Vai tudo correr bem II
Vasco Pulido Valente, Público (01/09/2013)
Uma guerra absurda
"Cameron foi proibido pela Câmara dos Comuns de intervir na Síria por meios militares. Trinta deputados do Partido Conservador votaram contra o Governo e também nove deputados do outro partido da coligação. Cameron disse que tinha compreendido a ordem do povo e declarou que lhe obedeceria. Nunca tinha acontecido antes que um primeiro-ministro perdesse uma votação quando se tratava de decidir entre a guerra e a paz. Sucedeu agora. Apesar de uma crescente dependência e disciplina, ainda apareceram nos grupos parlamentares 40 indivíduos que seguiram a sua opinião (e a sua consciência), em vez de seguirem obedientemente a política do seu chefe e senhor. A lição que a Câmara dos Comuns deu a Cameron não seria possível em Portugal. Em Portugal, a Assembleia da República faz tudo o que lhe mandam.
E assim Obama ficou sozinho. E por culpa dele. Primeiro, resolveu estabelecer perante o mundo a famigerada "red line" contra o uso de gás. A seguir, ameaçou com uma intervenção, como se não precisasse de um mandado da ONU ou sequer de esperar pelos peritos que foram à Síria. E, no fim, acabou internacionalmente isolado, sem o apoio dos países do Médio Oriente (tirando Israel), sem o apoio da "Europa" (tirando a França) e sem apoio do próprio Canadá. Vai meter a América numa nova aventura (mais perigosa do que a do Iraque e a do Afeganistão), acompanhado apenas pelo sr. Erdogan da Turquia e pela Arábia Saudita, dois parceiros que não se recomendam. O comportamento errático de Obama e as dezenas de erros que cometeu comprometem um mandato estimável e provavelmente acabarão por inutilizar o segundo.
Pior do que isso, Obama não pretende liquidar o regime de Assad (até porque não existe na Síria uma oposição capaz de o substituir) e sabe muito bem que um "ataque cirúrgico" não mudará em nada a situação estratégica. O que ele quer é castigar Assad pelo crime de matar com gás 1400 pessoas (400 crianças) e, julga ele, impedir que o caso se repita. O prestígio da América está em jogo, pensam loucamente os serviçais da Casa Branca e Obama imagina que uma "pequena" intervenção da América não trará consequências de maior. No que se engana: uma violenta retaliação de Assad é susceptível de sublevar o Médio Oriente inteiro e, em última análise, empurrar a América para uma longa, frívola e mortífera campanha. Que o sr. Hollande, impotente e desarmado, se alivie de algumas cretinices que pesam no seu doce coração não interessa muito. Mas que Obama o imite é com certeza catastrófico."
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