O MacGuffin: janeiro 2006

terça-feira, janeiro 31, 2006

E ele aí está

VPV. Em grande forma. Aqui: no Espectro.

"A propósito, também estive no parlamento. Seis meses, com as férias de Natal pelo meio. Não fiz nada. O grande problema era arrumar o carro (não havia ainda uma garagem especial para os senhores deputados) e, a seguir, o almoço, sempre uma aventura naquela parte do mundo. De resto, corria tudo bem. Assinava o "livro", porque a Assembleia da República não confia nos representantes da nação e espera (compreensivelmente) que eles não ponham lá os pés. Só encontrei esta solicitude, aos treze anos, no Liceu Camões. Nessa altura, passava as tardes no cinema, angustiado pela "falta". Em S. Bento, não faltava ou, pelo menos, não faltava muito. Lia os jornais, os que tinha trazido e os do Pacheco Pereira. Nunca levei um livro por causa da televisão, que aparentemente embirra com deputados que lêem livros. Fora isso, conversava e passeava pelos corredores. Passos perdidos, de facto. De quando em quando recebia instruções para votar assim ou assado. Sem um comentário. A direcção da bancada é que sabe e manda. Às quatro e meia da tarde, no mictório nacional, imemorialmente entupido, a urina já chegava à porta (consta que neste capítulo as coisas melhoraram). Às cinco e meia, derreado, voltava para casa. Uma vez por semana, na minha comissão, a Defesa, ouvia um general indescrito repetir o comunicado da USIA sobre a Bósnia. Não se permitiam perguntas. No dia em que me demiti, um bando de jornalistas, de microfone espetado, exigiu explicações."

Federer (vs Baghdatis)

Durante o encontro, treinou com notório enfado alguns drop shots. Sem nunca perder de vista, claro, que estava ali para ganhar.

Xiii, as eleições… já foram há tanto tempo

Soares
Há por aí uma edificante e comovedora tese segundo a qual o Dr. Soares foi enganado, usado, maltratado, mal aconselhado, etc., por amigos (genuínos e da onça), séquitos, jotinhas e povo socialista em geral. Há, até, aqueles que tendo votado Cavaco, declaram, agora, pesarosos, já evidenciando um excesso de fluido a caminho dos dutos nasolacrimais, que o «homem não merecia aquilo». Recorrem, por exemplo, à «digna» e «exemplar» declaração final, na noite das eleições e, como não podia deixar de ser, ao pedigree político do Dr. Soares. Longe de mim interromper o drama – que, como se sabe, faz parte do devir lusitano – mas convinha analisar a coisa com a devida prudência e, já agora, que se faz tarde, sem excrescências de novela barata. Prometo ser sintético. Primeiro: o Dr. Soares meteu-se no atoleiro de livre vontade. Foi ele que, magnânimo, mandou avisar Sócrates da sua «disponibilidade». Ninguém o empurrou para o palanque. Segundo: muitos houve que, junto dele, o avisaram. Crer que toda a minha gente o apoiou incondicionalmente e desde a primeira hora, é, no top-five da ingenuidade, o mesmo que acreditar que Alegre se candidatou exclusivamente por via das «convicções». Ou seja, uma treta. Terceiro: o Soares da «digna» declaração final é o mesmíssimo Soares do “ele nem faz ideia do que dizem dele, lá, em Bruxelas, sim que eu tenho amigos que me contam e, no fundo, ele não tem categoria, não tem formação, é um rígido, uma esfinge, e não passa de um economista razoável sem cultura que me pode vir a tirar o sono”. Quarto: Soares nada disse durante a campanha. Não adiantou uma só ideia sobre o cargo que propunha ocupar. Nem sobre o momento actual (lamentar não chega), nem sobre a Europa (sobre a falência do seu querido modelo social), nem sobre o mundo (descontando a habitual ladainha anti-bushista e anti-imperialista). Não evitou, por incapacidade ou casmurrice, o mais bafiento e requentado vocabulário ideológico. Para «animal político» com pedigree, Soares revelou-se uma nulidade. Ou, se quiserem, uma sombra de si mesmo. Quinto: a importância que, durante a campanha, Soares deu a Alegre (cuja mediocridade do discurso deveria ser mais do que suficiente para o remeter à sua condição de politico sofrível e inócuo) não só concorreu para a fatalidade como reflectiu a inexorabilidade da passagem do tempo sobre a cabeça do «senador».

