O MacGuffin: Este <i>post</i> não tem o patrocínio da BMW

quinta-feira, junho 09, 2005

Este post não tem o patrocínio da BMW

A forma como no Terras do Nunca se regurgita preconceito e má-fé sobre certas matérias já não é pecha ou defeito: é característica. Ficámos agora a saber que JMF nutre um asco visceral por criaturas trintonas que, de gel na farta ou parca cabeleira, se passeiam por aí, lestos e em registo de deboche, ao volante de bê-émes.

Logo que os vislumbra, JMF subverte o velho e bonito there, but for the grace of God, go I, em “daqui, por graça de Deus ao volante do meu Punto, observo aqueles cagões que, fugindo aos impostos e/ou desbaratando os subsídios que era suposto aplicar nas empresas que desgraçadamente os albergaram como administradores, não se coíbem de pavonear o roubo sob a forma de um BMW e de um porção de brilhantina, a caminho da disco na 24 de Julho”.

A apoiar a boa da tese, as… estatísticas (só podia): em tempo de crise e recessão, o mês de Março de 2005 foi o menses mirabilis da BMW em Portugal. Conclusão brutal de insofismável: os vigaristas, os improdutivos e os párias andam a comprar neles. É esta a lógica estereotipada e retorcida que serve a virginal consciência de JMF e, de caminho, lhe conforta a alma perante a perspectiva de poder arrumar tudo e todos em compartimentos estanques e simplistas, que não exijam puxar pelos neurónios.

JMF não coloca, nem sequer academicamente, a hipótese de que o trintão do gel ganhou legitima e comprovadamente (pagando, inclusive, os seus impostos) os meios financeiros para adquirir a pronto o dito BMW. Ou que o nível de rendimentos do seu agregado familiar é suficiente para suportar a prestação do carro (há BMWs a partir de 6.000 contos e com prestações mensais inferiores a 100 contos). Não, o raciocínio de JMF passa pela já clássica checklist:

- É BMW?

- O gajo usa gel?

- Tem pinta de novo rico ou pato bravo?

- Resultado: vigarista.

Será Portugal um país assim tão atrasado e pobre que não seja capaz de albergar, pela via «legal» e honesta, gente suficientemente abastada para poder comprar, a pronto ou a crédito, um carro que nem sequer se pode considerar de luxo (e com isso pagar de impostos 30% do valor total da viatura)? É assim tão difícil encaixar a ideia de que o Portugal de hoje, ainda que atrasado e meio-saloio, não é o Portugal de há vinte anos atrás? Será assim tão difícil perceber que existem milhares de pessoas e famílias que, fruto do seu trabalho (por conta doutrem) ou das suas actividades lícitas, transparentes e legítimas (com todos os impostos pagos), acumularam dinheiro suficiente para comprar a porcaria de um BMW? Será que em Portugal tal cenário é inverosímil, restando apenas a velha caricatura de um país de ricos por herança ou de novos ricos por falcatruas e fuga aos impostos?

Lembro Maria Filomena Mónica:

“Apesar das dificuldades sentidas na transformação de uma sociedade abúlica num país de cidadãos e, sobretudo, na mudança de um Estado habituado a mandar despoticamente num poder obrigado a prestar contas, ninguém poderá negar os progressos feitos nas últimas décadas. Basta observar a situação da comunicação social, os produtos dos hipermercados, a maneira como se vestem os jovens. Portugal está em vias de se tornar numa sociedade aberta.
O mais importante não é tanto o sentido da evolução, partilhada com outros países, mas o ritmo a que tudo aconteceu. Com a provável excepção da Espanha, nenhum outro país europeu conseguiu liquidar o campesinato, alterar a taxa de fecundidade, mudar os padrões de consumo, diminuir a mortalidade infantil, instaurar o sufrágio universal, transformar as relações Estado-Igreja, criar uma classe média, abrir as fronteiras a pessoas e bens, escolarizar a população, liquidar um Império, à velocidade a que o fez Portugal. Na economia como nas almas, o País está irreconhecível.”


Portugal é hoje um país livre. Vivemos numa sociedade aberta. Cada qual gasta o que pode (e, em boa verdade, por vezes o que não pode) onde quiser. A decisão de comprar um BMW, viajar para as Maurícias ou dotar a empresa de viaturas topo de gama pertence a um domínio privado, sobre o qual ninguém tem o direito de se imiscuir. A não ser que JMF prove, factual e comprovadamente, que a maioria dos adquirentes de BMWs que usam gel foge aos impostos, desbarata o dinheiro que era suposto investir em prol das suas empresas (e neste particular, tratando-se de uma empresa privada, ninguém tem nada que ver com isso) ou abre e fecha empresas por dá cá aquela palha, gostaria que ele explicasse que autoridade e moralidade são as suas para comentar, criticando, o facto do Zé Manel da brilhantina esbanjar o seu dinheirinho na porcaria de um BMW. “Ah, mas vê-se logo, pela pinta, que fugiu aos impostos!”. Não vejo por que razão se tem de partir do princípio de que quem o faz é vigarista, salafrário, negligente na sua actividade ou fugitivo do fisco. Para além de se tratar de um exercício de presunção e moralismo, parece-me um mau princípio comentar a vida, os comportamentos ou as opções de cada qual com base em suposições que de concreto só parecem ter dose e meia de preconceito aliada a uma hipotética (será?) má consciência.

Quem sou eu, ou quem se julga JMF, para automaticamente julgar o tipo que parou no semáforo ao volante de um BMW? Só porque tem má pinta? Por causa do gel? Do relógio de ouro? Só porque se convencionou que o BMW é carro de pato bravo, de vigarista ou parasita? Qual é o critério, ou a prova, que leva JMF a pressupor que, na generalidade, quem compra um BMW e usa gel foge aos impostos? Por estarmos em crise não era suposto poder comprar-se um BMW? Porquê? Por que razão, ao fim destes anos todos, uma certa esquerda continua a fazer uso de certas caricaturas ridículas e permanece agarrada a estereótipos avarentos de carácter ideológico? Obstipação intelectual? Gozo especial é ser preconceituoso?

Não é com insinuações persecutórias e julgamentos aprioristicos parciais que vamos lá. JMF devia deixar os condutores dos bê-émes em paz – até porque esse encanitamento diário não lhe fará bem à saúde - e interessar-se mais por outras «evidências». Se, por exemplo, a Administração Fiscal está a fazer o seu trabalho a tempo e horas; se o está a fazer com eficácia, ou seja, cruzando um amplo conjunto de informações que já hoje lhe são disponibilizadas; se o está a fazer com total respeito pelos direitos e garantias que a todos dizem respeito – quer se conduza um bê-éme, um Panda ou um Trabant; e por aí fora.

PS: Sr. JMF: não o mandei à "merda"(sic) coisíssima nenhuma. Quando disse que “já o atendia” estava a falar a verdade. Como vê, só hoje tive tempo para concluir a resposta, começada ontem e guardada em draft, às suas sempre benignas e saudáveis provocações. Não vá, portanto, à "merda".

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