UM RETRATO
Em Évora, a Biblioteca Pública continua com a sua situação por resolver. Situada num bonito mas velho edifício em pleno coração do centro histórico, a biblioteca está literalmente a rebentar pelas costuras. Em função da antiguidade do edifício, as mais modernas funcionalidades são uma miragem, pelo que há muito se reivindica um novo espaço – amplo, arejado, funcional - para o acolhimento de tão importante espólio bibliográfico. O Dr. Carrilho, em tempos, acompanhado da sua exuberante popa e do seu sorriso Pepsodent, afirmou que tinha sido alcançado um compromisso entre as "partes", estando o assunto a ser tratado com celeridade. Passados cerca de cinco anos, está tudo por fazer. Há uns meses atrás, por exemplo, dirigi-me à hemeroteca da BP a fim de fotocopiar um artigo de opinião publicado num jornal. O funcionário que me atendeu teve de solicitar a minha ajuda. “Venha comigo, se faz favor. Estou sozinho e talvez o senhor me possa ajudar.” Após transpor a longa cortina preta, a cheirar a mofo, deparei com um cenário desolador: pilhas e pilhas de jornais e revistas arrumadas caoticamente em prateleiras vergadas pelo excesso de peso e pelo anos de serviço. O chão encontrava-se repleto de montículos com centenas de publicações, atadas com cordel. Tudo parece desarrumado, como se estivesse em fase de mudança. Para onde?
Compareci, hoje, na escola da minha filha. A minha filha, de sete anos, frequenta uma das muitas escolas públicas do Ensino Básico, saídas das fornalhas do Estado Novo. Um edifício de linhas clássicas, envergando uma estética intemporal, mais no espírito tradicionalista e costumeiro de Raul Lino, do que no da escola modernista que o Estado Novo tão bem soube patrocinar – de Keil do Amaral, Pardal Monteiro, Cassiano Branco ou dos irmãos Rebelo de Andrade, entre tantos outros. Trata-se, em suma, de um edifício ainda perfeitamente integrado nas nossas cidades brancas e históricas (esperem mais umas décadas até acabarem soterrados por horrendos edifícios pós-modernos, que fazem as delicias dos arquitectos mais egocêntricos e pedantes cá do burgo). Resumindo: uma típica e linda escola primária portuguesa.
No seu interior, o edifício já revela alguma dificuldade em esconder as marcas da sua antiguidade, embora os materiais então empregues tivessem envelhecido condignamente: a escadaria, o soalho e o estrado em madeira, o gradeamento em ferro forjado, as aduelas e portas pintadas em ‘casquinha de ovo’.
Os pais foram convidados a assistir a uma das várias apresentações de fim-de-ano, organizada pelos alunos do primeiro ano. No final, desabafava a professora: “Continuamos a lutar com sérias lacunas. Os meios financeiros são uma miragem. Os orçamentos estão restringidos. Vamos ter de voltar a organizar uma quermesse. Precisamos de angariar fundos para comprar uma fotocopiadora e algum material audio-visual. O ano passado solicitámos, aos pais, uma contribuição pecuniária, mas a coisa correu mal.” Porquê, perguntaram alguns pais. “Houve pais que se recusaram a dar dinheiro, alegando que era suposto os seus filhos receberem um ensino gratuito. Portanto, este ano, se puderem, tragam uns bolinhos para ajudar na colecta. Assim não se levantarão muitas ondas e talvez consigamos reunir a quantia necessária para comprar o equipamento.”
Chego a casa e, no programa Regiões (RTP1), está a passar uma reportagem sobre o caso de uma aldeia, algures no norte de Portugal, que se debate com sérios problemas de abastecimento de água. Ao que parece, com a chegada do Verão e o regresso dos emigrantes, a água potável canalizada tende a desaparecer. Resultado: durante um longo período, os Bombeiros acabam a distribuir água através de cisternas ambulantes, enquanto que, para lavar a loiça, o carro, o cão, etc., a população recorre a umas torneiras estrategicamente colocadas, que trazem a água de uma charca improvisada, situada algures nas imediações do povoado. O esforço de racionar a água da rede passa a ser um desígnio quase religioso para os habitantes da aldeia.
Ao que tudo indica, para o ano vamos ter em Portugal o Euro 2004.
