DO MEU AMIGO JOSÉ LUIS...
Recebi uma carta a propósito do Luis Sepúlveda (a respeito do Chile de Allende vs Pinochet). E, também, sobre a cineasta Leni Riefenstahl. Tratei de entremear no texto os meus comentários:
”Com muita pena minha, não tenho tido tempo para acompanhar todos os temas discutidos no teu blog, ultimamente. Contudo, tendo efectuado por lá uma visitinha, não posso deixar de dar uma palavrinha acerca de duas personalidades focadas, que embora aparentemente não tenham nada que ver uma com a outra, numa observação mais cuidada representam duas faces da mesma moeda, a moeda do comprometimento político. Falo de Luís Sepúlveda e Leni Riefenstahl.
Quanto a Luís Sepúlveda tive o prazer de o ver no nosso Garcia de Resende, na passada segunda feira, e devo dizer-te que não me pareceu tão radical como tu julgas, como eu esperava e por ventura, como a evocação do 11 de Setembro o justificava.”
Caro Zé Luis: tive pena de não ter podido assistir ao «encontro». Tinha duas questões preparadas para colocar a Sepúlveda, as quais certamente contrastariam com o ambiente que, neste tipo de eventos nitidamente politizados, é proporcionado (descambando em comícios acríticos). Sobre o encontro com o escritor/activista político, colhi, apenas, ecos avulsos, agora confirmados pelo teu texto.
”Ouvi-o, a uma interpelação do auditório, dizer-se chocado com as condenações à morte ordenadas por Fidel Castro em Cuba, que o regime cubano fracassou no seu objectivo de edificar o socialismo, ouvi-o dizer que a União Soviética nunca foi o “seu” modelo, que a governação de Allende procurava seguir o modelo social da Europa nórdica e ainda que a figura de Pinochet lhe inspirava um sentimento de piedade, estando disponível para tudo perdoar caso houvesse um assumir de culpa da parte dos responsáveis pelo bárbaro regime que durante mais de 15 anos raptou, torturou, violou e assassinou milhares e milhares de chilenos.
Facto: em 1967 o partido de Allende emitiu o seguinte comunicado: "O Partido Socialista como uma organização Marxista-Leninista propõe a tomada do poder como objetivo estratégico a ser conquistado por esta geração, para estabelecer um estado revolucionário que irá libertar o Chile da dependência económica e cultural e iniciar o processo do socialismo. Violência revolucionária será inevitável e legítima. Constitui o único caminho para se chegar ao poder político e económico. A revolução socialista poderá ser consolidada apenas destruindo-se as estruturas burocráticas e militares do estado burguês."
Facto: em 1971, numa entrevista, Allende declarou: “nós precisamos expropriar os meios de produção que ainda estão em mãos privadas (...). O nosso objectivo é o socialismo marxista total e científico".
Facto: das 2.279 mortes constatadas durante os 17 anos do regime Pinochet (por mim inequívoca e peremptoriamente condenáveis), aproximadamente metade ocorreu logo após o golpe de 11 de setembro de 1973, a que não será alheio o facto de se ter vivido uma guerra civil e não uma onda indiscriminada de execuções sumárias.
”É certo que disse, e bem, que Pinochet foi repatriado não pelo seu peso político actual mas para evitar o julgamento da política externa americana, mas não o ouvi dizer, e podia ter dito, que os principais responsáveis pela manutenção desse regime foram , não só Nixon e Kissinger (que o idealizaram e isso é dos livros de história), mas também Reagan (já tem o castigo que merece...) e Thatcher ( figura vergonhosamente branqueada pela “história” e que ainda não teve o castigo que merecia...), que ao longo da década de oitenta, numa postura cega, fanática e irresponsável que lamentavelmente fez escola no mundo anglo-saxónico e da qual ainda hoje sofremos dramáticas consequências, foram armando militar e economicamente o sinistro general.
Se colocar no mesmo saco Thatcher, Reagan, Nixon e Pinochet (os bad boys), evocando iguais «castigos», não é maniqueísmo, vou ali e já venho...
”Quanto ao período em que Allende governou, ele também não disse e também poderia ter dito que o que então aconteceu foi, salvaguardando as distâncias, aquilo que tem acontecido com Hugo Chavez na Venezuela, que aconteceria em Portugal se por exemplo Carlos Carvalhas ganhasse umas eleições, e que espero não venha a acontecer no Brasil onde Lula as ganhou, ou seja, uma gigantesca ofensiva do grande capital e da comunicação social ( uma das suas faces) ferreamente unidos e aliados a todos os grandes e pequenos exploradores que rebuscando todas as suas forças nacionais e internacionais (essa gente não brinca em serviço) tudo fez para boicotar e sabotar a economia, gerando uma instabilidade constante que pudesse preparar o terreno para aquilo que veio a suceder, cativando simultaneamente alguns ingénuos apoiantes sedentos de ordem e estabilidade mesmo que conseguida com muitos litros de sangue.”
Facto: Em Janeiro de 1972, o Congresso aprovou democraticamente o impeachment do ministro do Interior, por falhar na protecção dos direitos à propriedade e à liberdade de expressão. Allende nomeou-o, de seguida, para Ministro de Defesa. Em Julho do mesmo ano, o novo ministro de Interior sofreu novo impeachment, tendo sido apontado por Allende para um alto cargo administrativo. Em Dezembro, o Ministro de Finanças também sofreu um impeachment por acções ilegais contra trabalhadores em greve, mas foi transformado em ministro da Economia. O desrespeito de Allende pelas regras do jogo, pela Constituição e pelo Congresso foi regular.
