com especial e incompreensível incidência no caso dos táxis; o número insignificante de pessoas que recorre a trolleys para transportar as compras no supermercado; a estranha aversão dos cafés e pastelarias em disponibilizar compotas e derivados para servir com ou no pão; o grau de utilização da bicicleta nas cidades; as horas improváveis que a generalidade dos serviços de recolha do lixo escolhe para o fazer; e por aí fora (podia estar aqui a noite toda, mas tenho que ir levar o lixo).
O caso dos livros é outro que obriga a reflexão aturada. Nenhuma editora em Portugal (nem mesmo a Assírio & Alvim, a Cotovia ou a Relógio d’Água, que a certa altura das respectivas existências pareceram apostadas numa espécie de simplicidade levemente elaborada, ou num estilo falsamente simples), observando o ‘modus operandi’ da Penguin, parou para pensar: por que carga a Penguin compõe e imprime os seus livros assim (com aquele papel, aquelas dimensões, aquela letra miudinha, 99% em paperback livre de orelhas)? No mundo editorial português, vive-se um paradoxo: Portugal é, provavelmente (ainda não fui à Pordata verificar), o país Europeu onde mais dinheiro se gastará em encadernações de encher o olho (vamos pensar que enchem o olho e esquecer que vertem pirosice) a envolver papel de primeiríssima qualidade (grosso e branquinho como a neve), ao mesmo tempo que se leva uma eternidade a traduzir e a publicar obras de referência editadas lá fora ou, pior ainda, se ignora a existência das ditas por tempo indeterminado. É como se os editores, ciclicamente falidos e eternamente amedrontados com índices de leitura próximos do Mali, apostassem toda a prata da casa no packaging e na «qualidade do material», na secreta esperança de deslumbrar a pouco motivada mente dos nativos e de despoletar o respectivo processo de salivação à medida que observam a profusão de cores impressas em capas e badanas produzidas com a mais forte cartolina do mercado. Explicar a um português as vantagens da maleabilidade de um paperback leve, dobrável, de dimensões reduzidas, com letra miudinha, ao preço da uva mijona e como que a dizer-nos «lê o que está lá dentro e deixa-te de merdas», é tarefa equivalente a explicar a um taxista lisboeta a existência, há já algumas décadas, de um sistema de mudanças (automático e ultra-fiável) que lhe facilitaria a vida no pára-arranca citadino como ele nunca pensou ser possível. Não vale a pena.
Da mesma forma que o taxista quer continuar a exercitar centenas de vezes a perna esquerda, para baixo e para cima, o leitor português vai continuar a querer levar para casa livros, aí vem a bendita expressão, «de qualidade»: encadernação «de qualidade»», papel «de qualidade» e, claro, páginas «com leitura». «Com leitura» significa que o tamanho da fonte deverá estar ligeiramente abaixo da dimensão de parangona, não se vá dar o caso de, durante a noite, o incauto leitor acabar picado pelo bichinho da hipermetropia.
Em certa medida, compreende-se: o preço médio dos livros em Portugal conduz à reacção meio saloia do «já que paguei o que paguei, quero levar uma coisa pesada, indobrável, resistente às intempéries, que encha a estante, faça companhia, sirva de cunha numa eventualidade». Mas deixo de compreender o que quer que seja quando pego num daqueles calhamaços do Paul Johnson, da Phoenix Press, e recordo o prazer que foi manusear um livro (objecto) que foi produzido, impresso e encadernado com a única e simples pretensão de projectar nas minhas retinas milhares de caracteres economicamente aconchegados num paperback maleável, leve, de dimensões justas, e com um preço inferior a dez euros. E, verifico agora, que veio a envelhecer de forma digna e assumida.
Continua impenetrável a razão porque, em Portugal, as editoras não apostam no essencial (o conteúdo, incluindo a qualidade das traduções), sabendo que, com isso, baixariam o custo de produção dos livros (reflectindo-se essa economia no preço final ao consumidor), tornariam o objecto mais leve e mais fácil de manusear (porque mais pequeno), e contribuiriam para a consciencialização de que um livro, enquanto objecto, não tem que ser «giro» e «diferente» e «espectacular» e «indestrutível». Um livro deve ser, apenas e tão só, um livro: leve, simples, fácil de abrir, adaptável às mãos. E, claro, barato.
