Sobre um amigo que morreu
Vasco Pulido Valente, Público 04.05.2012
Fernando Lopes
"Durante vinte anos, sem falhar um dia, ao balcão do "Gambrinus", por volta do meio dia (meio dia e meia), no último lugar ao pé da porta (para não ter um parceiro de cada lado), estava o Fernando Lopes. Quase nunca faltava; ali era um símbolo e um monumento. Quem aparecia, conversava um bocadinho com ele e depois seguia para uma mesa. No meu caso, ele vinha invariavelmente à minha mesa para o fim do almoço e costumávamos ficar os dois a falar, com a sala vazia, como se essa fosse a nossa verdadeira ocupação na vida. Raramente encontrei uma pessoa tão inteligente como ele. Via o mundo com uma pertinência, uma originalidade e uma subtileza, que me faziam muitas vezes sentir menor. E com uma espécie de irremediável melancolia, que só quem o conhecia bem acabava (e nem sempre) por notar.
Trabalhei com ele no argumento de uma série para a RTP e para um filme. A série (suponho que em doze episódios) não chegou, por razões que ignoro, a ser filmada. Passei meses a discutir a coisa cena a cena, plano a plano, frase a frase, com um Fernando que andava sem parar à minha volta e punha de parte quase tudo o que, na minha ignorância e deseducação, me lembrava do cinema "clássico" ("não é um plágio", dizia ele, "é uma citação") ou laboriosamente ia tirando da minha cabeça. Aprendi com ele o que era um filme, claro, mas também o que era literatura, fotografia, política e, principalmente, a olhar para o próximo com alguma atenção e simpatia. A série (que se chamava O Cordeiro de Deus), desapareceu no confuso ventre da RTP. Mas não desapareceu o resto. O que o Fernando mudou em mim e uma amizade que durou.
Quando chegou à altura do Delfim, comigo um bocadinho mais seguro e instruído, não houve tanta conversa, nem tantas dificuldades. Chegávamos depressa a uma solução e ele protestava menos: e também sabia melhor (e por força) o que ficara, para os propósitos dele, errado ou certo. Com o benefício da distância (e apesar de um grande desgosto e de alguns problemas laterais), nunca o voltei a encontrar com a mesma confiança e com a mesma energia. Por isto e por aquilo, o ritual do "Gambrinus" enfraqueceu, como o prazer e a ajuda que me dava. O Fernando existia, mas longe e, pior do que isso, intermitentemente. Os tempos felizes não voltaram mais. Não me consolei disso."
1 Comentários:
Os três presidentes das Juntas de Freguesia do Centro Histórico decidiram sexta-feira viabilizar, na Assembleia Municipal, a construção de 300 espaços comerciais na Torregela, um terço dos quais integrados num centro comercial de seis andares.
MARIA LUÍSA ANTUNES (São Mamede) e ANTÓNIO RAMOS (Santo Antão) votaram a favor da proposta que dá a machadada final no comércio do Centro Histórico, enquanto ESTEVAM CORTES (Sé e S. Pedro) desapareceu durante o intervalo e acabou, com a sua ausência, por contribuir para viabilizar a aprovação do projecto.
Com gente desta a pugnar pelos seus interesses os comerciantes e moradores do Centro Histórico bem podem começar a zarpar para outras paragens! É o que temos...
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