AS RAZÕES DO ESTADO
O meu amigo Maradona (que eu trato carinhosamente por ‘mano’) é incapaz de esconder o seu lado conservador. O seu ‘post’ sobre os incêndios, as florestas e o ordenamento do território (não necessariamente por esta ordem), espelha na prática a diferença entre um pensamento liberal e um pensamento conservador. Escreve o Maradona: “Sucede que existem coisas, meia dúzia delas, que quero ver sob a alçada estrita e bruta de um Estado Central despótico! E entre essa meia dúzia está o ordenamento do território, nomeadamente no que concerne (sim, utilizei a palavra "concerne", que é das palavras feias aquela que eu gosto mais) ao povoamento animal e vegetal dos territórios sob a alçada de cada Estado Central.
Acredito que o Estado Central é o único garante contra a miopia de quem, legitimamente, apenas pode pensar nas possibilidades de lucro no mais breve espaço de tempo possivel; que é ele também a única âncora contra a profunda especialização técnica que qualquer tipo de actividade que envolva a exploração dos bens que a natureza nos proporcionou exigem!”
Percebo o Maradona – e concordo, em parte, com ele. Mas eu tenho uma costela liberal que me vai moendo. Uma costela que vai resmungando com o meu temperamento conservador. Embora com o passar dos anos ela tenha vindo a acomodar-se, ameaçada que foi com uma intervenção cirúrgica, de quando em vez volta à carga. E mói – silenciosa e insidiosamente. Desta vez, a dita obriga-me a colocar a questão que importa colocar: e se o Estado Central – o tal Estado forte, bruto e implacável, como sugere o Maradona – falhar no desempenho das suas funções? E se o Estado Central, a quem se atribuiram determinados poderes «despóticos», para o cumprimento cabal e pacífico das mais importantes funções em áreas de vital importância nacional e intergeracional (como seja a do ordenamento do território, contra os caciques, os patos bravos e os especuladores), e se o Estado Central, dizia, estiver desorganizado? E se o Estado – que longe de ser uma instituição abstracta, é na prática constituído por homens e mulheres de carninha e osso – for fraco, medíocre, desatento? O que ou quem nos poderá proteger disso? Que garantias têm os cidadãos de que o Estado será sempre fiel aos seus compromissos, eficaz no seu trabalho, que se regerá sempre pelo mais alto e puro interesse público? Quem nos poderá garantir que as suas decisões serão sempre certeiras? Essa lógica, caro Maradona, apesar de compreensível, é sinuosa e abre caminho a muitos perigos. Veja-se o caso concreto, em apreço: o Estado português não é um dos co-responsáveis pelo que se passou? Não assistimos diariamente a uma longa lista de factos que indiciam uma clara negligência por parte do Estado português - não só em termos dos mecanismos de controlo, como da própria organização, classificação e manutenção do parque florestal público?
A solução não passará, necessariamente, por colocar sob a jurisdição protectora e paternal do Estado determinadas áreas e níveis de responsabilidade. Por detrás do exercício do poder – governativo, militar, económico – pode esconder-se um exercício pernicioso e arbitrário desse mesmo poder, servido por uma presunção e por uma profissão de fé: a que considera o "Estado" como perfeito. Não me basta saber que o “ordenamento do território” está entregue ao Estado, ponto final, parágrafo. Tranquilizar-me-á muito mais saber que vivemos sob o primado da lei - com leis bem feitas, mecanismos de controlo eficazes, um poder judicial independente, mecanismos penais prontos a ser activados para penalizar quem violou a lei. A pedra de toque, aqui, como em quase tudo, chama-se, então: “Rule of Law”. Todos, incluindo o Estado, têm que estar subordinados à lei. E será essa lei - derivada de preceitos e princípios gerais claros, imparciais, inequívocos - que garantirá que o Zé Maria, a Empresa XPTO S. A. ou o próprio Estado irão cumprir o que está estipulado. Porque até o Estado deve assumir as suas responsabilidades. A bem ou a mal.
