O MacGuffin: ESCRITA EM DIA

quinta-feira, novembro 11, 2004

ESCRITA EM DIA

A propósito do meu post sobre as eleições americanas (Uma Lição Americana), recebi a seguinte missiva de Rosa Maria Medeiros:

”Sr. MacGuffin
Apesar do andiantado da hora, é impossível não lhe escrever a manifestar-lhe o quanto me sensibilizou este seu escrito. Hoje é, sem dúvida, um dia fértil em leituras deste tipo, já no Acidental me tinha também sentido "acompanhada" a respeito deste tema e dos resultados das eleições nos EUA.
Já Guantanamo (a que faz referência) não considero ser um erro assim tão grande; não esqueçamos que os "pobres detidos" não o foram por andarem a caçar passarinhos à fisga, aliás um dos que já foi libertado até veio posteriormente a planear e executar com êxito (muito sangue, muitas mortes) um atentado algures entre a Índia e o Paquistão. Por aí, estamos conversados. E quanto às condições de detenção, parecem até ser bem melhores do que as corentes e vulgares condiçoes de vida que qualquer não-detido teria na sua terra natal. Não têm liberdade? Too bad! Para quem tem como modo de vida e "missão" cortar cabeças e fazer ir civis pelos ares, não me parece mal essa privação de liberdade.
Mas tudo o que escreveu foi excelente, até a citação de P. Johnson. Bem-haja!
RMM”


Agradeço as amáveis palavras de Rosa Maria Medeiros. Sobre Guantanamo, a minha posição mantém-se: considero que muita coisa de errado se tem por lá passado, para além do que considero razoável ou defensável.

Guantanamo era evitável? Não sei. Melhor ainda: duvido. Qualquer país vitima de um atentado terrorista tem o direito – diria mesmo o dever – de perseguir, prender e julgar quem esteja envolvido na preparação, planeamento e execução de acções terroristas. É impossível que, no decorrer desse processo, não se venham a deter inocentes e que tudo corra dentro da «legalidade». Mais: estou em crer que a maioria dos que se encontram detidos em Guantanamo estiveram comprovada e directamente envolvidos em actos terroristas. O problema reside naqueles sobre os quais pendem acusações que são difíceis de provar formalmente, ou seja, de acordo com os trâmites de um «normal» processo penal. Compreendo, em parte, o dilema das autoridades norte-americanas: despoletar uma acusação formal e abrir à sociedade civil o julgamento desses firmados ou alegados terroristas, poderia ser a forma mais rápida de libertar gente mais do que duvidosa, mais ainda nuns EUA onde, em certas áreas do direito penal, existe um manifesto excesso de «garantismo». Acresce, ainda, o facto de já ter sido libertado um individuo que veio a envolver-se, posteriormente, num mortífero atentado terrorista. Mas o contrário também já se verificou: indivíduos que foram libertados sob um pedido de desculpas formal da parte dos responsáveis norte-americanos. O problema está, precisamente, aí: no caso dos que, sabendo-se inocentes, se sentem impotentes para provar a sua inocência, uma vez que lhes estão a ser negados os necessários meios de prova. É neste ponto que, a meu ver, os EUA têm pecado para além do que é razoável. Guantanamo tem uma aura de pre-crime que não se compadece com um Estado de direito. A pergunta que se deve colocar é esta: vale a pena correr o risco de deter eventuais inocentes – sem acesso a conhecer a sua própria acusação e sem poderem defender-se – de modo a reduzir o risco de libertar falsos-inocentes? Eu acho que não. Essa é, aliás, a essência de um Estado de direito. Mesmo sabendo que em Guantanamo vigora um regime de excepção, não me agrada que os EUA dêem argumentos, e desta vez válidos, aos seus detractores.

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