Um equívoco chamado «cultura»
O lançamento de um evento denominado «capital-qualquer-coisa-da-cultura», parte invariavelmente de dois equívocos: 1.º) a «cultura» é coisa que se pode produzir por atacado, decreto ou encomenda, em local e período circunscritos; 2.º) existe um público ávido por banhos de enriquecimento cultural (dito de outra forma: a procura está assegurada).
Ambos os equívocos parecem caucionar a velhinha e orquestradora presunção de meia dúzia de políticos e apaniguados que, por vaidade, ingenuidade e, nalguns casos, irresponsabilidade, acham justificável criar uma fundação (mais uma) para gerir (ou seja, para gastar) milhões num evento que putativamente deixará a sua «marca», que se acredita ser esta: um importante contributo para inverter o endémico estado de obscurantismo de que padece a nação, dando a conhecer ao mundo – o sinistro desígnio da «promoção» - a «cultura» indígena. Paralelamente a isto, há ainda o propósito de, e passo a citar, dar "apoio a acções de formação com relevância na área da cultura, promovendo a formação técnica especializada dos agentes e profissionais deste domínio ou domínios afins."
“Guimarães Capital Europeia da Cultura” insere-se na longínqua e profícua tradição, saloia e provinciana, de pensar que basta despejar uns milhões (orçamento global superior a 111 milhões de euros) a jusante - dando guarida, durante o processo, às gentes necessitadas da cultura (sempre desgraçadinhas e a precisar de amparo) - para garantir o progresso dos espíritos e a bendita «projecção» («projectar a nação» ocupa um lugar de destaque no Top 5 dos planos predilectos dos políticos e respectivos conselheiros «culturais»).
Não é preciso ler o Eça para perceber o logro que insistimos, ainda hoje, em trilhar. Não resulta instigar, por compulsão e durante um período, «cultura» - seja ela erudita, alta ou popular – se não houver, a montante, um trabalho de educação que desperte o gosto, o interesse, a sede de conhecimento e, acima de tudo, o sentido crítico. Caso contrário, será mais uma tentativa de lançar sementes em terreno pouco fértil - num país, é bom não esquecê-lo, que precisa urgentemente de rever as suas prioridades.
Ambos os equívocos parecem caucionar a velhinha e orquestradora presunção de meia dúzia de políticos e apaniguados que, por vaidade, ingenuidade e, nalguns casos, irresponsabilidade, acham justificável criar uma fundação (mais uma) para gerir (ou seja, para gastar) milhões num evento que putativamente deixará a sua «marca», que se acredita ser esta: um importante contributo para inverter o endémico estado de obscurantismo de que padece a nação, dando a conhecer ao mundo – o sinistro desígnio da «promoção» - a «cultura» indígena. Paralelamente a isto, há ainda o propósito de, e passo a citar, dar "apoio a acções de formação com relevância na área da cultura, promovendo a formação técnica especializada dos agentes e profissionais deste domínio ou domínios afins."
“Guimarães Capital Europeia da Cultura” insere-se na longínqua e profícua tradição, saloia e provinciana, de pensar que basta despejar uns milhões (orçamento global superior a 111 milhões de euros) a jusante - dando guarida, durante o processo, às gentes necessitadas da cultura (sempre desgraçadinhas e a precisar de amparo) - para garantir o progresso dos espíritos e a bendita «projecção» («projectar a nação» ocupa um lugar de destaque no Top 5 dos planos predilectos dos políticos e respectivos conselheiros «culturais»).
Não é preciso ler o Eça para perceber o logro que insistimos, ainda hoje, em trilhar. Não resulta instigar, por compulsão e durante um período, «cultura» - seja ela erudita, alta ou popular – se não houver, a montante, um trabalho de educação que desperte o gosto, o interesse, a sede de conhecimento e, acima de tudo, o sentido crítico. Caso contrário, será mais uma tentativa de lançar sementes em terreno pouco fértil - num país, é bom não esquecê-lo, que precisa urgentemente de rever as suas prioridades.
2 Comentários:
É parcialmente verdade o que diz, o actual Secretário de Estado da Cultura disse coisas parecidas em entrevistas que li (e guardei). No entanto, é curioso como a acção do Governo não tem uma medida que, no que se refere à cultura, vise intervir no domínio da educação, seja através do ensino, seja através da própria sociedade. Pelo contrário. O que foi fito ficou esquecido.
Por outro lado, parece-me pouco acertado acreditar que qualquer melhoria na educação conseguirá resultados se entretanto acabarmos com a prática cultural, o que aliás seria injusto para todos aqueles (não são tão poucos como às vezes querem fazer crer os que observam de fora) que frequentam as actividades sem terem sido para isso sido alvo de qualquer boa prática governativa. Ou seja, para que quotidiano cultural e para usufruir de que criatividade estagnada estaríamos a educar crianças?
Já agora, perguntar não ofende, acho: qual foi o último espectáculo que viu? Com que frequência frequenta teatros? Quais? Obrigado pela atenção.
Não falei em acabar com a «prática cultural». Não haverá formas menos megalómanas e menos onerosas de promover a cultura junto do público interessado?
Vivo em Évora. A oferta de teatro é limitada (apesar de reconhecer a qualidade do CENDREV, não existe diversificação de estilos e dramaturgias, pelo que a motivação para frequentar os espectáculos, quando os há, não é muita). Não temos cinema há mais de um ano (aguarda-se a construção de um centro comercial com salas, enquanto o antigo cine-teatro, que comemorou há meses 75 anos, está a apodrecer vai para vinte anos). Concertos, são raros, apesar de terem transformado a praça de touros em 'Arena' multiusos, muito do agrado de Tony Carreiras, José Cid e etc..
Não sou um bom exemplo, porque esta cidade não é exemplo para ninguém.
Deu para perceber, pelo que escrevi, a questão das prioridades? Se querem que a cultura seja verdadeiramente fruída e procurada e acarinhada, há que torcer pepinos desde tenra idade. Isto leva gerações. Até lá, o país precisa, certamente, de dinheiro para outras coisas. Por exemplo: para recuperar o património que por aí definha.
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