Erasmo e a ironia
“Dizei-me, pelos deuses imortais!, se há gente mais feliz do que aquela espécie de homens que o vulgo denomina loucos, estultos, fátuos ou ingénuos, cognomes belíssimos, na minha opinião? Esta afirmação parece a princípio estulta e absurda, e no entanto é muito verdadeira. Falta a tais homens o medo da morte, o que, por jove, já não é pequeno beneficio. Falta-lhes a carnificina da consciência! Não são aterrorizados pelas fábulas de almas do outro mundo. Não receiam espectros e fantasmas, não são atormentados pelos males futuros nem se impacientam pela esperança de bens vindouros. Em suma, não são dilacerados por milhares de cuidados, de que esta vida é composta. Não se envergonham, não temem, não ambicionam, não invejam, não amam. E se ascendem à inconsciência dos brutos, não pecam, segundo dizem as autoridades teológicas.(…)
Os maiores homens gostam tanto deles que nenhum pode comer, passear, passar uma hora sem a companhia de um fátuo. Têm maior estima pelos bobos do que pelos sofos tétricos, que costumam sustentar por vaidade apenas. Esta preferência não é obscura nem causa admiração, porque os sapientes só costumam dar noticias tristes aos príncipes, e cheios da sua doutrina, não receiam ofender com a verdade mordaz os ouvidos delicados. Os bobos prestam-se a procurar o que os príncipes querem por todos os modos: jogos, risos, gargalhadas, delícias.(…)
O fátuo leva tudo quanto tem no peito a expressão do rosto, e ao movimento dos lábios. O sapiente tem duas línguas, que Eurípedes menciona: uma para dizer o que é verdadeiro, outra para dizer o que é oportuno. Saber fazer do branco preto, soprar no frio e no quente, evitar a confusão entre os sentimentos e os discursos.
Apesar de tanta felicidade que os rodeia, os príncipes parecem-me infelicíssimos, porque nunca ouvem a verdade, porque em vez de amigos têm aduladores. Alguém dirá que os ouvidos dos príncipes têm horror à verdade, e que pouco caso fazem dos sapientes, pois receiam ouvir alguma coisa mais verdadeira do que divertida.
Reconheço que a verdade não tem o amor dos reis. No entanto os meus fátuos conseguem dizer a verdade de modo que os príncipes a ouçam com prazer; e não só a verdade, mas também a injúria. O mesmo dito que, saído da boca do sapiente, seria castigado com a pena capital, proferida pelo louco vai dar ao príncipe um prazer incrível. A verdade tem o genuíno condão de agradar, desde que não ofenda: mas os deuses só o concedem aos fátuos.”
in Elogio da Locura, 1509
Os maiores homens gostam tanto deles que nenhum pode comer, passear, passar uma hora sem a companhia de um fátuo. Têm maior estima pelos bobos do que pelos sofos tétricos, que costumam sustentar por vaidade apenas. Esta preferência não é obscura nem causa admiração, porque os sapientes só costumam dar noticias tristes aos príncipes, e cheios da sua doutrina, não receiam ofender com a verdade mordaz os ouvidos delicados. Os bobos prestam-se a procurar o que os príncipes querem por todos os modos: jogos, risos, gargalhadas, delícias.(…)
O fátuo leva tudo quanto tem no peito a expressão do rosto, e ao movimento dos lábios. O sapiente tem duas línguas, que Eurípedes menciona: uma para dizer o que é verdadeiro, outra para dizer o que é oportuno. Saber fazer do branco preto, soprar no frio e no quente, evitar a confusão entre os sentimentos e os discursos.
Apesar de tanta felicidade que os rodeia, os príncipes parecem-me infelicíssimos, porque nunca ouvem a verdade, porque em vez de amigos têm aduladores. Alguém dirá que os ouvidos dos príncipes têm horror à verdade, e que pouco caso fazem dos sapientes, pois receiam ouvir alguma coisa mais verdadeira do que divertida.
Reconheço que a verdade não tem o amor dos reis. No entanto os meus fátuos conseguem dizer a verdade de modo que os príncipes a ouçam com prazer; e não só a verdade, mas também a injúria. O mesmo dito que, saído da boca do sapiente, seria castigado com a pena capital, proferida pelo louco vai dar ao príncipe um prazer incrível. A verdade tem o genuíno condão de agradar, desde que não ofenda: mas os deuses só o concedem aos fátuos.”
in Elogio da Locura, 1509
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