Público e privado
Escutava ontem, no Expresso da Meia-Noite (SIC-N), o Prof. Dr. Paulo Trigo Pereira a perorar sobre a tenebrosa e potencial clivagem social entre funcionários públicos e funcionários do sector privado, e ocorreu-me pensar como tudo aquilo é estranho e, no limite, uma grandessíssima treta. Há gente que parece retida há décadas na malha urbana das grandes cidades, e nos respectivos corredores académicos, não se dando conta de que existe um mundo «lá fora» que teima, de quando em vez, em não encaixar nos modelos e na pitoresca percepção dos teóricos das Finanças Públicas.
Os especialistas andam empenhadíssimos em esquecer o óbvio. Como disse um dia Orwell, afundámo-nos a um ponto em que reafirmar o óbvio constitui o dever dos homens inteligentes. Eu, que estou longe de ser particular ou genericamente inteligente, não tenho grandes problemas, neste caso, em arriscar o óbvio, de tão óbvio que é: as medidas de controlo do défice, por inerência recessivas (no fundo, pretende-se uma redução de custos e um re-enfoque sério nas questões da rentabilidade e da produtividade), irão provocar um nivelamento automático das remunerações no sector privado. Fatal como o destino. De um modo geral, a esmagadora maioria das PME vai tentar, e em última análise conseguir, contratar por menos dinheiro, cortar nos prémios, bónus e outros instrumentos remuneratórios de quem já trabalha e, desgraçadamente, despedir trabalhadores. Sem esquecer que um aumento de meia hora por dia útil de trabalho, equivale a um decréscimo remuneratório na casa dos 6%. Na função pública, isso só acontece por vontade e acção directa dos governos. Que se saiba, não foram anunciados despedimentos em massa. A categoria «empregos de longa duração» permanecerá quietinha e quentinha no colo do Estado. Funcionários, sindicatos e putativos defensores do sector público, deveriam saber que a moeda de troca (ganhar temporariamente menos vs. perder o emprego) é supimpa.
Bem pode o Prof. Dr. Paulo Trigo Pereira afastar do seu discurso a nuvem negra da clivagem social. Ele sabe que uns sabem que os outros sabem que aqueles sabem quem está mais sujeito a engrossar as filas nos Centros de Emprego.
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