Dois finalistas
Salazar e Cunhal no top-ten dos finalistas que disputam o lugar de «maior português de sempre»? Previsível. Natural. Trinta e dois anos após a instauração da democracia, o português médio – vulgo «tuga» - não esconde que é cíclica e ordinariamente assolado por dúvidas de natureza ontológica quanto à natureza humana, e incertezas pragmático-sistémicas relativamente à democracia. Continua a desconfiar de si próprio e a sentir-se tremendamente inseguro na hora de escolher: a roupa, o negócio, o trabalho, a sua vida. Essa coisa da liberdade individual e da dimensão atómica do indivíduo causa-lhe angústia de vária ordem. E o maior medo é este: e se os «outros» decidem comportar-se como eu, que sou, a espaços, uma besta e, quase sempre, manhoso, caótico, egoísta, medíocre? Não admira que, não raramente, acabe piamente convencido de que este regabofe a que decidiram chamar «democracia» - um sistema que fomenta desvarios e amplifica fraquezas - precisa de mão firme e orientação paternal (boa parte da «boa» imagem de Sócrates passa por aí). No fundo, alguém tem que pôr ordem na casa. Salazar e Cunhal representaram, cada um ao seu estilo, essa dimensão tacanha, mesquinha, avarenta e autoritária, que os levava a observar o «povão» como uma manada a precisar de vara e chicote. Tanto um, como outro, proclamaram amar o país e o povo, mas, em boa verdade, desprezavam essa enorme e uniforme massa de ignaros que, caso lhe fosse dada a oportunidade (através da liberdade de expressão e de comportamento, do direito à propriedade, do incremento material e do livre acesso a bens tangíveis e intangíveis) depressa estragaria a paz, o sossego, a boa da «ordem» e as bondosas orientações do comité. Salazar e Cunhal não vieram de Plutão. Foram produto nacional. No mesmíssimo registo, há por aí muita gente que não se conforma com esta coisa da «liberdade» e da «democracia». Que não suporta a livre circulação de bens e de pessoas, o acesso a bens materiais «supérfluos», a democratização da cultura e dos gostos. E, está claro, a progressão social. No fundo, gente que chora à noite por um passado em que tudo estava no seu «devido lugar», e em que a miséria e o atraso eram sinónimo de sossego e de acato. No fundo, vivem ainda no saudosismo rústico de um Salazar ou de um Cunhal que meteria na ordem a ralé desavinda e levantaria, certamente, a moral das tropas e o orgulho de ser português. Pueril, atrapalhada e de má consciência, esta democracia em que vivemos.
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