O meu amigo Maradona (que eu trato carinhosamente por ‘mano’) é incapaz de esconder o seu lado conservador. O seu ‘post’ sobre os incêndios, as florestas e o ordenamento do território (não necessariamente por esta ordem), espelha na prática a diferença entre um pensamento liberal e um pensamento conservador. Escreve o Maradona: “Sucede que existem coisas, meia dúzia delas, que quero ver sob a alçada estrita e bruta de um Estado Central despótico! E entre essa meia dúzia está o ordenamento do território, nomeadamente no que concerne (sim, utilizei a palavra "concerne", que é das palavras feias aquela que eu gosto mais) ao povoamento animal e vegetal dos territórios sob a alçada de cada Estado Central.
Acredito que o Estado Central é o único garante contra a miopia de quem, legitimamente, apenas pode pensar nas possibilidades de lucro no mais breve espaço de tempo possivel; que é ele também a única âncora contra a profunda especialização técnica que qualquer tipo de actividade que envolva a exploração dos bens que a natureza nos proporcionou exigem!”
Percebo o Maradona – e concordo, em parte, com ele. Mas eu tenho uma costela liberal que me vai moendo. Uma costela que vai resmungando com o meu temperamento conservador. Embora com o passar dos anos ela tenha vindo a acomodar-se, ameaçada que foi com uma intervenção cirúrgica, de quando em vez volta à carga. E mói – silenciosa e insidiosamente. Desta vez, a dita obriga-me a colocar a questão que importa colocar: e se o Estado Central – o tal Estado forte, bruto e implacável, como sugere o Maradona – falhar no desempenho das suas funções? E se o Estado Central, a quem se atribuiram determinados poderes «despóticos», para o cumprimento cabal e pacífico das mais importantes funções em áreas de vital importância nacional e intergeracional (como seja a do ordenamento do território, contra os caciques, os patos bravos e os especuladores), e se o Estado Central, dizia, estiver desorganizado? E se o Estado – que longe de ser uma instituição abstracta, é na prática constituído por homens e mulheres de carninha e osso – for fraco, medíocre, desatento? O que ou quem nos poderá proteger disso? Que garantias têm os cidadãos de que o Estado será sempre fiel aos seus compromissos, eficaz no seu trabalho, que se regerá sempre pelo mais alto e puro interesse público? Quem nos poderá garantir que as suas decisões serão sempre certeiras? Essa lógica, caro Maradona, apesar de compreensível, é sinuosa e abre caminho a muitos perigos. Veja-se o caso concreto, em apreço: o Estado português não é um dos co-responsáveis pelo que se passou? Não assistimos diariamente a uma longa lista de factos que indiciam uma clara negligência por parte do Estado português - não só em termos dos mecanismos de controlo, como da própria organização, classificação e manutenção do parque florestal público?
A solução não passará, necessariamente, por colocar sob a jurisdição protectora e paternal do Estado determinadas áreas e níveis de responsabilidade. Por detrás do exercício do poder – governativo, militar, económico – pode esconder-se um exercício pernicioso e arbitrário desse mesmo poder, servido por uma presunção e por uma profissão de fé: a que considera o "Estado" como perfeito. Não me basta saber que o “ordenamento do território” está entregue ao Estado, ponto final, parágrafo. Tranquilizar-me-á muito mais saber que vivemos sob o primado da lei - com leis bem feitas, mecanismos de controlo eficazes, um poder judicial independente, mecanismos penais prontos a ser activados para penalizar quem violou a lei. A pedra de toque, aqui, como em quase tudo, chama-se, então: “Rule of Law”. Todos, incluindo o Estado, têm que estar subordinados à lei. E será essa lei - derivada de preceitos e princípios gerais claros, imparciais, inequívocos - que garantirá que o Zé Maria, a Empresa XPTO S. A. ou o próprio Estado irão cumprir o que está estipulado. Porque até o Estado deve assumir as suas responsabilidades. A bem ou a mal.
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