Não vale a pena vir às seis da manhã
Miguel Esteves Cardoso, Público 14/12/2012
Ser desabafador
"Anteontem foi um dia de documentação. Fomos às Finanças (uma declaração, para dizer que não se trabalha e não se ganha ou recebe nada, custa 6 euros e tal), à Segurança Social e a uma loja de peças para comprar uma peça que é necessária para (talvez) passar a inspecção do carro, que é hoje.
A Maria João costuma fazer estas coisas sozinha, mas, desta vez, aceitou que eu a acompanhasse, como amigo, chofer e desabafador. Ser chofer é fácil, porque estou sempre ao lado dela. E, quando não estou, não chego a esperar por ela porque aproveito para ler.
Só livrá-la de estacionar foi uma dádiva. Ficar no carro é a última grande desculpa para estacionar perto de onde se quer ir. Falei com um senhor da segurança da Segurança Social que me explicou o segredo de manter a boa disposição num tempo em que tanta gente está desempregada e não recebe o subsídio do desemprego a tempo de pagar a luz: é ceder à empatia e pormo-nos no lugar delas. As pessoas aproximavam-se dele já desesperadas e ele dava-lhes esperanças concretas: "Venha amanhã entre as nove e as nove e meia da manhã para buscar a senha; não vale a pena vir às seis da manhã".
Servi, sobretudo, de desabafador. A Maria João, com justiça, queixava-se e eu ouvia. É bom ter alguém que esteja lá, de quem se goste, que ouça o nosso queixume. Mesmo que se queixe disso: não importa; já ouviu.
Começou por ser um dia chato, mas tornou-se num dia feliz. Ser o desabafador também desabafava quem é."
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