"O Expresso"
por Vasco Pulido Valente
"Ao fim de mais de vinte anos, José António Saraiva levou o proverbial "pontapé para cima" e saiu do Expresso. O Expresso nasceu, durante a ditadura, por favor pessoal de Marcello Caetano. Marcello não queria "alienar" os "jovens liberais" que ao princípio o haviam apoiado e, quando eles se afastaram, para os conservar na periferia do regime, deixou que eles fizessem uma "associação independente" (a Sedes, que já morreu) e um jornal, o Expresso, que ainda existe. Muito diferente da imprensa da oposição clássica (a República, o Diário de Lisboa), bem informado, "moderno", subtil, antes de 74, o Expresso foi o símbolo e a esperança de uma vida democrática. Toda a gente o lia: em Portugal, em Angola, em Moçambique, na Guiné ou no exílio. Era o jornal que a história naquela altura pedia.
Veio a revolução e, a seguir, o PREC e o período confuso da tutela militar. O Expresso mudou. Balsemão e Marcelo (Rebelo de Sousa) foram para o Governo e nunca mais voltaram. A pretexto de uma "independência" dúbia, o jornal não passava de um saco onde cabia, e se metia, tudo: o bom e o mau, a esquerda e a direita, a notícia e o frete. Não por acaso, José António Saraiva chegou nesse momento a director. Perfeita encarnação da vacuidade, não incomodava ninguém. Pouco a pouco, o único objectivo do Expresso acabou por se tornar vender "papel" e ganhar dinheiro. A qualidade caiu e voltou a cair. Pouco a pouco, o 1.º caderno começou a roçar o vergonhoso: com informação da véspera, sem opinião e sem análise. Os suplementos, tirando o Actual e a Única, são molhos de publicidade "especializada"; e o Actual e a Única, os dois sobre o mortiço, raramente, aqui e ali, sobem acima da vulgaridade. O Expresso hoje não se lê. Hoje o Expresso é para folhear, e "leva" dez minutos.
Mas, se isto é verdade, então como sobreviveu o Expresso ao Semanário e a O Independente? Primeiro, pela sua prioridade e o prestígio acumulado antes de 74. Depois, porque o Semanário e O Independente, com um apoio financeiro precário, tinham fins políticos puramente tácticos e se esgotaram com eles. O mistério não está aí. O mistério está na fidelidade ao Expresso da classe média portuguesa (cuja iliteracia ele provavelmente reflecte) e na razão por que não apareceu, nem aparece, o concorrente sério de que o país precisa. A remoção de Saraiva é um sintoma de fracasso ou de fraqueza e a oportunidade é agora clara. Quem se arrisca?"
in Público
"Ao fim de mais de vinte anos, José António Saraiva levou o proverbial "pontapé para cima" e saiu do Expresso. O Expresso nasceu, durante a ditadura, por favor pessoal de Marcello Caetano. Marcello não queria "alienar" os "jovens liberais" que ao princípio o haviam apoiado e, quando eles se afastaram, para os conservar na periferia do regime, deixou que eles fizessem uma "associação independente" (a Sedes, que já morreu) e um jornal, o Expresso, que ainda existe. Muito diferente da imprensa da oposição clássica (a República, o Diário de Lisboa), bem informado, "moderno", subtil, antes de 74, o Expresso foi o símbolo e a esperança de uma vida democrática. Toda a gente o lia: em Portugal, em Angola, em Moçambique, na Guiné ou no exílio. Era o jornal que a história naquela altura pedia.
Veio a revolução e, a seguir, o PREC e o período confuso da tutela militar. O Expresso mudou. Balsemão e Marcelo (Rebelo de Sousa) foram para o Governo e nunca mais voltaram. A pretexto de uma "independência" dúbia, o jornal não passava de um saco onde cabia, e se metia, tudo: o bom e o mau, a esquerda e a direita, a notícia e o frete. Não por acaso, José António Saraiva chegou nesse momento a director. Perfeita encarnação da vacuidade, não incomodava ninguém. Pouco a pouco, o único objectivo do Expresso acabou por se tornar vender "papel" e ganhar dinheiro. A qualidade caiu e voltou a cair. Pouco a pouco, o 1.º caderno começou a roçar o vergonhoso: com informação da véspera, sem opinião e sem análise. Os suplementos, tirando o Actual e a Única, são molhos de publicidade "especializada"; e o Actual e a Única, os dois sobre o mortiço, raramente, aqui e ali, sobem acima da vulgaridade. O Expresso hoje não se lê. Hoje o Expresso é para folhear, e "leva" dez minutos.
Mas, se isto é verdade, então como sobreviveu o Expresso ao Semanário e a O Independente? Primeiro, pela sua prioridade e o prestígio acumulado antes de 74. Depois, porque o Semanário e O Independente, com um apoio financeiro precário, tinham fins políticos puramente tácticos e se esgotaram com eles. O mistério não está aí. O mistério está na fidelidade ao Expresso da classe média portuguesa (cuja iliteracia ele provavelmente reflecte) e na razão por que não apareceu, nem aparece, o concorrente sério de que o país precisa. A remoção de Saraiva é um sintoma de fracasso ou de fraqueza e a oportunidade é agora clara. Quem se arrisca?"
in Público