Em Évora, a Biblioteca Pública continua com a sua situação por resolver. Situada num bonito mas velho edifício em pleno coração do centro histórico, a biblioteca está literalmente a rebentar pelas costuras. Em função da antiguidade do edifício, as mais modernas funcionalidades são uma miragem, pelo que há muito se reivindica um novo espaço – amplo, arejado, funcional - para o acolhimento de tão importante espólio bibliográfico. O Dr. Carrilho, em tempos, acompanhado da sua exuberante popa e do seu sorriso Pepsodent, afirmou que tinha sido alcançado um compromisso entre as "partes", estando o assunto a ser tratado com celeridade. Passados cerca de cinco anos, está tudo por fazer. Há uns meses atrás, por exemplo, dirigi-me à hemeroteca da BP a fim de fotocopiar um artigo de opinião publicado num jornal. O funcionário que me atendeu teve de solicitar a minha ajuda. “Venha comigo, se faz favor. Estou sozinho e talvez o senhor me possa ajudar.” Após transpor a longa cortina preta, a cheirar a mofo, deparei com um cenário desolador: pilhas e pilhas de jornais e revistas arrumadas caoticamente em prateleiras vergadas pelo excesso de peso e pelo anos de serviço. O chão encontrava-se repleto de montículos com centenas de publicações, atadas com cordel. Tudo parece desarrumado, como se estivesse em fase de mudança. Para onde?
Compareci, hoje, na escola da minha filha. A minha filha, de sete anos, frequenta uma das muitas escolas públicas do Ensino Básico, saídas das fornalhas do Estado Novo. Um edifício de linhas clássicas, envergando uma estética intemporal, mais no espírito tradicionalista e costumeiro de Raul Lino, do que no da escola modernista que o Estado Novo tão bem soube patrocinar – de Keil do Amaral, Pardal Monteiro, Cassiano Branco ou dos irmãos Rebelo de Andrade, entre tantos outros. Trata-se, em suma, de um edifício ainda perfeitamente integrado nas nossas cidades brancas e históricas (esperem mais umas décadas até acabarem soterrados por horrendos edifícios pós-modernos, que fazem as delicias dos arquitectos mais egocêntricos e pedantes cá do burgo). Resumindo: uma típica e linda escola primária portuguesa.
No seu interior, o edifício já revela alguma dificuldade em esconder as marcas da sua antiguidade, embora os materiais então empregues tivessem envelhecido condignamente: a escadaria, o soalho e o estrado em madeira, o gradeamento em ferro forjado, as aduelas e portas pintadas em ‘casquinha de ovo’.
Os pais foram convidados a assistir a uma das várias apresentações de fim-de-ano, organizada pelos alunos do primeiro ano. No final, desabafava a professora: “Continuamos a lutar com sérias lacunas. Os meios financeiros são uma miragem. Os orçamentos estão restringidos. Vamos ter de voltar a organizar uma quermesse. Precisamos de angariar fundos para comprar uma fotocopiadora e algum material audio-visual. O ano passado solicitámos, aos pais, uma contribuição pecuniária, mas a coisa correu mal.” Porquê, perguntaram alguns pais. “Houve pais que se recusaram a dar dinheiro, alegando que era suposto os seus filhos receberem um ensino gratuito. Portanto, este ano, se puderem, tragam uns bolinhos para ajudar na colecta. Assim não se levantarão muitas ondas e talvez consigamos reunir a quantia necessária para comprar o equipamento.”
Chego a casa e, no programa Regiões (RTP1), está a passar uma reportagem sobre o caso de uma aldeia, algures no norte de Portugal, que se debate com sérios problemas de abastecimento de água. Ao que parece, com a chegada do Verão e o regresso dos emigrantes, a água potável canalizada tende a desaparecer. Resultado: durante um longo período, os Bombeiros acabam a distribuir água através de cisternas ambulantes, enquanto que, para lavar a loiça, o carro, o cão, etc., a população recorre a umas torneiras estrategicamente colocadas, que trazem a água de uma charca improvisada, situada algures nas imediações do povoado. O esforço de racionar a água da rede passa a ser um desígnio quase religioso para os habitantes da aldeia.
Ao que tudo indica, para o ano vamos ter em Portugal o Euro 2004.
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