HITCH
Eu não engano ninguém com o meu nickname: MacGuffin. Sei que não consigo passar sem o Otto Preminger, o Fritz Lang, o Billy Wilder ou o John Huston. Mas Alfred Hitchcock será sempre um caso especial. Por exemplo: estou recorrentemente a lembrar-me dos seus filmes. Mesmo os «menores» (há menores?). Ontem lembrei-me de Lifeboat (“Um barco e nove destinos”, 1944). Lifeboat é, juntamente com Rope e Rear Window, um dos filmes em que Hitchcock filma recorrendo a um único cenário, numa aparente mas falsa «simplicidade» formal.
Lifeboat conta a história de nove sobreviventes de um naufrágio, provocado pelo bombardeamento de um navio norte-americano por um submarino alemão. Nove personagens – todas diferentes e complexas - são empurradas para cima de um bote salva-vidas, e «obrigadas» a conviver entre si. Entre eles, encontra-se Willy (Walter Slezak): o alemão que dirigia o submarino. Willy, escondendo a sua identidade, revela-se o mais inteligente, forte e confiante de todos. Com o passar do tempo, as restantes 8 personagens deixam que Willy passe a comandar o bote. E Willy fá-lo com uma intenção: conduzi-los na direcção de um navio alemão. Mais tarde, retirada a máscara e descoberta a sua identidade, Willy acaba a ser linchado pelos outros passageiros.
O filme gerou muita controvérsia em 1944/45. Houve quem tivesse acusado Hitchcock de propaganda, houve quem o tivesse acusado de tentar nivelar moralmente tudo e todos (uma vez que os defeitos e os tiques dos outros passageiros também não eram escamoteados). Houve, ainda, quem tivesse insinuado que, com a sequência do linchamento (uma sequência particularmente brutal), Hitchcock quisesse dizer que os que têm razão (os 8 que estavam a ser enganados) a podem perder.
Pela minha parte, vislumbrei sempre uma parábola politico-filosófica, na forma como, perante a aparente superioridade, tenacidade e racionalidade de Willy, os restantes (na sua maioria uns pobres coitados) fizeram repousar nas suas mãos os seus próprios destinos. E foi então que me lembrei de Isaiah Berlin. Mais concretamente, de uma carta sua dirigida a George Kennan, como resposta ao comentário deste em relação ao seu livro Political Ideias in the Twentieth Century (mais tarde incluído no livro Four Essays On Liberty):
”When armies were slaughtered by other armies in the course of history, we might be appalled by the carnage and turn pacifist; but our horror acquires a new dimension when we read about children, or for that matter grown-up men and women, whom the Nazis loaded into trains bound for gas chambers, telling them that they were going to emigrate to some happier place. Why does this deception, which may in fact have diminished the anguish of the victims, arouse a really unutterable kind of horror in us? The spectacle, I mean, of the victims marching off in happy ignorance of their doom amid the smiling faces of their tormentors? Surely because we cannot bear the thought of human beings denied their last rights – of knowing the truth, of acting with at least the freedom of the condemned, of being able to face their destruction with fear or courage, according to their temperaments, but at least as human beings, armed with the power of choice. It is the denial to human beings of the possibility of choice, the getting them into one’s power, the twisting them this way and that in accordance with one’s whim, the destruction of their personality by creating unequal moral terms between the gaoler and the victim, whereby the gaoler knows what he is doing, and why, and plays upon the victim, i. e. treats him as a mere object and not as a subject whose motives, views, intentions have any intrinsic weight whatever – by destroying the very possibility of his having views, notions of a relevant kind – that is what cannot be borne at all.”
É esse engano, esse logro e esse artifício, levado a cabo por homens com capacidade para o fazer contra outros, que esteve tão presente naquilo que, há dias, eu escrevia sobre o Sec. XX: “um século pontuado por desastres resultantes não tanto dos problemas mas sim das soluções, não tanto de forças alheias à vontade humana mas de ideias e de acções ditadas pelas ideias.”
