O MacGuffin: ARAFAT

quinta-feira, novembro 11, 2004

ARAFAT

Há cerca de três anos atrás, escrevi, em artigo publicado no Público:

O paradoxo chamado Arafat
“Noticiava o Público em finais de Agosto: “Bloco de Esquerda repudia política de assassinatos de Ariel Sharon”. Ainda segundo a notícia, sublinhava o Dr. Louçã que “o governo de Israel está a seguir uma prática de assassinatos extrajudiciais contra cidadãos que não são condenados por nenhum crime, nem muito menos julgados.” A singela notícia reflectia a já habitual vertigem do Dr. Louçã para a hipocrisia e para a dualidade de critérios (já notada, por exemplo, em relação ao conflito basco). É incrível como certos comentadores apontam o dedo a Israel e ao seu governo, quanto à falta de procedimentos legais de acusação e julgamento de alegados criminosos, e emudecem face ao comportamento dos palestinianos – comportamento que, presumo eu, o Dr. Louçã considerará exemplar. Nunca, até à data, se vislumbrou da parte do Dr. Louçã ou do seu Bloco de Esquerda o mais leve gesto ou a mais exígua palavra de condenação ou repudio relativamente à violência indiscriminada e atroz dos palestinianos contra a população Israelita. Provavelmente porque o Dr. Louçã considera o terrorismo palestiniano um mal necessário para uma nobre e justa causa. Os fins voltam a justificar os meios. Todavia, existe uma diferença moral entre um «estado» que promove ou fecha os olhos ao terrorismo instituído contra outro estado vizinho (com alvos indiscriminados), e a intervenção de forças militares sobre supostos membros ou apoiantes de terroristas, ainda que sem julgamento ou condenação formal. Quando um suicida faz explodir um autocarro carregado de mulheres e crianças, ou provoca uma explosão à porta de uma discoteca frequentada por jovens, é sua intenção causar o maior sofrimento sobre inocentes, indiscriminadamente. Esperar-se-ia que o Sr. Arafat prendesse, condenasse ou entregasse às autoridades israelitas os autores materiais e/ou morais desses hediondos crimes. Mas não. Daí que me pareça particularmente ingénuo e desonesto falar em “julgamentos” e “condenações” à luz de princípios democráticos e formais de punição legal, tal como nós os conhecemos no ocidente. E daí que Israel se veja sem alternativas, para além das de carácter bélico, para se defender e, sobretudo, para prevenir mais ataques. Quando os helicópteros israelitas disparam sobre alvos palestinianos, a sua intenção não é a de matar civis (embora colateralmente o possam fazer), mas antes a de aniquilar objectivamente quem perpetra o terror ou quem o alberga. É intelectualmente desonesto não perceber e reconhecer esta diferença. Mas esta evidência não pode, por outro lado, sonegar, ou minimizar, a pouco recomendável política de Israel, de cerco e bloqueio às cidades palestinianas. Isto tudo para dizer o seguinte: julgo ser inexequível tomar partido de forma cega e unilateral por uma das partes quando se assiste a um conflito onde a razoabilidade, o bom senso e o primado da lei foram há muito esquecidos. Ainda assim, é bom não esquecer alguns factos. Yasser Arafat tem sido o denominador comum a décadas de conversações de paz para o médio oriente – as quais nunca deram qualquer resultado duradouro. Desaproveitou, de forma completamente estúpida, ocasiões soberanas de acordo (a este propósito basta lembrar que Ehud Barak esteve disposto, em Camp David, a entregar a quase totalidade da margem ocidental e metade de Jerusalém, a pôr termo às ocupações e ao desmantelamento de dezenas de colonatos judaicos). Tem sido dúbio na condenação efectiva dos extremismos anti-semitas (e sublinho ‘efectiva’ porque as palavras e as boas intenções não chegam). Começa, assim, a ser evidente que a sobrevivência política e financeira da sua Autoridade Palestiniana está manchada de sangue, na forma benevolente como se relaciona com os terroristas e na permitida propaganda anti-semita. É dos livros que um ditador tende a conservar-se no poder alimentado inimigos e conflitos, adiando investir o dinheiro em áreas bem mais prioritárias para o bem estar das populações – coisa que se pode aplicar a Arafat de forma perfeita. Mas, o pior de tudo é que Arafat, na sua notória mediocridade, representa hoje um monumental paradoxo no processo de paz, na medida em que, provavelmente, continuará a ser o único garante com que Israel pode contar para que a situação não piore drasticamente.(…)”

Yasser Arafat morreu hoje. Há quem diga que o «herói da resistência» acabou os seus dias como um ditador. Mais do que ditador, Arafat foi um estadista medíocre, um homem hipócrita e cínico, um governante incompetente. Foi, seguramente, um dos grandes ou co-responsáveis pelo infortúnio do povo palestiniano. E vai ser um dos mais ricos do cemitério.

Ao contrário do que escrevi há três anos, quero acreditar que a sua morte venha a significar o começo de um processo de paz duradouro. Por um lado, Israel não pode, agora, negar-se a negociar a paz, já que o alegado empecilho desapareceu. A condição sine qua non, tantas vezes apregoada por Sharon – de que só falaria com um novo e renovado líder da Autoridade Palestiniana –, cumpriu-se. Por outro lado, do lado palestiniano, a morte de Arafat coloca em cima da mesa o maior desafio à AP desde a sua constituição: no imediato, conter a violência sobre Israel, através do controlo dos grupos e facções armadas (trabalho, diga-se, titânico); no médio prazo, aproveitar o dinheiro da UE e dos EUA para investir no seu povo, ou seja, para pôr em prática políticas pró-desenvolvimento (aquelas que Arafat esqueceu); no geral, demonstrar a Israel que algo mudou com a morte de Arafat, passando a bola a Sharon. Se esse trabalho for concretizado, haverá esperança.

Se eu acho que eles (Autoridade Palestiniana) o vão conseguir?

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