O caso dos livros é outro que obriga a reflexão aturada. Nenhuma editora em Portugal (nem mesmo a Assírio & Alvim, a Cotovia ou a Relógio d’Água, que a certa altura das respectivas existências pareceram apostadas numa espécie de simplicidade levemente elaborada, ou num estilo falsamente simples), observando o ‘modus operandi’ da Penguin, parou para pensar: por que carga a Penguin compõe e imprime os seus livros assim (com aquele papel, aquelas dimensões, aquela letra miudinha, 99% em paperback livre de orelhas)? No mundo editorial português, vive-se um paradoxo: Portugal é, provavelmente (ainda não fui à Pordata verificar), o país Europeu onde mais dinheiro se gastará em encadernações de encher o olho (vamos pensar que enchem o olho e esquecer que vertem pirosice) a envolver papel de primeiríssima qualidade (grosso e branquinho como a neve), ao mesmo tempo que se leva uma eternidade a traduzir e a publicar obras de referência editadas lá fora ou, pior ainda, se ignora a existência das ditas por tempo indeterminado. É como se os editores, ciclicamente falidos e eternamente amedrontados com índices de leitura próximos do Mali, apostassem toda a prata da casa no packaging e na «qualidade do material», na secreta esperança de deslumbrar a pouco motivada mente dos nativos e de despoletar o respectivo processo de salivação à medida que observam a profusão de cores impressas em capas e badanas produzidas com a mais forte cartolina do mercado. Explicar a um português as vantagens da maleabilidade de um paperback leve, dobrável, de dimensões reduzidas, com letra miudinha, ao preço da uva mijona e como que a dizer-nos «lê o que está lá dentro e deixa-te de merdas», é tarefa equivalente a explicar a um taxista lisboeta a existência, há já algumas décadas, de um sistema de mudanças (automático e ultra-fiável) que lhe facilitaria a vida no pára-arranca citadino como ele nunca pensou ser possível. Não vale a pena.
Da mesma forma que o taxista quer continuar a exercitar centenas de vezes a perna esquerda, para baixo e para cima, o leitor português vai continuar a querer levar para casa livros, aí vem a bendita expressão, «de qualidade»: encadernação «de qualidade»», papel «de qualidade» e, claro, páginas «com leitura». «Com leitura» significa que o tamanho da fonte deverá estar ligeiramente abaixo da dimensão de parangona, não se vá dar o caso de, durante a noite, o incauto leitor acabar picado pelo bichinho da hipermetropia.
Em certa medida, compreende-se: o preço médio dos livros em Portugal conduz à reacção meio saloia do «já que paguei o que paguei, quero levar uma coisa pesada, indobrável, resistente às intempéries, que encha a estante, faça companhia, sirva de cunha numa eventualidade». Mas deixo de compreender o que quer que seja quando pego num daqueles calhamaços do Paul Johnson, da Phoenix Press, e recordo o prazer que foi manusear um livro (objecto) que foi produzido, impresso e encadernado com a única e simples pretensão de projectar nas minhas retinas milhares de caracteres economicamente aconchegados num paperback maleável, leve, de dimensões justas, e com um preço inferior a dez euros. E, verifico agora, que veio a envelhecer de forma digna e assumida.
Continua impenetrável a razão porque, em Portugal, as editoras não apostam no essencial (o conteúdo, incluindo a qualidade das traduções), sabendo que, com isso, baixariam o custo de produção dos livros (reflectindo-se essa economia no preço final ao consumidor), tornariam o objecto mais leve e mais fácil de manusear (porque mais pequeno), e contribuiriam para a consciencialização de que um livro, enquanto objecto, não tem que ser «giro» e «diferente» e «espectacular» e «indestrutível». Um livro deve ser, apenas e tão só, um livro: leve, simples, fácil de abrir, adaptável às mãos. E, claro, barato.
1 Comentários:
Muito bom!
Adorei e acho que exceto o parágrafo sb o maradona, este post deveria ser enviado a todas as editoras.
Bjos, Charles, e bom ano!
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