Alegre
Em qualquer país com uma cultura política minimamente elevada (há poucos, eu sei), Alegre não teria passado da fasquia dos 10%. O discurso das «convicções» e do «anti-sistema» (logo ele…), aliado à imagem ficcionada de outsider com ideias próprias, teria sido chumbado à nascença. De cada vez que Alegre abriu a boca sobre questões concretas, saiu desconhecimento, disparate e ingenuidade. Mas, lá está: o povo sempre apreciou estes assomos de heroísmo com direito a «movimento de cidadãos». O velho «deslarguem-me que eu tenho que falar!»

Louçã
O discurso da noite eleitoral diz tudo sobre a personagem: um fino demagogo, dono de um palavreado elaborado que, à superfície, aparenta bom-senso, a dose q.b. de «convicção» (ai as benditas convicções!) e um razoável sentido de justiça. Na aparência, tudo aquilo funciona bem. O pior vem depois, quando se começa a dissecar o arrazoado e se percebe que tudo aquilo é fogo fátuo. Destas eleições resulta o seguinte: o BE já deu o que tinha a dar. E Louçã revelou sabê-lo enquanto insistia na propaganda histriónica, já a noite ia longa e a festa tinha acabado.

Jerónimo
Um gajo porreiro.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Vê Pê Vê

A Constança (tratamento familiar por razões de ordem diversa, incluindo as corporativas) informou o auditório da colaboração de Vasco Pulido Valente em O Espectro. Como diria Ronald Koeman, “ver para crer”.

Michael Bernard Wharton

Também, ou mais, conhecido por Peter Simple. Morreu, a 23 de Janeiro de 2006 (obituário aqui). Confesso que, não fosse um comentário em casa deste senhor há dois meses atrás, estaria agora na mesmíssima posição da generalidade (estou a ser simpático) dos escribas desta paróquia (Portugal): na mais pura e estupeficante ignorância. Natural. Em Portugal, a «estirpe» é completamente desconhecida. Causa até estranheza saber-se da existência de alguém que, durante cerca de cinquenta anos, manteve uma coluna num jornal sob a capa de uma persona, elevando a fasquia da qualidade literária em sede de jornalismo a níveis inéditos. A sagacidade, a ironia, o sarcasmo e o surrealismo com que pincelou os singularíssimos retratos da raça e natureza humanas – de onde se destaca uma endémica e quase sempre burlesca atracção pela imbecilidade – colocaram Wharton entre os maiores colunistas do século XX. Este é um momento triste. Mas feliz aquele que troca a ignorância pela tristeza.



He had a fine ear for human foolishness
por W.F. Deedes, in The Daily Telegraph

"When Michael Wharton and I worked in the Daily Telegraph office in Fleet Street, we would sometimes take lunchtime refreshment in an adjoining pub. His tipple was invariably a brandy and ginger ale. Even after a couple of these, his conversation was short on sparkle.
I never knew a man who kept what was going through his head so far apart from his conversation. Most pub talk among journalists is pretty ephemeral anyway; but we do occasionally rehearse to each other what we have in mind to put on paper. There was none of that with Wharton.
A year or two back when Wharton celebrated his 90th birthday this newspaper proposed that I visited his home in Buckinghamshire and interviewed him, since we were much the same age. It was not altogether a success, consisting as it did of a protracted version of our exchanges in the pub.
One quote from the interview I somehow wrung out of him illustrates my difficulty. We were running through some of his characters, me chattering my head off, Wharton for the most part silent, when I hit on his "sex-maniac haunted Sadcake Park." "Most of our parks today seem to be sex-maniac haunted," I observed, rather perceptively I thought.
All I got from Wharton for this shaft was a gloomy nod. Oh, come on, I said to myself, Sadcake Park is worth more than that. "A nubile woman," I persisted, "finds it increasingly difficult to cross our parks today, without being raped." "I suppose so," said Wharton.
It would be wrong from my experience of him to conclude that Wharton was a recluse. As he confesses freely in his autobiography, there were times in his life when he enjoyed getting hilariously drunk with the best of them. But like many close observers of the human race, he listened intently and he had a good ear.
When I asked him in the course of our interview which authors had influenced him and his style of writing, he replied "Evelyn Waugh, as a comic writer." There we have a clue to Wharton, for Waugh too had a wonderful ear for human foolishness. He listened, then he pounced.
Whenever I hear people laying blame on our society for some scandal, I think tenderly of Michael Wharton; for there will live on in the English language for a very long time that gem: "We are all guilty."”

