"O bom aluno"
por Vasco Pulido Valente
"A semana passada, no meio do alarido da campanha autárquica, Rui Machete, antigo presidente do PSD e parceiro do PS no Bloco Central, figura grave e "moderado" de profissão, publicou um artigo muito curioso. Inquieto com o futuro do regime, Rui Machete, saindo por uma vez do seu papel de pilar da ordem, propunha uma revisão constitucional que tornasse o Governo dependente da confiança política de Belém e desse ao Presidente o direito de assistir ao Conselho de Ministros. De toda a evidência, Machete acha hoje que Cavaco deve mandar em Portugal, coisa que nem sempre achou. Mas com certeza sabe que a esquerda nunca aceitaria "presidencializar" a República e muito menos para favorecer Cavaco. A sugestão é, portanto, gratuita, a não ser que no fundo de si próprio Machete queira (e juro que não quer) um golpe militar.
Infelizmente, na ausência de uma revisão, fica o problema essencial: como vai Cavaco mandar na pátria com os poucos poderes que a lei com relutância lhe atribui? De fora, e falando duas vezes por ano, produziu sempre uma grande comoção jornalística, mesmo com as patéticas banalidades da "moeda boa" e da "moeda má". Lá dentro, a falar pelos cotovelos, ninguém o irá ouvir por muito tempo. A famosa "influência" só existe para quem se deixa influenciar e até Cavaco, que não se deixou influenciar, não tem (espero) ilusões sobre isso.
Para mandar, Cavaco precisa, em suma, de um partido. Do PSD? Aceitemos, por hipótese, que ele toma conta do PSD e, correndo com Marques Mendes (um osso duro de roer), instala a sua gente: Dias Loureiro, Ferreira Leite ou António Borges. Dali em diante, desce de Belém à praça pública: a impopularidade do Governo é também a dele e ele fica dependente de uma situação que só em parte e de muito longe controla. Não vejo Cavaco, com a sua vaidade e a sua prudência, a cair numa armadilha dessas. Mas, se não for o PSD, então o quê? Um partido presidencial? Um partido presidencial é uma declaração de guerra aos partidos que existem (a todos, PSD incluído) e, em última análise, um instrumento para subverter e liquidar o regime. Cavaco nunca irá tão longe. Nada na sua vida anuncia um fôlego de revolucionário. Pelo contrário, Cavaco é o modelo do "bom aluno" e, em Belém, como de costume, será um "bom aluno". Obediente à lei, atento e cumpridor. A fantasia do "presidencialismo" não vem dele e, se o lisonjeia, não o atrai."
in Público
"A semana passada, no meio do alarido da campanha autárquica, Rui Machete, antigo presidente do PSD e parceiro do PS no Bloco Central, figura grave e "moderado" de profissão, publicou um artigo muito curioso. Inquieto com o futuro do regime, Rui Machete, saindo por uma vez do seu papel de pilar da ordem, propunha uma revisão constitucional que tornasse o Governo dependente da confiança política de Belém e desse ao Presidente o direito de assistir ao Conselho de Ministros. De toda a evidência, Machete acha hoje que Cavaco deve mandar em Portugal, coisa que nem sempre achou. Mas com certeza sabe que a esquerda nunca aceitaria "presidencializar" a República e muito menos para favorecer Cavaco. A sugestão é, portanto, gratuita, a não ser que no fundo de si próprio Machete queira (e juro que não quer) um golpe militar.
Infelizmente, na ausência de uma revisão, fica o problema essencial: como vai Cavaco mandar na pátria com os poucos poderes que a lei com relutância lhe atribui? De fora, e falando duas vezes por ano, produziu sempre uma grande comoção jornalística, mesmo com as patéticas banalidades da "moeda boa" e da "moeda má". Lá dentro, a falar pelos cotovelos, ninguém o irá ouvir por muito tempo. A famosa "influência" só existe para quem se deixa influenciar e até Cavaco, que não se deixou influenciar, não tem (espero) ilusões sobre isso.
Para mandar, Cavaco precisa, em suma, de um partido. Do PSD? Aceitemos, por hipótese, que ele toma conta do PSD e, correndo com Marques Mendes (um osso duro de roer), instala a sua gente: Dias Loureiro, Ferreira Leite ou António Borges. Dali em diante, desce de Belém à praça pública: a impopularidade do Governo é também a dele e ele fica dependente de uma situação que só em parte e de muito longe controla. Não vejo Cavaco, com a sua vaidade e a sua prudência, a cair numa armadilha dessas. Mas, se não for o PSD, então o quê? Um partido presidencial? Um partido presidencial é uma declaração de guerra aos partidos que existem (a todos, PSD incluído) e, em última análise, um instrumento para subverter e liquidar o regime. Cavaco nunca irá tão longe. Nada na sua vida anuncia um fôlego de revolucionário. Pelo contrário, Cavaco é o modelo do "bom aluno" e, em Belém, como de costume, será um "bom aluno". Obediente à lei, atento e cumpridor. A fantasia do "presidencialismo" não vem dele e, se o lisonjeia, não o atrai."
in Público
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