Do editorial da revista Sábado, 12/09/2013:
"António José Seguro já tinha percorrido todo o longo argumentário da esquerda preguiçosa, pedindo mais despesa pública e menos impostos, acusando cada mexida na lei de ser uma tentativa de homicídio do Estado Social e, genericamente, prometendo aquilo que não estará nas suas competências cumprir – só faltava mesmo acenar com a recordação da “longa noite fascista”.
Já não falta: esta semana, o secretário-geral do PS anunciou que o País está a voltar a ser “o Portugal de miséria e pobreza” que existia durante a ditadura. Para quem tivesse dúvidas, Seguro lembrou que sabe do que fala: “Eu tinha 12 anos quando o 25 de Abril aconteceu em Portugal e os meus pais contavam-me o que era o Portugal” dessa altura.
Estando, portanto, a parte relativa ao Estado Novo resolvida por intervenção dos seus pais, só falta arranjar alguém que conte a António José Seguro como é “o Portugal” de hoje em dia, para o líder socialista perceber que a comparação que faz é absurda. De acordo com os dados da Pordata, a esperança de vida dos homens em 1970 era de 64 anos – em 2011 estava nos 76,7. A esperança de vida das mulheres era de 70,3 anos – passou para os 82,6. A taxa de mortalidade materna era de 73,4 por 100 mil habitantes – passou para 5,2. A taxa de mortalidade infantil era de 55,5 por cada mil – passou para 3,4. A taxa de analfabetismo nas mulheres era de 31% – passou para 6,8%. De acordo com António Barreto, nos anos 60 “tinham água canalizada 28% das casas; duche ou banho, 19%; instalações sanitárias, 42%; electricidade, 41%; e ligação ao esgoto, 38%”. Ao fim de 40 anos, esses valores já estavam, respectivamente, nos 87%, 82%, 89%, 98% e 91%.
Portugal ficou de certeza mais pobre por causa da crise económica; mas com mais certeza ainda não regressou à “miséria e pobreza” anteriores ao 25 de Abril. Dizer o contrário é, simplesmente, não perceber o que era essa “miséria” e essa “pobreza”. Pior: é presumir que os restantes portugueses também não sabem ou não querem saber, estando apenas interessados em ouvir uma retórica oca que tenta tornar igual aquilo que é radicalmente diferente. Se António José Seguro já não sabe o que há-de dizer para fazer oposição, podia de vez em quando experimentar não dizer nada. Pior não fazia.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) é composta por nove elementos. Cinco são escolhidos pelos cinco partidos com representação parlamentar, três são escolhidos pelo Governo e um é escolhido pelo Conselho Superior de Magistratura. Em nove elementos, oito são representantes do poder político. Foram eles que na semana passada decidiram proibir a entrevista de Pedro Passos Coelho à RTP, são eles que controlam e que impõem a cobertura jornalística feita pelos órgãos de comunicação social, são eles que decidem se uma reportagem tem o tamanho adequado ou o tom certo. Numa palavra, são eles os directores de informação durante os períodos eleitorais. Só existe um inconveniente: eles não são jornalistas obrigados a obedecer a um código deontológico, são representantes dos partidos políticos e do Governo.
Na semana passada, estes representantes do poder político proibiram uma entrevista decidida por jornalistas independentes com base numa extensa argumentação de 25 palavras: “A CNE entende que um programa de entrevistas com responsáveis políticos, com o formato anunciado pela RTP, apenas pode ter lugar fora dos períodos eleitorais.” Sem qualquer justificação adicional e sem sequer ouvir a RTP, impediram a emissão de um trabalho jornalístico. Para o PS, que apresentou a queixa e que já demonstrou com a tentativa de compra da TVI durante o anterior governo o que pensa da liberdade de imprensa, esta decisão “cumpre o Estado de direito”. Para os eleitores, é um regresso aos tempos do República e do Diário – quando Arons de Carvalho, Jaime Gama, António Reis e Raul Rego faziam de jornalistas."