Imagem do último filme dos Farrely Brothers “Dumb or Demented”


E Alegre? Leiam, por favor

Verdade e Consequência
por Vasco Pulido Valente


“A candidatura de Manuel Alegre foi uma aliança da frustração e do azedume: da gente desiludida com a direita do PS e, por maioria de razão, com o governo de Sócrates; da gente que odeia o "soarismo" e, por maioria de razão, Mário Soares; da gente que se acha vítima da "classe política" e, por maioria de razão, dos partidos; da gente que se julga o verdadeiro "povo" e, por maioria de razão, portadora do desinteresse e da virtude. Durante a campanha houve sempre um sabor pouco "poético" a sarro e a vingança. Ou, se quiserem, ao gozo da mediocridade entregue a si mesma e, por uma vez, com um pretexto para desabafar. Domingo passado, essa paródia acabou em triunfo. Mas que fazer agora que já não há uma eleição e que Soares deixou de ser o bombo da festa?
A única ideia da candidatura era o valor da sua própria existência, do velho e vácuo "nós contra eles", que se rebaptizou, por um resto de vergonha, com o nome de "movimento cívico" ou "poder do cidadão". A 23 de Janeiro, não existia, evidentemente, nada para continuar. Ora populismo (qualquer espécie de populismo, de Mussolini a Otelo) não pode parar. Se pára, morre. Só vive pela agitação e na agitação. Mais precisamente, só vive como protesto e ameaça contra o regime de que emergiu e que, em última análise, o justifica. Se Alegre, por exemplo, quiser voltar à Assembleia da República e transformar o "seu" milhão de votos num novo bando do PS, não dura dois dias. Sócrates, que percebeu logo a coisa, adiou mansamente o congresso para Outubro. Daqui até lá, calcula ele, e calcula bem, o problema desaparece por si.
Alegre também começa a ver, contrariado, o sarilho em que se meteu. Precisa, primeiro, de sair do parlamento e do PS, com uma explicação plausível. Precisa depois de uma organização (consta que vai fundar um "clube") e de algum dinheiro. E precisa de uma causa. A encomenda não é leve. Ainda, por exemplo, não lhe entrou na cabeça que seria grotesco ficar onde estava e como estava. O "clube" evita o "partido" (palavra imunda), mas desiste à cabeça, e programaticamente, do principal, o poder: e sem poder para que serve Alegre? E as causas de que os fiéis falam (o aborto, a desertificação, a pobreza, a justiça, a língua e a cultura) revelam a incompreensão absoluta do que sucedeu no dia 22. De um candidato anti-regime, quem votou nele espera um ataque radical ao regime. Tudo isto é claro e a decisão de Alegre muito simples: fugir ou não fugir às consequências do que fez.”


in Público

Vindo da UE...

"Angela Merkel: UE apenas financiará Governo Hamas se movimento reconhecer Israel".

Sim, porque as actividades terroristas podem continuar, claro.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Parece que Cavaco perdeu as eleições

É o que por aí se diz. Mas eu tenho as minhas dúvidas.

Score



Your Score:

Your scored 2.5 on the Moral Order axis and -2 on the Moral Rules axis.


Matches

The following items best match your score:

1. System: Conservatism
2. Variation: Moderate Conservatism
3. Ideologies: Capital Republicanism
4. US Parties: Republican Party
5. Presidents: George H. Bush (88.95%)
6. 2004 Election Candidates: George W. Bush (82.74%), John Kerry (75.69%), Ralph Nader (60.16%)

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Familiar

A declaração de voto de um gajo ligeiramente familiar. No obrigatório Pulo do Lobo.

«Mecanismo automático», diz ele…

O Sr. Timóteo decidiu chamar-me um nome feio. Eis a declaração:


“Ninguém explicou a este génio da arrogância [eu, Macguffin] que o crescimento económico, isto é, uma cada vez maior quantidade e qualidade de recursos à disposição do homem, é, tendencialmente, uma constante da história da humanidade, e que o que caracteriza específicamente a espécie humana é a dignidade humana, o valor nos termos do qual todos os homens são iguais e irmãos, e a vontade de realizar (ou não) este imperativo moral. Se este génio pensasse um pouco, facilmente compreenderia que, sendo o crescimento económico, isto é a crescente disponibilidade de recursos, uma constante tendencial, isto significa que se trata de uma mecanismo automático inerente à existência do homem em sociedade (…)”.


