O rapaz de Boliqueime visto pela rapariga de Lisboa
Clara Ferreira Alves resolveu, há duas semanas atrás, aliviar-se da embirração de que padece por Cavaco Silva – um saloio «não intelectual» que Clara, rapariga fina, intelectual, da capital, não suporta – amplificada pela declaração ao país de Cavaco Silva enquanto Presidente da República – declaração que Clara achou pífia, vazia e sem referências culturais de relevo.
Para Clara, a declaração ao país vem corroborar aquilo que ela há muito vislumbrou no personagem: ”Podemos tirar o rapaz de Boliqueime mas não podemos tirar Boliqueime do rapaz, dir-se-ia com crueldade.” Repare-se como Clara, a temente, ciente da «eventual» crueldade da frase – um reconhecimento em si louvável – acrescentou um salvífico «dir-se-ia com crueldade», como que a dizer «isto é cruel e eu não o escrevi, apenas fiz eco do que se poderia dizer». Sol de pouca dura, acrescento eu, porque, teimoso e ardiloso, o intelecto de Clara – um portento de perseverança - deu ordem imediata para que os delicados dedinhos de Clara debitassem o seguinte: ”O Presidente Cavaco é um rapaz de Boliqueime e isso não é uma coisa boa. Nem má. É o que é”. Traduzindo: «é cruel é, mas factos são factos e ele é de Boliqueime o que não é mau mas bom não é de certeza». E terminou a crónica com um tratado de sofisticação: "Num grande país europeu como a França, a Alemanha ou a Grã-Bretanha, Cavaco seria um apêndice, nunca um órgão político."
Volto atrás no tempo. 20 de Dezembro de 2005. Debate entre Cavao Silva e Mário Soares, em plena campanha para as presidenciais (que Soares viria a perder por uma larga margem). Abusando do pronome pessoal, e frente ao seu antagonista, Soares disse que «ele é rígido» (sic), «ele não fala» (sic), «ele não passa de um economista razoável» (sic), «ele é um ignorante em História» (sic), «ele não conhece o mundo» (sic). Lá está: já nesse tempo Soares sabia que o «rapaz tinha saído de Boliqueime, mas Boliqueime não tinha saído do rapaz».
A Clara foi, por isso, pouco original. Seguiu caprichosa e canideamente a voz do seu amigo Mário (com quem se encontra regularmente para filmar um programa que vai ficar na história pela erudição de ambos). Limitou-se a debitar o paleio habitual de um certo milieu intelectual da petite bourgeoisie alfacinha que odeia o saturado perfume dos provincianos (se lerem A Capital do Eça, encontrarão o modelo e o estilo adoptados) e sofre de achaques de cada vez que um hillbilly mais ou menos sofisticado e educado alcança cargos de destaque na vida política e cultural portuguesa (e que só mesmo o povo ignaro coloca no poleiro, indiferente ao génio de Clara e amigos). De resto, faltou-lhe em sagacidade e estilo, o que lhe sobrou em arrogância e mau gosto. Muito provavelmente, Cavaco nunca leu Paul Auster, autor que Clara trata por tu. Imperdoável, Clara.
Para Clara, a declaração ao país vem corroborar aquilo que ela há muito vislumbrou no personagem: ”Podemos tirar o rapaz de Boliqueime mas não podemos tirar Boliqueime do rapaz, dir-se-ia com crueldade.” Repare-se como Clara, a temente, ciente da «eventual» crueldade da frase – um reconhecimento em si louvável – acrescentou um salvífico «dir-se-ia com crueldade», como que a dizer «isto é cruel e eu não o escrevi, apenas fiz eco do que se poderia dizer». Sol de pouca dura, acrescento eu, porque, teimoso e ardiloso, o intelecto de Clara – um portento de perseverança - deu ordem imediata para que os delicados dedinhos de Clara debitassem o seguinte: ”O Presidente Cavaco é um rapaz de Boliqueime e isso não é uma coisa boa. Nem má. É o que é”. Traduzindo: «é cruel é, mas factos são factos e ele é de Boliqueime o que não é mau mas bom não é de certeza». E terminou a crónica com um tratado de sofisticação: "Num grande país europeu como a França, a Alemanha ou a Grã-Bretanha, Cavaco seria um apêndice, nunca um órgão político."
Volto atrás no tempo. 20 de Dezembro de 2005. Debate entre Cavao Silva e Mário Soares, em plena campanha para as presidenciais (que Soares viria a perder por uma larga margem). Abusando do pronome pessoal, e frente ao seu antagonista, Soares disse que «ele é rígido» (sic), «ele não fala» (sic), «ele não passa de um economista razoável» (sic), «ele é um ignorante em História» (sic), «ele não conhece o mundo» (sic). Lá está: já nesse tempo Soares sabia que o «rapaz tinha saído de Boliqueime, mas Boliqueime não tinha saído do rapaz».
A Clara foi, por isso, pouco original. Seguiu caprichosa e canideamente a voz do seu amigo Mário (com quem se encontra regularmente para filmar um programa que vai ficar na história pela erudição de ambos). Limitou-se a debitar o paleio habitual de um certo milieu intelectual da petite bourgeoisie alfacinha que odeia o saturado perfume dos provincianos (se lerem A Capital do Eça, encontrarão o modelo e o estilo adoptados) e sofre de achaques de cada vez que um hillbilly mais ou menos sofisticado e educado alcança cargos de destaque na vida política e cultural portuguesa (e que só mesmo o povo ignaro coloca no poleiro, indiferente ao génio de Clara e amigos). De resto, faltou-lhe em sagacidade e estilo, o que lhe sobrou em arrogância e mau gosto. Muito provavelmente, Cavaco nunca leu Paul Auster, autor que Clara trata por tu. Imperdoável, Clara.
3 Comentários:
Estupendo.
Prazeirosamente mordaz; refinadamente perverso.
Merecido ('enough is enough').
Subscrevo, o post e o comentário!
muito bom post, sim senhor
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial