Não chega liberalizar
Kenneth Lieberthal escreve no FT: ”Because Washington lacks good military options to terminate the North's nuclear programme, those who oppose negotiating a deal are arguing that regime change is the only basis for real resolution of the nuclear issue.” Lieberthal enviou, a posteriore, uma pequena missiva esclarecendo que não é sua a opinião de que a política externa norte-americana preconiza o uso da força para efeitos de mudança de regime, i.e., que Washington não usa a força não por não dispor de opções militares seguras, mas simplesmente porque não é essa a sua política. Seja como for, a opinião de Lieberthal mantém-se: 1) Mudar o regime (pelo uso da força ou não) não garante nada; 2) Nada se garante em perpetuar o regime. Em que é que ficamos, Mr. Lieberthal?
Percebo o ponto de Lieberthal. Assim como percebo o ponto de Robert Conquest. Uma mudança de regime pode resultar em nada. E não é possível fazer o download de um sistema democrático clean, perfeito e modelar, nem sequer esperar, das tentativas já ensaiadas, resultados imediatos e duradouros para consumo interno e/ou da vizinhança (o patético «efeito dominó»). Só mesmo na cabeça de quem se presta a denegrir o Ocidente ou a ímpia administração americana se tomam por adquiridos esses cenários ou essas possibilidades (no caso para provar, claro está, o contrário).
Tudo isto é certo, tudo isto é fado. Outra coisa é, também, certa: a política de appeasement e pró-estabilização, levada a cabo por Washington anos a fio (a expensas, muitas vezes, da democratização de certas zonas do globo), também parece não ter dado frutos. A estratégia de passar a mão pelo pêlo de regimes autocráticos e despóticos (como são a maioria dos instalados no médio oriente), acompanhada da apologia do relativismo cultural e civilizacional, com o intuito de perpetuar interesses económicos e geopolíticos, começa a não convir a ninguém. Apesar de «estúpido», Bush já percebeu isso. A aposta tem de se centrar numa clara via democratizadora e não apenas num modelo «liberalizador». Tanto mais que se começa agora a falar em «autocracias liberais»: em muitos países asiáticos e do médio-oriente, assiste-se à implementação e subsistência de um modelo liberal de sociedade (pelo menos bem mais liberal do que há vinte ou cinquenta anos atrás), onde o associativismo civil, as ONG's e alguma imprensa dita «moderna» se têm vindo a movimentar para gáudio das consciências ocidentais, acompanhando alguma «abertura» de mentalidades e costumes. O problema é que tudo isso se passa, regra geral, sob a conivência e sob o controlo dos próprios regimes que, nunca hipotecando o seu core establishment, são agora adeptos de se fazerem acompanhar de uma aura liberal de «tolerância», «abertura» e Cia. Lda. O caso mais gritante dá pelo nome de Irão: a existência de um sistema judicial absolutamente cínico e cretino ao serviço de poderes obscuros não eleitos e não sujeitos a controlo legislativo fazem do Irão um país que, aos olhos ocidentais, parece caminhar no sentido da «liberalização», embora, na realidade, se mantenham bem intactas as fontes do mais brutal despotismo aliado ao fundamentalismo.
É bom que se perceba que, neste caso, a palavra «democratização» é, e deve ser, bem mais abrangente. Não se trata, apenas, de dar ao povo o poder de escolher. Uma verdadeira estratégia de democratização passa por balizar o poder executivo nesses países, através de reformas constitucionais e do (re)estabelecimento de uma estrutura judiciária independente. A estratégia a seguir é a de garantir que monarcas, presidentes e respectivos acólitos se vejam impedidos de obstruir iniciativas parlamentares (desmantelando as inúmeras câmaras superiores de poder que actualmente anulam ad hoc quaisquer decisões e iniciativas incómodas emanadas dos respectivos ramos legislativos) e institucionalizar estruturas de justiça minimamente independentes que previnam os abusos de poder, persigam a impunidade e promovam a criação e organização de forças democráticas (como são o caso dos partidos, dos media independentes, etc.). Até lá, nada feito. Não chega, por isso, liberalizar.
Percebo o ponto de Lieberthal. Assim como percebo o ponto de Robert Conquest. Uma mudança de regime pode resultar em nada. E não é possível fazer o download de um sistema democrático clean, perfeito e modelar, nem sequer esperar, das tentativas já ensaiadas, resultados imediatos e duradouros para consumo interno e/ou da vizinhança (o patético «efeito dominó»). Só mesmo na cabeça de quem se presta a denegrir o Ocidente ou a ímpia administração americana se tomam por adquiridos esses cenários ou essas possibilidades (no caso para provar, claro está, o contrário).
Tudo isto é certo, tudo isto é fado. Outra coisa é, também, certa: a política de appeasement e pró-estabilização, levada a cabo por Washington anos a fio (a expensas, muitas vezes, da democratização de certas zonas do globo), também parece não ter dado frutos. A estratégia de passar a mão pelo pêlo de regimes autocráticos e despóticos (como são a maioria dos instalados no médio oriente), acompanhada da apologia do relativismo cultural e civilizacional, com o intuito de perpetuar interesses económicos e geopolíticos, começa a não convir a ninguém. Apesar de «estúpido», Bush já percebeu isso. A aposta tem de se centrar numa clara via democratizadora e não apenas num modelo «liberalizador». Tanto mais que se começa agora a falar em «autocracias liberais»: em muitos países asiáticos e do médio-oriente, assiste-se à implementação e subsistência de um modelo liberal de sociedade (pelo menos bem mais liberal do que há vinte ou cinquenta anos atrás), onde o associativismo civil, as ONG's e alguma imprensa dita «moderna» se têm vindo a movimentar para gáudio das consciências ocidentais, acompanhando alguma «abertura» de mentalidades e costumes. O problema é que tudo isso se passa, regra geral, sob a conivência e sob o controlo dos próprios regimes que, nunca hipotecando o seu core establishment, são agora adeptos de se fazerem acompanhar de uma aura liberal de «tolerância», «abertura» e Cia. Lda. O caso mais gritante dá pelo nome de Irão: a existência de um sistema judicial absolutamente cínico e cretino ao serviço de poderes obscuros não eleitos e não sujeitos a controlo legislativo fazem do Irão um país que, aos olhos ocidentais, parece caminhar no sentido da «liberalização», embora, na realidade, se mantenham bem intactas as fontes do mais brutal despotismo aliado ao fundamentalismo.
É bom que se perceba que, neste caso, a palavra «democratização» é, e deve ser, bem mais abrangente. Não se trata, apenas, de dar ao povo o poder de escolher. Uma verdadeira estratégia de democratização passa por balizar o poder executivo nesses países, através de reformas constitucionais e do (re)estabelecimento de uma estrutura judiciária independente. A estratégia a seguir é a de garantir que monarcas, presidentes e respectivos acólitos se vejam impedidos de obstruir iniciativas parlamentares (desmantelando as inúmeras câmaras superiores de poder que actualmente anulam ad hoc quaisquer decisões e iniciativas incómodas emanadas dos respectivos ramos legislativos) e institucionalizar estruturas de justiça minimamente independentes que previnam os abusos de poder, persigam a impunidade e promovam a criação e organização de forças democráticas (como são o caso dos partidos, dos media independentes, etc.). Até lá, nada feito. Não chega, por isso, liberalizar.
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