Estou muito satisfeito comigo
Só ontem vi a entrevista de José Sócrates à SIC Notícias, levada a cabo pela cândida Ana Lourenço.
É difícil comentar aquilo. Começar por onde? Posso começar pelo óbvio: a entrevista - uma versão mais austera do Janela Indiscreta com Alexandra Lencastre - foi um dos mais deprimentes e, simultaneamente, mais hilariantes exercícios de contorcionismo político de que há memória no Portugal democrático. Em 35 anos de democracia, nunca se tinha assistido a uma tentativa tão infantil, deslocada e plástica de inflexão de uma imagem política. Aliás, até Salazar e Marcello Caetano perceberam que, em política, há flick flacks impensáveis ou desaconselháveis. E o pior é que aquela tentativa burlescamente patética do primeiro-ministro em funções de dar uma imagem de homem tolerante, humilde, preocupado e níveo, em aparente sintonia com as preocupações do país e do povo que o habita, para além de se ter constituído num estonteante festival de oximoros quando associamos aquelas características ao seu nome, revelou não apenas uma total falta de respeito pelo mesmo povo (at the end of the day as pessoas não são estúpidas) como, também, uma desinteligência que, até nele, ninguém esperava.
Aquilo que Sócrates deixou transparecer é mais ou menos isto: o PS perdeu as eleições europeias por causa da sua imagem. Da sua persona política. As políticas, as decisões, as atitudes, as supostas «reformas», os recuos? Não. Sócrates parece estar convencido de que foi a «imagem». Foi a forma. Logo, fazendo uso de uma esperteza socrática nada saloia porque habitualmente servida pela «banda larga», pensou-se no vulgar e no aparentemente óbvio: nada melhor substituir uma imagem por outra imagem. À imagem do homem rijo e firme, ou, se quiserem, do «animal feroz», seguir-se-ia, de um dia para o outro, a imagem do homem sensível, calmo, ternamente compreensível e brandamente acessível, inimigo da petulância e, vejam bem, por vezes desajeitado por via da autenticidade. O povo descansaria, os plumitivos sossegariam a sua verve, as forças de bloqueio afrouxariam. O resultado esteve à vista e foi, no mínimo, o inverso.
Estou certo que causas de ordem a mais diversa e de merecimento o mais distante terão estado na origem do triste espectáculo a que assistimos. Provinciano pouco dado a complicações, escolho a mais comezinha: alguém do séquito de conselheiros de Sócrates, ou o próprio, não terá percebido o óbvio: o país fartou-se dos não resultados, da inflexibilidade face ao razoável e ao óbvio, das decisões erradas sem justificação plausível, de uma estratégia parca em substância mas rica em fogo fátuo. O facto desta gente, que julga a «imagem» um desígnio (e a entrevista prova isso mesmo) e não se coíbe de continuar a dar nota de um crescente e militante autismo em relação ao real estado do país – por entre sinais mais ou menos evidentes e manifestos mais ou menos definitivos (e o recente manifesto dos 28 economistas é absolutamente definitivo) – o facto desta gente, dizia, não perceber o óbvio, não augura nada de bom. Recorrer, por exemplo, à retórica do keynesianismo daquela forma – ou seja, de forma tonta e ignorante – foi de ir às lágrimas. E o «eu estou muito satisfeito comigo» coroa na perfeição a ideia de que aquele homem (já) não percebe onde está e o que anda (ou não) a fazer.
A queda de Sócrates, tal como se afigura, vai resultar numa das mais estrondosas quedas de uma classe e de um paradigma político. Ao pé dela, a queda do cavaquismo não vai parecer nada. É que esta fazia já parte da consciência e das expectativas dos próprios. Aquela vai aparecer como uma surpresa e uma calamidade a quem ainda não entendeu em que buraco estamos metidos.
É difícil comentar aquilo. Começar por onde? Posso começar pelo óbvio: a entrevista - uma versão mais austera do Janela Indiscreta com Alexandra Lencastre - foi um dos mais deprimentes e, simultaneamente, mais hilariantes exercícios de contorcionismo político de que há memória no Portugal democrático. Em 35 anos de democracia, nunca se tinha assistido a uma tentativa tão infantil, deslocada e plástica de inflexão de uma imagem política. Aliás, até Salazar e Marcello Caetano perceberam que, em política, há flick flacks impensáveis ou desaconselháveis. E o pior é que aquela tentativa burlescamente patética do primeiro-ministro em funções de dar uma imagem de homem tolerante, humilde, preocupado e níveo, em aparente sintonia com as preocupações do país e do povo que o habita, para além de se ter constituído num estonteante festival de oximoros quando associamos aquelas características ao seu nome, revelou não apenas uma total falta de respeito pelo mesmo povo (at the end of the day as pessoas não são estúpidas) como, também, uma desinteligência que, até nele, ninguém esperava.
Aquilo que Sócrates deixou transparecer é mais ou menos isto: o PS perdeu as eleições europeias por causa da sua imagem. Da sua persona política. As políticas, as decisões, as atitudes, as supostas «reformas», os recuos? Não. Sócrates parece estar convencido de que foi a «imagem». Foi a forma. Logo, fazendo uso de uma esperteza socrática nada saloia porque habitualmente servida pela «banda larga», pensou-se no vulgar e no aparentemente óbvio: nada melhor substituir uma imagem por outra imagem. À imagem do homem rijo e firme, ou, se quiserem, do «animal feroz», seguir-se-ia, de um dia para o outro, a imagem do homem sensível, calmo, ternamente compreensível e brandamente acessível, inimigo da petulância e, vejam bem, por vezes desajeitado por via da autenticidade. O povo descansaria, os plumitivos sossegariam a sua verve, as forças de bloqueio afrouxariam. O resultado esteve à vista e foi, no mínimo, o inverso.
Estou certo que causas de ordem a mais diversa e de merecimento o mais distante terão estado na origem do triste espectáculo a que assistimos. Provinciano pouco dado a complicações, escolho a mais comezinha: alguém do séquito de conselheiros de Sócrates, ou o próprio, não terá percebido o óbvio: o país fartou-se dos não resultados, da inflexibilidade face ao razoável e ao óbvio, das decisões erradas sem justificação plausível, de uma estratégia parca em substância mas rica em fogo fátuo. O facto desta gente, que julga a «imagem» um desígnio (e a entrevista prova isso mesmo) e não se coíbe de continuar a dar nota de um crescente e militante autismo em relação ao real estado do país – por entre sinais mais ou menos evidentes e manifestos mais ou menos definitivos (e o recente manifesto dos 28 economistas é absolutamente definitivo) – o facto desta gente, dizia, não perceber o óbvio, não augura nada de bom. Recorrer, por exemplo, à retórica do keynesianismo daquela forma – ou seja, de forma tonta e ignorante – foi de ir às lágrimas. E o «eu estou muito satisfeito comigo» coroa na perfeição a ideia de que aquele homem (já) não percebe onde está e o que anda (ou não) a fazer.
A queda de Sócrates, tal como se afigura, vai resultar numa das mais estrondosas quedas de uma classe e de um paradigma político. Ao pé dela, a queda do cavaquismo não vai parecer nada. É que esta fazia já parte da consciência e das expectativas dos próprios. Aquela vai aparecer como uma surpresa e uma calamidade a quem ainda não entendeu em que buraco estamos metidos.
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