O MacGuffin

domingo, novembro 09, 2003

NÃO HÁ PACIÊNCIA
Carlos Zorrinho, político socialista e professor universitário (ex de moi même), pessoa íntegra e atenta, escreveu no Diário do Sul (um jornal regional de Évora):

”A democracia portuguesa vive tempos difíceis e geradores de enormes dilemas para aqueles que fazem da sua defesa, o combate cívico crucial. Um desses dilemas, é aquele que faz opor na actual conjuntura, justiça e representação, dois pilares determinantes da matriz democrática. A incapacidade de lidar com esse dilema, tem vindo mesmo a fragilizar a acção política do maior partido da oposição, com óbvio prejuízo para a regulação e controlo do exercício do poder em Portugal. (...) Continuo a pensar que o objectivo final de quem se apraz a lançar areia na engrenagem do processo Casa Pia é a implosão da investigação sem denúncia nem descoberta dos verdadeiros implicados.”

Carlos Zorrinho tem meia razão: notou-se uma incapacidade em lidar com um facto. Não com um dilema. Com um facto: a prisão preventiva de um político no activo. E a incapacidade foi toda do próprio Partido Socialista.
Carlos Zorrinho perdoar-me-á a franqueza, mas já não há pachorra para esta retórica dos “tempos difíceis”, da “crise”, do “lançar areia” e dos “dilemas” da democracia portuguesa. Não há crise na democracia portuguesa. Há uma crise económica. Pode haver uma crise de valores. Mas a democracia portuguesa, e o Estado de Direito, estão bem e recomendam-se (apesar dos defeitos e do caminho a percorrer). Ou já não há memória?
Carlos Zorrinho pode ter toda a convicção do mundo na inocência de Paulo Pedroso. Mas a sua convicção, ou a de Ferro Rodrigues, não pode extravasar para a esfera política ou judicial. Essas convicções têm de ser geridas com parcimónia e discrição por parte de quem tem responsabilidades políticas. Ou seja, por parte de quem tem o dever de zelar pelo tranquilo funcionamento das diversas instituições. Não pode ser aventada a ideia, como Carlos Zorrinho parece querer fazer, de que “os verdadeiros implicados” ainda estão a monte. Eu não sei. Carlos Zorrinho também não. 99,99% da população portuguesa não conhece Paulo Pedroso. 99,99% da população portuguesa não conhece, nem tem de conhecer, os fundamentos dessas “profundas convicções”. 99,99% da população aguarda o desfecho do caso no local onde deve ter lugar: nos tribunais. Não nas cabeças dos lideres socialistas, no Largo do Rato ou na Assembleia da República. É isso que significa vivermos num Estado de Direito. Foi esse “extravasar” e foi essa “incapacidade em lidar com” que colocaram o PS numa situação difícil, após sucessivos tiros no pé, carapuças enfiadas despropositada e desnecessariamente, e a revelação de uma falta de sentido de Estado gritante.
Em perspectiva, o PS parece nunca ter-se refeito da hecatombe da noite das eleições autárquicas, seguida de um simples e normal facto em democracia: os portugueses escolheram outro partido para governar. O PS tem de perceber que o actual governo está a cumprir um mandato de quatro anos e que de pouco servem essas insinuações demagógicas e desesperadas do «neo-fascismo», «neo-liberalismo» e «neo-conservadorismo». Não passam de slogans gratuitos, próprias de outra esquerda, da qual o PS parece não querer descolar-se.
Hoje, Ferro Rodrigues voltou a falar das “tantas aberturas de telejornais contra mim.” Este discurso é triste, ridículo e infantil. Seria bom que Ferro Rodrigues lesse a parte final do artigo de Carlos Zorrinho:

“Neste caso, no entanto, com lucidez, o dilema pode dar origem a um jogo de soma positiva, dando á justiça o que é da justiça e à política o que é da política, esperando da justiça o apuramento da verdade sobre o processo Casa Pia e da política o julgamento democrático da governação e das suas consequências”.

É isso mesmo, Dr. Carlos Zorrinho.

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