Sobre a decisão de Jorge
Este governo andava doente. Sobre o assunto e as personagens nele envolvidas, já toda a gente tinha exercido o direito a descarregar a bílis (até eu, aqui). Rompida escabrosamente a linha de continuidade do projecto político de Durão Barroso (por muito difuso que fosse, sabíamos de uma ou duas paixões, já tínhamos ouvido falar em três ou quatro ideias reformistas, e seguíamos atentamente o correctíssimo espírito de contenção e reserva preconizado por Manuela Ferreira Leite), Santana Lopes foi incapaz de impor uma nova agenda e não soube explicar, talvez porque pouco ou nada soubesse, para onde ia e de que maneira o pretendia fazer. Em boa verdade, nunca se lhe conheceu, em quatro meses, uma só paixão, uma só ideia, um só projecto com princípio, meio e fim (para isso, uma semana bastava). Coordenação foi coisa que também nunca habitou em São Bento. O Orçamento, por sinal cozinhado por um dos seus mais competentes ministros, foi observado com desdém por todas as capelinhas que orbitam em redor do Sol (leia-se do “Estado”): empresários (do lusco-fusco e não só), sindicatos, associações patronais, desportivas, recreativas e pelo professor Marcelo. Semana após semana, os ecos dos sucessivos tiros no pé ecoaram em faustoso continuu (amplificados, é certo, por meios de comunicações que não tiveram pejo em revelar o seu desprezo pelo outrora enfant terrible do seu contentamento). Nos últimos tempos, reinava a bagunça e as golpadas palacianas acabaram por marcar presença – a primeira em Barcelos, contra o «parceiro», a segunda entre séquitos, entre um chá em São Bento e um beberete em Belém. De forma escrupulosamente sintomática, e como piéce de resistence, Santana Lopes, na qualidade de primeiro-ministro, dá à luz um discurso absolutamente surreal, para não lhe chamar descaradamente idiota, com referências a «incubadoras» e «estaladas» (ou seriam chapadas?) no menino (ou seria no bebé?).
Dito isto, qual era a probabilidade de ser insultado em público se se achasse por bem defender o governo e a sua continuidade? Muita alta. Haveria, então, razões para o PR mostrar o peito e dissolver a AR? Tenho algumas dúvidas. Em primeiro lugar, o factor tempo. Pode sempre dizer-se que quatro meses é tempo mais que suficiente para um governo mostrar o que vale, se é que vale um cêntimo. Neste caso, julgo que não. Repare-se que este governo nem sequer chegou a aprovar um orçamento e a poder pôr em prática políticas concretas da sua lavra (por mais incógnitas que fossem). Em segundo lugar, a voz da rua ou a aparente deriva de um governo (ainda não confirmada como endémica), não podem, por si só, servir de justificação formal para um PR avançar para uma dissolução da AR. Lembremo-nos que, no passado, houve casos de igual desnorte governativo e de descontentamento popular (o caso mais recente aconteceu na segunda legislatura guterrista, que acabou com o chefe a dar às de vila-diogo) e nem por isso o PR, no caso Guterres o mesmo PR de agora, decidiu dissolver o que quer que fosse (pode sempre dizer-se que, no caso de Guterres, este se antecipou...). Se recuarmos ainda mais no tempo, lembremo-nos dos últimos dois anos do reinado cavaquista, repletos de tropelias, confusão e escandaleira. Finalmente, a forma e o timing nestas coisas têm peso. O momento escolhido por Sampaio não podia ter sido mais obtuso: nas vésperas da aprovação dum Orçamento de Estado (e não me venham com a putativa inocuidade dos duodécimos). Já quanto à forma, pouco ou nada há a dizer, a não ser isto: uma palhaçada. Enleado em formalismos protocolares, Sampaio ainda não foi capaz de explicar ao país as razões da dissolução. O povo não pedia muito, nem tudo de uma vez. Sampaio tinha a quase obrigação moral de explicar porque razão decidira dar inicio ao processo de auscultação conducente à dissolução da AR. Por culpa desse silêncio ensurdecedor e vergonhoso, chegámos à insólita situação de termos de confrontar a palavra de um primeiro-ministro (que jura que, dois dias antes da decisão, o PR lhe tinha dito que não demitia o governo) com a do PR (que responde, em surdina, que lhe havia dito que sim). Alguém mente, não sabemos é quem (Pacheco Pereira que me desculpe, mas, neste caso, eu não concedo o benefício da dúvida a ninguém). A única coisa que sabemos é que a confusão está lançada. Como é, aliás, habitual em Portugal.