Ninguém explicou a este iluminado e sensível ser (amigo dos pobrezinhos e adepto dos imperativos morais, ao contrário de moi même) que:

a) o mecanismo está longe de ser «automático». Se fosse «automático» não haveria países em estagnação ou regressão económica, nem regiões inteiras há décadas paradas no tempo;

b) um crescimento de 5% em 50 anos é diferente de um crescimento de 20%;

c) o que caracteriza especificamente a espécie humana não é só a «dignidade humana». É, também, a inteligência, a cobiça, a moral, a mediocridade, o altruísmo, a inveja, e por aí fora;

d) não há ricos por haver pobres, nem ricos necessariamente à custa de pobres;

e) Na generalidade dos países do «primeiro mundo» e dos países em vias de desenvolvimento – os tais adeptos do capitalismo, dos estados de direito, da democracia, etc. - as estatísticas revelam que, tendencialmente, os ricos partilham uma cada vez menor fatia da totalidade dos rendimentos de cada país e que o rendimento dos menos favorecidos cresceu a um ritmo maior que a média. Mais: ao contrário do que muitos apregoam, o denominado «successful capitalism» (ou seja, o crescimento acelerado que os baixos impostos proporcionam) tem contribuído para uma redistribuição da riqueza e dos rendimentos, permitindo a subida generalizada dos níveis de vida.

f) Globalmente, no decurso do sec. XX, mais do que duplicámos a esperança média de vida. A proporção de gente com fome caiu extraordinariamente, de 35% para 18%, prevendo-se que em 2010 atingirá os 12%. Em suma, o capitalismo é, até à data, o melhor sistema na prossecução de um sem número de objectivos inalienáveis ao ser humano e às sociedades, como é o caso da criação de riqueza e da sua posterior aplicação e redistribuição. É bom não esquecer que para se (re)distribuir tem que se gerar riqueza e que esta não nasce da (re)distribuição. Ou seja, nem só de (re)distribuição vive o mundo.

Somos, por isso, globalmente, “donos” de mais saúde, segurança, educação, rendimento. O contributo do sistema capitalista, aliado à livre iniciativa e ao rule of law, só pode ser desvalorizado ou, pior ainda, combatido por idiotas chapados. Apelidar esta civilização e este modelo de disfuncional é totalmente imoral.

Convinha explicar ao Sr. Timóteo que reconhecer tudo isto não implica ou resulta no menosprezo ou no esquecimento dos pobres e desfavorecidos. Há ainda, infelizmente, 800 milhões de seres humanos com fome e estima-se em 1,2 biliões o número de pobres. Apesar destes números serem hoje menores do que há cinquenta anos atrás e, em percentagem da população total, se terem reduzido drasticamente, são ainda números sombrios a que ninguém pode ficar indiferente. Reconhecer as duas realidades não é, contudo, contradição.

Finalmente, convinha explicar a este senhor que é feio retirar frases do contexto e ler o que não está escrito. Mas estou em crer que, com o tempo, o Sr. Timóteo melhorará. Trata-se, também, de uma «constante tendencial».

Irão, irão...

"A bomba do Irão"
por Vasco Pulido Valente

"O pior pesadelo do Ocidente desde o fim da URSS é quase uma realidade: o Irão não desiste e, tarde ou cedo, se ninguém fizer nada, terá a primeira "bomba islâmica" do Médio Oriente. Essa bomba irá aparecer numa sociedade isolada, com um Estado teocrático e um Presidente radical, Mahmoud Ahmadinejad. Ahmadinejad entrou na política pela franja lunática dos "Guardas da Revolução" (a que ficou ligado) e é domesticamente um populista. Quanto à maneira como vê o mundo, basta dizer que nunca saiu do Irão, que já negou o Holocausto e se propõe arrasar Israel. Não o levar a sério seria um erro mortal. O que tomamos complacentemente por histerismo ou loucura, não passa para ele de uma evidência histórica: enquanto não expulsar e submeter o Grande Satã e os seus comparsas (Israel em primeiro ligar e a seguir a "Europa"), o islão continuará subordinado e pobre. O Egipto perdeu a guerra contra o inimigo, o Iraque também, chegou a vez de ele próprio, Ahmadinejad, tentar.

Para o Ocidente, há hoje uma única questão: quem o pára e como? E a resposta é inquietante. A diplomacia da "Europa", esse triste cortejo da Alemanha, da Inglaterra e da França, com Solana a reboque, falhou como devia falhar. Desarmada, desunida e sem sombra de vontade de resistir seja como for ou seja a quem for, a "Europa" não intimida, nem convence. O fracasso do Iraque deixou a América temporariamente incapaz de intervir. Israel só in extremis fará alguma coisa. E a ONU, de facto, não existe. Esta fraqueza ilustra uma velha verdade: qualquer demagogo à frente de um país menor pode abalar e até abater a ordem internacional, se achar que a recompensa vale o risco.

