Cloroformização
Não querendo desalojar um espírito do conceito onde ele encontra segurança, disciplina, motivo de energia e auto-satisfação, este artigo do Pedro Marques Lopes é o mais próximo que podemos encontrar de uma anestesia (ou, se quiserem, bocejo) e de uma miopia mais ou menos induzida (retirando da corrida, por razões óbvias, os redigidos pelos indefectíveis de Sócrates, tipo Rangel, o Emídio). A tese do Pedro é óbvia mas irremediavelmente inconsequente. E não deixa de estar perpassada por um cinismo de baixa intensidade cuja intenção parece ser a de conferir à prosa uma aura de «eu é que estou a ver o filme todo e em matéria de coolness bato qualquer imberbe». Que Portugal vive num estado comatoso com empresas privadas que são mais públicas que a Paris Hilton (pela dependência económica ou por via estatutária), e em que o Estado, guiado pelo poder executivo, concorre como ninguém para a rarefacção do oxigénio que poderia manter vivas – leia-se independentes e autónomas – grande parte das empresas que perenemente pululam em torno da teta estatal (um circulo vicioso que dá armas para que o poder executivo mexa cordelinhos e promova negociatas tendo a faca e o queijo na mão), já todos estamos mais ou menos carecas de saber. Por outro lado, uma certa má-fé e um total enviesamento acabam por revelar-se quando se conclui que o movimento «Todos pela Liberdade» invocava a falta de liberdade (de imprensa, de expressão, whatever) como leitmotiv para a manifestação. Só abusivamente se poderá confundir a intenção com a eficácia. Uma coisa é a «tentativa», por parte do Eng. Sócrates e dos seus homens, de condicionar ou fazer diminuir a liberdade de imprensa e de expressão. Outra, é afirmar-se que «não existe» liberdade de expressão ou de imprensa. Acho que ninguém no movimento o afirmou. Pelo contrário: houve até oportunidade de esclarecer que não era isso. A gravidade está, também e obviamente, na «tentativa». No caso em apreço (trata-se do primeiro-ministro de um país), não pode haver lugar a rodriguinhos e a desculpas do tipo “ah e tal, toda a gente o fez, no passado, e vai continuar a fazer, de forma mais ou menos habilidosa, dada a dependência das empresas face ao Estado e à ingerência deste por via das sumptuosas golden shares, etc etc”. Bullshit. Por uma vez, deixemos de parte a bravata cínica e sarcástica e chamemos os bois pelos nomes. Condene-se sem misericórdia um acto que é abjecto, independentemente das razões (o excesso de poder não escrutinado, aliado a um sentimento de impunidade), das atenuantes (todos o fizeram no passado, embora em menor grau) e do contexto (Portugal). Não tomemos a nuvem por Juno.
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