Eu não engano ninguém com o meu nickname: MacGuffin. Sei que não consigo passar sem o Otto Preminger, o Fritz Lang, o Billy Wilder ou o John Huston. Mas Alfred Hitchcock será sempre um caso especial. Por exemplo: estou recorrentemente a lembrar-me dos seus filmes. Mesmo os «menores» (há menores?). Ontem lembrei-me de Lifeboat (“Um barco e nove destinos”, 1944). Lifeboat é, juntamente com Rope e Rear Window, um dos filmes em que Hitchcock filma recorrendo a um único cenário, numa aparente mas falsa «simplicidade» formal.
Lifeboat conta a história de nove sobreviventes de um naufrágio, provocado pelo bombardeamento de um navio norte-americano por um submarino alemão. Nove personagens – todas diferentes e complexas - são empurradas para cima de um bote salva-vidas, e «obrigadas» a conviver entre si. Entre eles, encontra-se Willy (Walter Slezak): o alemão que dirigia o submarino. Willy, escondendo a sua identidade, revela-se o mais inteligente, forte e confiante de todos. Com o passar do tempo, as restantes 8 personagens deixam que Willy passe a comandar o bote. E Willy fá-lo com uma intenção: conduzi-los na direcção de um navio alemão. Mais tarde, retirada a máscara e descoberta a sua identidade, Willy acaba a ser linchado pelos outros passageiros.
O filme gerou muita controvérsia em 1944/45. Houve quem tivesse acusado Hitchcock de propaganda, houve quem o tivesse acusado de tentar nivelar moralmente tudo e todos (uma vez que os defeitos e os tiques dos outros passageiros também não eram escamoteados). Houve, ainda, quem tivesse insinuado que, com a sequência do linchamento (uma sequência particularmente brutal), Hitchcock quisesse dizer que os que têm razão (os 8 que estavam a ser enganados) a podem perder.
Pela minha parte, vislumbrei sempre uma parábola politico-filosófica, na forma como, perante a aparente superioridade, tenacidade e racionalidade de Willy, os restantes (na sua maioria uns pobres coitados) fizeram repousar nas suas mãos os seus próprios destinos. E foi então que me lembrei de Isaiah Berlin. Mais concretamente, de uma carta sua dirigida a George Kennan, como resposta ao comentário deste em relação ao seu livro Political Ideias in the Twentieth Century (mais tarde incluído no livro Four Essays On Liberty):
”When armies were slaughtered by other armies in the course of history, we might be appalled by the carnage and turn pacifist; but our horror acquires a new dimension when we read about children, or for that matter grown-up men and women, whom the Nazis loaded into trains bound for gas chambers, telling them that they were going to emigrate to some happier place. Why does this deception, which may in fact have diminished the anguish of the victims, arouse a really unutterable kind of horror in us? The spectacle, I mean, of the victims marching off in happy ignorance of their doom amid the smiling faces of their tormentors? Surely because we cannot bear the thought of human beings denied their last rights – of knowing the truth, of acting with at least the freedom of the condemned, of being able to face their destruction with fear or courage, according to their temperaments, but at least as human beings, armed with the power of choice. It is the denial to human beings of the possibility of choice, the getting them into one’s power, the twisting them this way and that in accordance with one’s whim, the destruction of their personality by creating unequal moral terms between the gaoler and the victim, whereby the gaoler knows what he is doing, and why, and plays upon the victim, i. e. treats him as a mere object and not as a subject whose motives, views, intentions have any intrinsic weight whatever – by destroying the very possibility of his having views, notions of a relevant kind – that is what cannot be borne at all.”
É esse engano, esse logro e esse artifício, levado a cabo por homens com capacidade para o fazer contra outros, que esteve tão presente naquilo que, há dias, eu escrevia sobre o Sec. XX: “um século pontuado por desastres resultantes não tanto dos problemas mas sim das soluções, não tanto de forças alheias à vontade humana mas de ideias e de acções ditadas pelas ideias.”
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