Ahmadinejad, evidentemente, acha que sim. A bomba dá ao Irão a capacidade de dominar o Médio Oriente. Bush provocou uma guerra civil no Iraque e, fora a afinidade de seita, a maioria xiita precisa de apoio. Com um regime inoperante e frágil, a Arábia Saudita não pesa muito. O Egipto, sem petróleo e dependente da América e da "Europa", não serve de contrapeso. A Síria e os principados do Golfo efectivamente não contam. E na cena crucial da Palestina, a bomba tornará Ahmadinejad um herói e um guia. Claro que grande parte do Médio Oriente, da Turquia ao Egipto, reagirá à hegemonia do Irão. Mas Bush garantiu que, esteja onde estiver, a populaça cada vez mais jovem, miserável e desesperada aclamará o Irão como a espada da justiça divina, que nenhum governo se atreverá abertamente a desafiar. Só as democracias do Ocidente, como de costume, têm os meios para evitar a catástrofe que se anuncia. Infelizmente, não têm tudo o resto."

in Público


Constança

A Constança Cunha e Sá abraçou a blogosfera. Ou terá sido ao contrário? Bem-vinda!

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Balanços 2005 (conclusão)

LIVROS

Ron Rosenbaum (editor) Those Who Forget the Past : The Question of Anti-Semitism

Roger Scruton Gentle Regrets: Thoughts From a Life

Theodore Dalrymple Our Culture, What's Left of It: The Mandarins and the Masses

James Bartholomew The Welfare State We're in: The Failure of the Welfare State

Samuel Brittan Against The Flow

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Balanços 2005

MÚSICA

Discos do Ano

(vertical dance) LCD Soundsystem LCD Soundsystem

(horizontal dance) Fat Freddys Drop Based On A True Story

(soul/funk como já não se fazia há bué) Sharon Jones and The Dap-Kings Naturally

(pop delico-doce) Hanne Hukkelberg Little Things

(pop do bom) Jens Lekman When I Said I Wanted To Be Your Dog

(florzinha) Antony and The Johnsons I am A Bird Now

(do mundo) June Tabor At the Wood's Heart

(azuis) Ernesto A New Blues

(da pedra) Devendra Banhart Cripple Crow

(cru) Bonnie ‘Prince’ Billy Summer in the Southeast

(e agora para algo completamente diferente) Animal Collective Feels

Concerto do Ano

June Tabor, Teatro Aveirense

segunda-feira, janeiro 09, 2006

A cabeça do Dr. Boaventura Sousa Santos está cheia de serradura

Contrariamente ao que supunha ser verdade, sempre se vai aprendendo alguma coisa com o Prós e Contras (segundas-feiras, érre tê pê um). Durante a última edição do programa (2 de Janeiro de 2006, ou seja, há uma semana atrás), dei por mim a pensar na quantidade de depoimentos, testemunhos e análises que me têm passado ao lado por ter escolhido entreténs mais rasteiros (ler umas merdices do Borges, por exemplo) em detrimento da companhia da inefável Fátinha Campos Ferreira e dos seus ilustres convidados.

A sério: a emissão de 2 de Janeiro foi memorável. Não pelo tema em apreço - pela cagagésima vez, «Portugal» (naquele que é já o mais popular desporto nacional, depois do futebol) – mas pelos convidados. Presentes estiveram Maria Filomena Mónica, José Pacheco Pereira, Miguel Portas e Boaventura Sousa Santos. De todos, Boaventura Sousa Santos era, por assim dizer, o menos conhecido. Pelo menos, o menos televisionado. A minha já enferma atenção recaiu, por isso, sobre a performance do ilustre sociólogo (se Maria Filomena Mônica e Pacheco Pereira eram muito cá de casa e Miguel Portas é o que se sabe, Boaventura Sousa Santos era a incógnita da noite).

