O MacGuffin: março 2012

segunda-feira, março 26, 2012

Sobre o congresso

Vasco Pulido Valente, no jornal Público de 25/03/2012

Tristezas

"O congresso de um partido, de qualquer partido, mesmo visto à distância (pela televisão) deixa deprimida e doente uma pessoa normal. Não só pelo arzinho autogratulatório da coisa, pelo espanejamento das "notabilidades" ou antigas "notabilidades" da tribo, pela ridícula apologia dos "poderes" da casa, mas sobretudo pela irredimível vacuidade do exercício. Horas sem fim as galinhas cacarejam e a capoeira bate palmas por nada e para nada. Para cúmulo, o espectáculo costuma ser acompanhado e "analisado" por um bando de comentadores, que repetem com grande gravidade o que ouviram e se esforçam por descobrir um sentido qualquer a um ritual sobre o pindérico e manifestamente sem sentido nenhum. O PSD já vai em 34 congressos sem dar sinais de melhorar.

Anteontem, os "trabalhos" (se a palavra se aplica) foram, por assim dizer, "abertos" por um interminável discurso de Pedro Passos Coelho. Fora uma ameaça ao PS de uma completa inconsequência, o discurso tornou a informar o partido e os portugueses do que o "chefe" pensava e que, de resto, já tinha dito em vários tons que pensava na Assembleia da República e em centenas de outras declarações por todo o país e pelo mundo inteiro. Parece que Portugal vai cumprir os compromissos com a troika e que não vai pedir mais tempo, nem dinheiro, doa o que doer ao "lombo" dos nativos, por quem Passos Coelho, como lhe compete, nutre uma especial ternura. Lá em casa, ficámos naturalmente contentíssimos com a resolução e o afecto do "chefe" e, por uma vez, conseguimos dormir em paz.

A terceira parte da peroração foi sobre o aparente objectivo do Congresso: o novo programa do PSD. Esse programa, congeminado pelo magnífico doutor Aguiar Branco, proclama o PSD como um irremovível sustentáculo da "social-democracia à portuguesa", um conceito até hoje desconhecido, mas que reafirma numa Europa confusa a nossa perspicácia e originalidade. Tanto quanto percebi a "social-democracia à portuguesa" é intransigentemente "humanista" e "personalista"; e quer, do fundo do coração, salvar o Estado Social e libertar os portugueses da tutela do Estado. Passos Coelho, por exemplo, não aceita (e não tenciona tolerar) que o Estado se aproprie indefinidamente de 50 por cento do PIB. Isto, em princípio, consola muito, se ninguém perceber que "salvar o Estado Social" custa pelos menos 50 por cento do PIB. Mas Passos Coelho garantiu e tornou a garantir que era um "realista" e nós devemos confiar."

domingo, março 25, 2012

Estado em que se encontra este blogue

Mais treze dias sem: escrever, conduzir, atar os atacadores, etc.

sábado, março 03, 2012

Nem o título se escapa

Miguel Esteves Cardoso, no Público de 2/3/2012

O pior em tudo


"Foi preciso viver e esperar muitos anos para descobrir o pior disco de música popular alguma vez gravado. Como bónus, cada exemplar inclui a pior versão de sempre de uma canção popular já de si muito má.


Não estamos a falar de maldade que, por ser tão má, até tem graça, nem que seja para nos rirmos dela. Não. Esta é uma vileza musical que nos deprime e angustia. O cantor é bom, os músicos são bons e as canções são boas (excepto a tal, chamada Inch Worm). Só os resultados da conjunção de tantas bondades é que repugna. Só as vítimas deste melocídio saberão que estou a ganir por causa de Kisses On The Bottom, o nome de pior gosto posto por um dos poucos génios da música pop (Paul McCartney).


Chegou a altura de dizer o indizível: o último disco genial dos Beatles foi Revolver. E não era todo bom. Nenhum dos ex-Beatles - mesmo John Lennon - fez um disco melhor do que qualquer disco dos Beatles, incluindo os últimos e menos bons. Ringo Starr fez sempre álbuns horríveis. Mas nenhum é tão mau como o último (Deus queira) de Paul McCartney.


O pior de Kisses On The Bottom é que, por ser tão mau, destrói retroactivamente as grandes canções e interpretações dele. É horrendo. Provoca doenças nos ouvidos. É um desrespeito e um castigo.


Como é que é possível? Ninguém sabe. Nem sequer Satanás. Nunca nada foi tão mal cantado ou ofendeu mais. Que grande merda. Se precisarem de vomitar, usem o emético The Glory of Love. Pobre, malvado McCartney."

E voltou para Nova Iorque

Vasco Pulido Valente, no Público 2/3/2012

Krugman em Lisboa 
"O prof. Paul Krugman veio a Portugal receber um doutoramento honoris causa "conjunto" da Universidade de Lisboa, da Universidade Nova e da Universidade Técnica. Esta acumulação de honras (para quem sinceramente as tome por isso) é sem dúvida invulgar, mas não é inesperada. Krugman tem sido um crítico persistente da política económica do Governo (e por extensão da sra. Merkel) e acabou por se tornar o adorado da nossa esquerda doméstica, dos "teóricos" do PS e do Bloco ao dr. Mário Soares, que nunca perde uma oportunidade de o citar, como se ele fosse a mãe de toda a sabedoria. Para quem quiser saber o que a oposição pensa, basta investigar no New York Times (uma fonte barata) o que sr. Krugman pensa e, depois, traduzir para português. 
Desgraçadamente, começa a haver sinais de que o doutoramento conjunto veio um bocadinho tarde e que já nem a nossa esquerda acredita no seu novo médico ou nas suas perfeitíssimas receitas. Num jantar recente, com mais de uma centena de próceres do progresso, reparei que se começava a falar (embora com algum incómodo) da "refundação" do regime ou até da "refundação" da democracia, sem que nenhum "notável" se mostrasse mesmo vagamente surpreendido. 
Não custa explicar esta aberração. Se, por acaso, o Governo se obstinar em reduzir a despesa (para Krugman, o PS e o próprio Cavaco, um caminho suicida) e a sra. Merkel por milagre não se converter a um expansionismo, que a Alemanha rejeita e a prejudica pessoalmente a ela, onde se irá buscar o dinheiro indispensável ao indígena? 
No meio deste impossível dilema, uma realidade, pouco agradável, vai pouco a pouco aparecendo, ainda hesitantemente, sob forma de pergunta: "E se não existissem os meios para o Estado social (e ramificações), que o país tirou da sua miséria com os salvíficos "fundos" da "Europa" e com uma dívida externa que não consegue, ou conseguirá, suportar?" Ou pior do que isso: "E se os 30 anos desta próspera e feliz democracia não passassem, no fundo, de um enorme exercício de irresponsabilidade, em que se enganaram os nativos, mas não se enganou mais ninguém no mundo?" O sr. Krugman volta para Nova Iorque e não leva os nossos problemas (nem mesmo se ofereceu para pôr na ordem a sra. Merkel). Nós ficamos, tristonhos, por aqui: "E se for preciso "refundar" o regime, como se faz?" "
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