Quem se espantar que se espante primeiro de si
Vasco Pulido Valente, Público 20/09/2013
Nada de espantar
"Joaquim Pedro Oliveira Martins (que não se parece nada com o neto ou trineto) foi o homem que melhor percebeu o Portugal da segunda metade do século XIX. Os políticos de falam hoje constantemente de "erros do passado", mas sem nunca explicar de que "erros" se trata e sem nunca dizer com alguma clareza o que espera o país. Com outro carácter e coragem, Oliveira Martins escreveu, em 1894, que a "nação" "se encontrava" perante uma pergunta "vital": "Há ou não há recursos bastantes, intelectuais, morais, sobretudo económicos, para subsistir como povo autónomo dentro das estreitas fronteiras portuguesas." Como se chegou aqui em 1894 e como se chegou aqui em 2013? Num artigo breve e claro, Oliveira Martins tenta responder. E a resposta só surpreenderá o pior analfabeto em circulação.
Em 1851, no começo da maior expansão do capitalismo na Europa, as potências financeiras do tempo (a Inglaterra e a França) voltaram a ver em Portugal uma boa oportunidade "a explorar" e as bolsas, "passando a esponja do esquecimento" sobre as "bancarrotas" anteriores, "abriram os seus cofres". Em 40 anos, o nosso "Tesouro Público (...) conseguiu obter por empréstimo uma soma aproximada de 90 milhões esterlinos efectivos, em bom ouro". O resultado acabou por ser um "cenário", "que dava a Portugal a aparência de um país rico", "coalhado" de caminhos-de-ferro e também de estradas, com dois portos modernos, Lisboa e Leixões. E os governos iam garantindo a paz doméstica com o "comunismo burocrático", que vinha substituir o antigo "comunismo monacal": o Estado contratou "muitos milhares de funcionários, mais ou menos opiparamente prebendados", "a legião nova dos beneficiados de obras públicas" e centenas de concessionários", que rapidamente enriqueceram.
Infelizmente, não se podia viver "salariando a ociosidade" e "suprindo a escassez do trabalho interno com subsídios oficiais", à custa do dinheiro de fora. Portugal não se aguentaria, se continuasse a depender de "recursos estranhos ou anormais" e não do "fruto" da sua produção e economia. Isto "não era segredo para ninguém mediocremente instruído". E não se deve considerar o fontismo um erro, como não se deve considerar a política da II República um erro ou uma série de erros. Nos dois casos, a "fortuna enganadora" do país serviu a ambição e o interesse da elite que tomou conta do regime e de uma classe média ignorante, cretinizada pelos partidos. E quem se espantar que se espante primeiro de si."
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