E Alegre? Leiam, por favor
Verdade e Consequência
por Vasco Pulido Valente
in Público
por Vasco Pulido Valente
“A candidatura de Manuel Alegre foi uma aliança da frustração e do azedume: da gente desiludida com a direita do PS e, por maioria de razão, com o governo de Sócrates; da gente que odeia o "soarismo" e, por maioria de razão, Mário Soares; da gente que se acha vítima da "classe política" e, por maioria de razão, dos partidos; da gente que se julga o verdadeiro "povo" e, por maioria de razão, portadora do desinteresse e da virtude. Durante a campanha houve sempre um sabor pouco "poético" a sarro e a vingança. Ou, se quiserem, ao gozo da mediocridade entregue a si mesma e, por uma vez, com um pretexto para desabafar. Domingo passado, essa paródia acabou em triunfo. Mas que fazer agora que já não há uma eleição e que Soares deixou de ser o bombo da festa?
A única ideia da candidatura era o valor da sua própria existência, do velho e vácuo "nós contra eles", que se rebaptizou, por um resto de vergonha, com o nome de "movimento cívico" ou "poder do cidadão". A 23 de Janeiro, não existia, evidentemente, nada para continuar. Ora populismo (qualquer espécie de populismo, de Mussolini a Otelo) não pode parar. Se pára, morre. Só vive pela agitação e na agitação. Mais precisamente, só vive como protesto e ameaça contra o regime de que emergiu e que, em última análise, o justifica. Se Alegre, por exemplo, quiser voltar à Assembleia da República e transformar o "seu" milhão de votos num novo bando do PS, não dura dois dias. Sócrates, que percebeu logo a coisa, adiou mansamente o congresso para Outubro. Daqui até lá, calcula ele, e calcula bem, o problema desaparece por si.
Alegre também começa a ver, contrariado, o sarilho em que se meteu. Precisa, primeiro, de sair do parlamento e do PS, com uma explicação plausível. Precisa depois de uma organização (consta que vai fundar um "clube") e de algum dinheiro. E precisa de uma causa. A encomenda não é leve. Ainda, por exemplo, não lhe entrou na cabeça que seria grotesco ficar onde estava e como estava. O "clube" evita o "partido" (palavra imunda), mas desiste à cabeça, e programaticamente, do principal, o poder: e sem poder para que serve Alegre? E as causas de que os fiéis falam (o aborto, a desertificação, a pobreza, a justiça, a língua e a cultura) revelam a incompreensão absoluta do que sucedeu no dia 22. De um candidato anti-regime, quem votou nele espera um ataque radical ao regime. Tudo isto é claro e a decisão de Alegre muito simples: fugir ou não fugir às consequências do que fez.”
in Público
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