Só desgraças
Mais desgraças
"Em quarenta anos de jornalismo, nunca me interessei (ou consegui perceber) os bas-fonds da política, fosse qual fosse a natureza deles: financeira, jornalística, partidária ou mesmo pessoal. O que de certa maneira é estranho, porque sempre li (em quantidades vergonhosas) romances policiais, de espionagem e vário lixo do mesmo género. Mas, se me pedirem para explicar o que os nossos serviços secretos fazem e a importância do que eles de facto fazem, fico caladinho e quieto, sem a menor ideia na cabeça. Nunca vi de resto nenhum livro sério sobre teoria política que atribuísse a qualquer espécie de espionagem (ou condicionamento da informação) a vitória de uma política ou de um partido político; e não concebo, por exemplo, como se pode atribuir a existência, de Sócrates, de Passos Coelho ou de Cavaco a manobras de bastidor ou até a um almoço ou outro em restaurantes da moda (no Gigi!, Deus tenha piedade de nós!).
Para mim, quem ganha ou perde na política, perde ou ganha por causa do estado da economia, pela coerência ideológica e programática e pela espécie de pessoa que revelou ser. Mas percebo a tentação de um ministro - que se julga esperto - de usar os serviços secretos (se merecem o nome) e o jornalismo para os seus fins privados. Basta abrir a televisão para se perceber a extrema promiscuidade entre a gente que em princípio deve informar o público e a gente que em princípio deve garantir que essa informação é exacta e completa. Começa por que se tratam quase todos pelo nome próprio e parecem quase todos grandes compinchas. Daí ao segredinho, à inconfidência e ao comentário entre entendidos vai um pequeno passo.
E daí à pura ameaça vai um passo ainda mais pequeno. O sr. ministro Oliveira nunca se atreveria a ameaçar a dra. Luísa Lopes, redactora de um jornal de referência. Mas não lhe ocorre que, se o Pedro ameaçar a Luísa, está a cometer um crime e, ainda por cima, um crime largamente inútil. Claro que a maioria dos governos não chega, neste capítulo, à obsessão de Sócrates. Infelizmente, há bastantes que chegam perto, com a estúpida complacência de quem joga um jogo permitido, e depois se espantam com as consequências. Se, além disso, são ajudados pelas "secretas", e "secretas" da envergadura das nossas, o caso é grave e precisa de um exame drástico; exercício para que a ERC (de que se espera a urgente abolição) obviamente não serve. Não deve existir um lugar marcado para a irresponsabilidade no Conselho de Ministros."