Como produto «académico», Boaventura Sousa Santos é um perfeito anorm…, perdão, híbrido. É, essencialmente, um blend de duas culturas ou tradições um tanto ou quanto antagónicas: por um lado, a velha tradição escolástica portuguesa, enfatuada e afectada, embora pingarelha, avarenta e avessa a influências externas; por outro, a nouvelle vague académica neo-marxista, aglutinadora de experiências e manifestos transnacionais, expoente máximo na reformulação da velha fábula marxista (a dos «capitalistas» mais a «burguesia» a oprimir o bom do povo). Tudo sob a égide das «novas ordens» e respectivos «paradigmas». Para disfarçar e conferir à coisa um ar minimamente respeitável, certos corredores «académicos» deram à luz um sem número de doutrinas seríssimas (leia-se «abstrusas»), empenhadas em contrariar ou baralhar o princípio metafísico de Leibniz, segundo o qual uma coisa complicada tem que ser composta de partes simples. Portugal, como não podia deixar de ser, não foi imune à onda estruturalista, pós-estruturalista, desconstrucionista, pós-modernista, etc. As coisas mais simples tinham que parecer complicadas e as complicadas tinham que se embrulhar em papel pardo.

A juntar à empresa, ensaiaram-se certos truques de retórica que, não raras vezes, falharam redonda e hilariantemente, fazendo jus à velha expressão “gato escondido, rabo de fora”. À tentativa de expurgar do discurso «académico» certas expressões ou chavões outrora catequizadas e de má memória, temos assistido à desastrosa libertação do velho bafio lexical: as «massas», o «proletariado», a «burguesia», os «explorados» e «vencidos», os «capitalistas», etc. Em Boaventura Sousa Santos, é longo e viscoso o lastro. O seu discurso é toda uma galeria de estereótipos enraizados em «estruturas» que se equilibram em «triângulos», que por sua vez obedecem a «vértices» por onde se movimentam três ou quatro actores colectivos, «homogéneos» e sem rosto: as elites (intelectuais e materiais), o povo (inocente e bom por definição) e, está claro, uns bravos e iluminados sociólogos que andam a topar a marosca vai para décadas, quiçá séculos. E a urdidura explica-se assim: as ignaras elites andam a lixar o bom do povo desde que o homem é homem, apoiadas, há mais de um século, num sistema cruel e brutal que tem servido de catalizador para as «desigualdades sociais». Repare-se que, para Boaventura Sousa Santos, as «elites» são de outro planeta e vivem em universos estanques. Foram aqui colocadas sob o alto patrocínio da American Express com o intuito de enganar o povo, o qual, se pudesse, há muito tinha tomado conta disto, para gáudio da «humanidade» (embora, é bom lembrar, a esperança seja a última a morrer). Para provar a tese, Boaventura Sousa Santos serve-se da infalível «estatística»: o fosso entre os mais pobres e os mais ricos aumentou (horror!) e uma pequeníssima percentagem da população detém uma monstruosa parcela da riqueza (Armagedão, já!).

Imagine-se, então, um país com uma população de 100. Há vinte anos atrás, era este o cenário:

- 30 viviam com 1€/dia;
- 40 com 10€/dia;
- 20 com 50€/dia;
- 10 com 100€/dia.

Passados vinte anos, e tendo como premissa uma taxa de inflação no período igual a zero, a situação era a seguinte:

- 10 viviam com 1€/dia;
- 10 com 5€/dia
- 20 com 15€/dia
- 40 com 30€/dia
- 10 com 70€/dia
- 10 com 200€/dia

Boaventura Sousa Santos parece ser incapaz de perceber o óbvio: embora 1) a variância tenha aumentado no segundo cenário; e 2) o fosso entre os mais ricos e os mais pobres se tenha alargado; vinte anos depois o cenário é francamente melhor. O exemplo é simplista mas serve sobretudo para enfatizar aquilo que, de facto, se tem passado, e que meio mundo está careca de saber e a outra metade parece não querer enfrentar, não se lhe escape o leitmotiv: o capitalismo aliado ao liberalismo (político e não só) e à democracia foi responsável, aqui como em boa parte do mundo, por uma melhoria surpreendente de todos os indicadores que servem para caracterizar o bem estar humano: a esperança média de vida; a mortalidade infantil; os níveis de literacia; etc. etc. Sim, Portugal é ainda um país «pobre», mas só um idiota chapado se atreve a dizer que, em perspectiva, regredimos ou que, não tendo havido «regressão», o crescente número de Ferraris e Porsches que rodam no democrático macadame são um sinal claro de crescentes índices de indigência ou de «desigualdade», com base em correlações perfeitas e infalíveis. Se Boaventura Sousa Santos entende o óbvio então não passa de um demagogo, sempre pronto a acenar com a estatística-de-vão-de-escada para consumo de incautos, demagogos ou ignorantes. Mas estou em crer que não se trata de demagogia. É apenas um vulgar caso de obstipação intelectual.
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