O MacGuffin

quarta-feira, novembro 05, 2003

VARGAS LLOSA
No dia em que Mário Vargas Llosa esteve em Portugal, recebi um mail com o seguinte link. Nem de propósito.
Vargas Llosa falou, entre outras coisas, do perigo das utopias sociais, do espartilho que constituem as ideologias, das soluções supostamente perfeccionistas, mas potencialmente perigosas, aplicadas às sociedades. Vargas Llosa é um excelente escritor que insiste na lucidez e no desassombramento quando se debruça sobre questões políticas. Dirão alguns: conversa démodé, desnecessária, deslocada no tempo. Nada de mais errado.
Basta uma visita mais ou menos fugaz à história das ideias políticas (de Mably a Marx, passando por Babeuf, Saint-Simon ou Fourier) para nos apercebermos de que anda por aí muito boa gente entretida com exercícios de revisitação político-filosófica, socorrendo-se das mesmíssimas ideias responsáveis por um século (o XX) pontuado por desastres resultantes não tanto dos problemas mas sim das soluções, não tanto de forças alheias à vontade humana mas de ideias e de acções ditadas pelas ideias.
A intervenção de Vargas Llosa é tanto mais pertinente quanto mais nos debruçamos sobre a origem deste ressurgimento: as elites académicas e todo o milieu de intelectuais da esquerda mais radical que orbita à sua volta. É no seio das supostamente esclarecidas elites académicas europeia e americana - completa e alegremente analfabetas em matéria de filosofia política «hostil» (nunca leram uma linha de Oakeshott, Berlin, Hayek, Schumpeter, Popper, Aron ou Strauss, embora insistam, no caso de Strauss, em crucificá-lo a título póstumo) – é no seio destas elites, dizia, que assistimos ao ressurgimento de velhas ideias, incluindo aquilo a que Tom Wolfe denominava de Marxismo Rocócó, no seu livro Hooking Up. São estas elites que promovem Babeuf, atacando a propriedade e estigmatizando o papel do sector privado. São estas elites, e estes intelectuais, que exaltam Saint-Simon, sustentado uma fé inabalável na organização e planificação racional do sector produtivo, distributivo e científico, levada a cabo por seres supostamente superiores e esclarecidos (cientistas, intelectuais, industriais e artistas), responsáveis, mais tarde ou mais cedo, pela reconciliação dos seres humanos (como se os “seres humanos” fossem uma massa anónima e abstracta de objectivos e interesses homogéneos). São estas elites que, mais ou menos descaradamente, tentam propagar no campus o velho e bom marxismo quando, mesmo disfarçando com o abandono da ideia da «revolução», desejam, prevêem e amplificam a falência total do sistema capitalista, apontando-lhe os defeitos, tomando a árvore pela floresta, incitando ao ódio e ao maniqueísmo, recorrendo a slogans e gritos de luta (“Somos todos terroristas contra o império neo-fascista!”). Já para não falar do uso e do abuso do relativismo quando, por exemplo, perante a evidência da falência do modelo socialista, ainda recorrem, na esteira de Thomas Khun, aos paradigmas relativizantes, em que a tradicional frase “contra factos não há argumentos” foi substituida por outra: “contra factos há... paradigmas".
Vargas Llosa faz muito bem em tocar no assunto (omnipresente na sua última obra). Da mesma forma que a esquerda democrática e civilizada enche a boca para, e muito bem, denunciar Haider, Le Pen e o ressurgimento de ideias xenófobas e populistas no seio da sofisticada Europa, seria bom que olhasse para o seu lado e denunciasse, na mesma medida e com a mesma veemência, a forma como se assiste a uma espécie de retorno do radicalismo de esquerda, servido por velhas e nefastas ideias. Tão ou mais perigosas que o Sr. Le Pen. Já foram ao supracitado site?

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