Um liberalismo keynesiano?
Há dias, Pacheco Pereira escreveu uma coisa absolutamente extraordinária: segundo o próprio, a doutrina cavaquista é a doutrina da “governação liberal para a sociedade e keynesiana para o Estado”(sic). Entre parêntesis adiantou “não, não é contraditório”(sic). E mais não disse. Em resposta, o João Miranda escreveu “Não se percebe como é que o estado pode ser keynesiano e a sociedade liberal. Pacheco Pereira parece querer separar as liberdades económicas das liberdades pessoais dizendo que o cavaquismo não interfere nas liberdades pessoais, mas interfere nas económicas”(sic).
Tudo isto faz lembrar a velha fórmula de Tocqueville: costumes livres originam leis liberais (e, por acréscimo, um Estado menos afoito). Seja como for, há aqui equívocos de vária ordem. O que significa “uma governação liberal para a sociedade”? A sociedade portuguesa é uma sociedade liberal? De que tipo? Do tipo sonhado por João Franco? Do tipo preconizado por Tocqueville? Pacheco Pereira parece pretender dizer que o cavaquismo se propôs legislar sob a batuta liberal ao mesmo tempo que, à retaguarda, o Estado intervinha nas infra-estruturas materiais de modo a induzir um comportamento civil «emancipador» e «empreendedor». Será?
O liberalismo tem por base dois princípios: 1.º) os indivíduos devem ser livres de interagir entre si e de escolher a melhor maneira de o fazer (não planeada por uma cúpula ou induzida por um comité), desde que não se prejudiquem entre si (por exemplo, através da força ou da fraude); 2.º) os objectivos do bom governo são os de proteger estas liberdades (de escolha, de comportamento, de associação, etc.), e de ajudar a preservar a posse e os direitos de propriedade que daí advêm. O dilema continua a ser o mesmo: um governo com força suficiente para cumprir o segundo objectivo pode, por via dessa força, ameaçar o espírito do primeiro princípio. Daí que um outro objectivo emerge do liberalismo: o de restringir o exercício do poder aos governos, limitando-os ao seu papel de fornecedores dos bens públicos que o mercado e as famílias não conseguem fornecer (quer pelo tipo quer pela condição particular a quem se destinam).
Ora, sabe-se que um Estado intervencionista – e o modelo keynesiano preconiza um tipo de intervenção que colide, mais tarde ou mais cedo, com questões fundamentais como as da responsabilidade pessoal, liberdade de escolha, capacidade privada e independente de criação de riqueza e emprego, gestão de expectativas, estabilidade legal e processual – um Estado intervencionista, dizia, interfere com o próprio motor da sociedade civil (nomeadamente com a livre iniciativa privada, a liberdade de associação civil, a liberdade de movimentação), distorcendo princípios tão básicos como os da diferenciação e valorização (por mérito, vocação, predisposição, capacidades, etc) através de um balão de oxigénio volumoso mas, a seu tempo, oco. Mais: criam-se dependências que dificilmente se suplantam ou extiguem sem dor e lágrimas. Veja-se, por exemplo, os casos do sector automóvel e do sector dos combustíveis, em que a política fiscal distorce por completo o comportamento dos agentes e do mercado.
Numa altura em que se prepara a plebe para o «inevitável» aumento de impostos (a primeira marretada no role de promessas eleitorais de Sócrates), seria bom perceber que um Estado intervencionista à lá Keynes é um Estado que baralha as expectativas pessoais, condiciona as empresas privadas, distorce os mercados, desresponsabiliza os indivíduos através de uma falsa sensação de segurança e de facilitismo, e adia para mais tarde problemas sérios e reais de ordem orçamental (coisa que para muitos não passa de jargão economicista mas que, na prática, significa perceber que não se pode gastar o que não se pode pagar, sob pena de todos – dos mais ricos aos mais pobres – acabarem por pagar uma factura bem mais elevada).
Tudo isto faz lembrar a velha fórmula de Tocqueville: costumes livres originam leis liberais (e, por acréscimo, um Estado menos afoito). Seja como for, há aqui equívocos de vária ordem. O que significa “uma governação liberal para a sociedade”? A sociedade portuguesa é uma sociedade liberal? De que tipo? Do tipo sonhado por João Franco? Do tipo preconizado por Tocqueville? Pacheco Pereira parece pretender dizer que o cavaquismo se propôs legislar sob a batuta liberal ao mesmo tempo que, à retaguarda, o Estado intervinha nas infra-estruturas materiais de modo a induzir um comportamento civil «emancipador» e «empreendedor». Será?
O liberalismo tem por base dois princípios: 1.º) os indivíduos devem ser livres de interagir entre si e de escolher a melhor maneira de o fazer (não planeada por uma cúpula ou induzida por um comité), desde que não se prejudiquem entre si (por exemplo, através da força ou da fraude); 2.º) os objectivos do bom governo são os de proteger estas liberdades (de escolha, de comportamento, de associação, etc.), e de ajudar a preservar a posse e os direitos de propriedade que daí advêm. O dilema continua a ser o mesmo: um governo com força suficiente para cumprir o segundo objectivo pode, por via dessa força, ameaçar o espírito do primeiro princípio. Daí que um outro objectivo emerge do liberalismo: o de restringir o exercício do poder aos governos, limitando-os ao seu papel de fornecedores dos bens públicos que o mercado e as famílias não conseguem fornecer (quer pelo tipo quer pela condição particular a quem se destinam).
Ora, sabe-se que um Estado intervencionista – e o modelo keynesiano preconiza um tipo de intervenção que colide, mais tarde ou mais cedo, com questões fundamentais como as da responsabilidade pessoal, liberdade de escolha, capacidade privada e independente de criação de riqueza e emprego, gestão de expectativas, estabilidade legal e processual – um Estado intervencionista, dizia, interfere com o próprio motor da sociedade civil (nomeadamente com a livre iniciativa privada, a liberdade de associação civil, a liberdade de movimentação), distorcendo princípios tão básicos como os da diferenciação e valorização (por mérito, vocação, predisposição, capacidades, etc) através de um balão de oxigénio volumoso mas, a seu tempo, oco. Mais: criam-se dependências que dificilmente se suplantam ou extiguem sem dor e lágrimas. Veja-se, por exemplo, os casos do sector automóvel e do sector dos combustíveis, em que a política fiscal distorce por completo o comportamento dos agentes e do mercado.
Numa altura em que se prepara a plebe para o «inevitável» aumento de impostos (a primeira marretada no role de promessas eleitorais de Sócrates), seria bom perceber que um Estado intervencionista à lá Keynes é um Estado que baralha as expectativas pessoais, condiciona as empresas privadas, distorce os mercados, desresponsabiliza os indivíduos através de uma falsa sensação de segurança e de facilitismo, e adia para mais tarde problemas sérios e reais de ordem orçamental (coisa que para muitos não passa de jargão economicista mas que, na prática, significa perceber que não se pode gastar o que não se pode pagar, sob pena de todos – dos mais ricos aos mais pobres – acabarem por pagar uma factura bem mais elevada).
1 Comentários:
É óbvio que é possível um "liberalismo keynesiano" ou se preferirem um "liberalismo de esquerda" onde se é liberal nas liberdades e direitos individuais... (alguns exemplos de respeito à liberdades individuais seriam: legalização das drogas, aborto, respeito aos homossexuais, estado laico de verdade etc), mas sem deixar o mercado fazer o que quiser, impondo limites ao abuso do poder econômico, impedintro trustes, dumpings, cartéis, concorrência desleal, garantindo os direitos dos trabalhadores, do consumidor. Simples assim.
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