Moral da história: o nosso Jorge meteu-se em nova alhada. Parece, agora, ganhar tempo para reunir argumentos que expliquem beyond a reasonable doubt, de forma satisfatória e credível, a razão porque decidiu interromper uma legislatura a meio e empurrar o país para mais dois ou três meses em que o desporto favorito do povo será o de avaliar quem beija melhor a senhora das hortaliças num qualquer mercado deste país à beira-mar plantado. E eu acho que, desta vez, para efeitos de «explicações», ele vai ter de se esforçar muitíssimo.
Dito isto, qual era a probabilidade de ser insultado em público se se achasse por bem defender o governo e a sua continuidade? Muita alta. Haveria, então, razões para o PR mostrar o peito e dissolver a AR? Tenho algumas dúvidas. Em primeiro lugar, o factor tempo. Pode sempre dizer-se que quatro meses é tempo mais que suficiente para um governo mostrar o que vale, se é que vale um cêntimo. Neste caso, julgo que não. Repare-se que este governo nem sequer chegou a aprovar um orçamento e a poder pôr em prática políticas concretas da sua lavra (por mais incógnitas que fossem). Em segundo lugar, a voz da rua ou a aparente deriva de um governo (ainda não confirmada como endémica), não podem, por si só, servir de justificação formal para um PR avançar para uma dissolução da AR. Lembremo-nos que, no passado, houve casos de igual desnorte governativo e de descontentamento popular (o caso mais recente aconteceu na segunda legislatura guterrista, que acabou com o chefe a dar às de vila-diogo) e nem por isso o PR, no caso Guterres o mesmo PR de agora, decidiu dissolver o que quer que fosse (pode sempre dizer-se que, no caso de Guterres, este se antecipou...). Se recuarmos ainda mais no tempo, lembremo-nos dos últimos dois anos do reinado cavaquista, repletos de tropelias, confusão e escandaleira. Finalmente, a forma e o timing nestas coisas têm peso. O momento escolhido por Sampaio não podia ter sido mais obtuso: nas vésperas da aprovação dum Orçamento de Estado (e não me venham com a putativa inocuidade dos duodécimos). Já quanto à forma, pouco ou nada há a dizer, a não ser isto: uma palhaçada. Enleado em formalismos protocolares, Sampaio ainda não foi capaz de explicar ao país as razões da dissolução. O povo não pedia muito, nem tudo de uma vez. Sampaio tinha a quase obrigação moral de explicar porque razão decidira dar inicio ao processo de auscultação conducente à dissolução da AR. Por culpa desse silêncio ensurdecedor e vergonhoso, chegámos à insólita situação de termos de confrontar a palavra de um primeiro-ministro (que jura que, dois dias antes da decisão, o PR lhe tinha dito que não demitia o governo) com a do PR (que responde, em surdina, que lhe havia dito que sim). Alguém mente, não sabemos é quem (Pacheco Pereira que me desculpe, mas, neste caso, eu não concedo o benefício da dúvida a ninguém). A única coisa que sabemos é que a confusão está lançada. Como é, aliás, habitual em Portugal.
Moral da história: o nosso Jorge meteu-se em nova alhada. Parece, agora, ganhar tempo para reunir argumentos que expliquem beyond a reasonable doubt, de forma satisfatória e credível, a razão porque decidiu interromper uma legislatura a meio e empurrar o país para mais dois ou três meses em que o desporto favorito do povo será o de avaliar quem beija melhor a senhora das hortaliças num qualquer mercado deste país à beira-mar plantado. E eu acho que, desta vez, para efeitos de «explicações», ele vai ter de se esforçar muitíssimo.
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