QUANDO O ÓBVIO DE TÃO ÓBVIO DEIXOU DE O SER
"Muitas vezes esbarramos, tropeçamos no óbvio. Pedimos desculpa e passamos adiante, sem desconfiar de que o óbvio é o óbvio. Só o profeta, com a sua espantosa vidência, olha o óbvio e diz: - "Ali está o óbvio".*
O meu amigo Luis entendeu glosar um texto de John Kekes, não sem antes me pedir para “não levar a mal”. Caro Luis: por que carga de água é que haveria de levar a mal?!? Ainda assim, permites-me que diga duas ou três coisinhas, todas elas óbvias, todas elas banais.
A primeira, é esta: chegámos a um estado civilizacional em que o que era suposto ser óbvio, pacífico e adquirido já não o é. Quando Kekes escreve “professors [should] concentrate on their professional obligation of teaching and research; [should] have and are recognized to have substantially more knowledge and experience in some subject-matter than their students”, parece-me a mim, dado o comportamento, a qualidade e o output do nosso ensino, uma afirmação que, de tão importante e essencial (e, se calhar, por isso mesmo), só tem de ser martelada vezes e vezes sem conta.
Para ti, a afirmação “professors [should] concentrate on their professional obligation of teaching and research; [should] have and are recognized to have substantially more knowledge and experience in some subject-matter than their students”, é óbvia, banal ou, até, prosaica, logo passível de provocar «constrangimentos» ou causar «enfados». Tudo bem. Mas eu pergunto: tu, que conheces minimamente os meandros da nossa «academia», acharás totalmente desnecessário, descartável ou impertinente, de tão óbvio, afirmar, ou lembrar, que os professores se devem concentrar nas suas obrigações profissionais, de ensino e de investigação, e que eles próprios devem ter um conhecimento e uma experiência substancialmente superiores aos seus alunos? Lembrar o óbvio pode ser utilíssimo...
Depois, o que é óbvio para ti, poderá não ser óbvio para outros, em igual ou diferente contexto. Dito de outra forma, o que para ti é teoricamente óbvio, poderá não o ser na prática, o que, só por isso, poderá justificar uma espécie de reset e back to basics, que ajude o (re)enfoque sobre o que é essencial e muitas vezes se encontra soterrado pelo acessório e pelo transitório. De resto, sobre o “óbvio ululante”, Nelson Rodrigues* explicou tudo. Autor que, suponho, conheces.
Finalmente, quando afirmei que “John Kekes é um dos mais lúcidos e importantes filósofos da actualidade”, a afirmação não teve por base apenas um excerto ou um pequeno texto publicado num jornal, nem sequer pretendi arrolar provas da putativa «importância» e «lucidez» do filósofo através desse texto. Até porque, hoje em dia, por razões conhecidas, a palavra “lucidez” seguiu já o caminho da subversão e da banalização.
"Muitas vezes esbarramos, tropeçamos no óbvio. Pedimos desculpa e passamos adiante, sem desconfiar de que o óbvio é o óbvio. Só o profeta, com a sua espantosa vidência, olha o óbvio e diz: - "Ali está o óbvio".*
O meu amigo Luis entendeu glosar um texto de John Kekes, não sem antes me pedir para “não levar a mal”. Caro Luis: por que carga de água é que haveria de levar a mal?!? Ainda assim, permites-me que diga duas ou três coisinhas, todas elas óbvias, todas elas banais.
A primeira, é esta: chegámos a um estado civilizacional em que o que era suposto ser óbvio, pacífico e adquirido já não o é. Quando Kekes escreve “professors [should] concentrate on their professional obligation of teaching and research; [should] have and are recognized to have substantially more knowledge and experience in some subject-matter than their students”, parece-me a mim, dado o comportamento, a qualidade e o output do nosso ensino, uma afirmação que, de tão importante e essencial (e, se calhar, por isso mesmo), só tem de ser martelada vezes e vezes sem conta.
Para ti, a afirmação “professors [should] concentrate on their professional obligation of teaching and research; [should] have and are recognized to have substantially more knowledge and experience in some subject-matter than their students”, é óbvia, banal ou, até, prosaica, logo passível de provocar «constrangimentos» ou causar «enfados». Tudo bem. Mas eu pergunto: tu, que conheces minimamente os meandros da nossa «academia», acharás totalmente desnecessário, descartável ou impertinente, de tão óbvio, afirmar, ou lembrar, que os professores se devem concentrar nas suas obrigações profissionais, de ensino e de investigação, e que eles próprios devem ter um conhecimento e uma experiência substancialmente superiores aos seus alunos? Lembrar o óbvio pode ser utilíssimo...
Depois, o que é óbvio para ti, poderá não ser óbvio para outros, em igual ou diferente contexto. Dito de outra forma, o que para ti é teoricamente óbvio, poderá não o ser na prática, o que, só por isso, poderá justificar uma espécie de reset e back to basics, que ajude o (re)enfoque sobre o que é essencial e muitas vezes se encontra soterrado pelo acessório e pelo transitório. De resto, sobre o “óbvio ululante”, Nelson Rodrigues* explicou tudo. Autor que, suponho, conheces.
Finalmente, quando afirmei que “John Kekes é um dos mais lúcidos e importantes filósofos da actualidade”, a afirmação não teve por base apenas um excerto ou um pequeno texto publicado num jornal, nem sequer pretendi arrolar provas da putativa «importância» e «lucidez» do filósofo através desse texto. Até porque, hoje em dia, por razões conhecidas, a palavra “lucidez” seguiu já o caminho da subversão e da banalização.
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