Facto: Em Julho de 1971, a Direcção Geral de Carabineiros apresentou um relatório ao Senado, dando a conhecer a ocupação ilegal de 339 indústrias, 658 herdades, 218 terrenos urbanos e 145 estabelecimentos educacionais, por parte dos extremistas. Acções que obtiveram da parte do governo de Allende uma anuência tácita (o sobrinho de Allende, Andres Pascal Allende, era um dos líderes do MIR).
Facto: registaram-se centenas de mortes durante o período de terror, ocorrido no mandato de Allende. Lembro as palavras de Baltazar Castro, socialista, escritor e apoiante de Allende, cuja propriedade foi atacada pelos extremistas: "O Chile foi destruído pela venalidade e mediocridade de Allende e seus colaboradores".
”Não percebo portanto porque é que Luís Sepúlveda tem sido alvo de tanta discussão.
Quanto aos onzes de setembro, o de 2001 sendo pretexto para duas guerras onde terão morrido muito mais seres humanos do que naquilo que as causou, acabou por ser tão trágico como o anterior. Curioso é que se somarmos as vítimas...
Lá está a habitual e atroz contabilidade dos mortos, tão ao jeito do relativismo e das comparações do que não se pode comparar...
...a esmagadora maioria do número de mortos de um e de outro processo teve a patrociná-la a mesma e já habitual bandeira. (a propósito, o Afeganistão continua sem electricidade, água potável e a produção de ópio triplicou desde que os EUA o invadiram, palavras do insuspeito “primeiro ministro” das forças de ocupação em entrevista ao insuspeito “Time”, reproduzida pela “Visão”).
A este propósito eu nunca me irei esquecer, no meu dia a dia, de quem no nosso país neste período da história esteve e está ao lado da violência, da opressão e da guerra (Durão Barroso, Paulo Portas, Luís Delgado, José Manuel Fernandes, José António Saraiva, Henrique Monteiro, António Ribeiro Ferreira, Pacheco Pereira e Inês Serra Lopes).
Tudo carniceiros, gente hedionda, ao serviço do capital e dos grandes interesses...
”Já agora uma pergunta: Qual foi na história universal a última guerra que não teve a participação directa ou indirecta de Americanos ou Judeus? Eu sinceramente de momento não me lembro...
Meu caro Zé Luis: o teu anti-semitismo é notório e já longo...
”Passando à cineasta alemã devo dizer que ao contrário do que frequentemente acontece contigo (Sepúlveda não será um bom exemplo, mas lembro-me de Saramago ou de Brecht...), consigo distinguir perfeitamente estética e política.
Leni Riefenstahl fez dois filmes esteticamente extraordinários, “O triunfo da vontade” e “Olimpia” que não fosse a causa que serviram seriam hoje considerados marcos na história da cinematografia mundial e mais um motivo de orgulho para a nossa Europa.
Provavelmente o que tinha de talento faltou-lhe em clarividência política para evitar que a sua figura ficasse ligada ao que ficou, mas não deve nem pode ser crucificada por isso. Quanto a mim quando se fala de Leni, não imagino à minha frente suásticas mas sim as maravilhosas imagens com que filmou, por exemplo, a maratona dos jogos olimpicos de Berlim em 1936, numa das mais belas sequências da história do cinema.
Não esquecer que Wagner foi, embora morto, também utilizado abusivamente pela propaganda nazi a propósito das suas opiniões acerca dos judeus (as quais eu até seria capaz de subscrever), e confundir a beleza de Parsifal, Lohengrin ou Tannhauser com a violência das SS ou os horrores de Auschwitz e Bierkenau (que por acaso já tive oportunidade de visitar) parece-me um completo absurdo.”
E pronto. Manda mais, Zé Luis.
Recebi uma carta a propósito do Luis Sepúlveda (a respeito do Chile de Allende vs Pinochet). E, também, sobre a cineasta Leni Riefenstahl. Tratei de entremear no texto os meus comentários:
”Com muita pena minha, não tenho tido tempo para acompanhar todos os temas discutidos no teu blog, ultimamente. Contudo, tendo efectuado por lá uma visitinha, não posso deixar de dar uma palavrinha acerca de duas personalidades focadas, que embora aparentemente não tenham nada que ver uma com a outra, numa observação mais cuidada representam duas faces da mesma moeda, a moeda do comprometimento político. Falo de Luís Sepúlveda e Leni Riefenstahl.
Quanto a Luís Sepúlveda tive o prazer de o ver no nosso Garcia de Resende, na passada segunda feira, e devo dizer-te que não me pareceu tão radical como tu julgas, como eu esperava e por ventura, como a evocação do 11 de Setembro o justificava.”
Caro Zé Luis: tive pena de não ter podido assistir ao «encontro». Tinha duas questões preparadas para colocar a Sepúlveda, as quais certamente contrastariam com o ambiente que, neste tipo de eventos nitidamente politizados, é proporcionado (descambando em comícios acríticos). Sobre o encontro com o escritor/activista político, colhi, apenas, ecos avulsos, agora confirmados pelo teu texto.
”Ouvi-o, a uma interpelação do auditório, dizer-se chocado com as condenações à morte ordenadas por Fidel Castro em Cuba, que o regime cubano fracassou no seu objectivo de edificar o socialismo, ouvi-o dizer que a União Soviética nunca foi o “seu” modelo, que a governação de Allende procurava seguir o modelo social da Europa nórdica e ainda que a figura de Pinochet lhe inspirava um sentimento de piedade, estando disponível para tudo perdoar caso houvesse um assumir de culpa da parte dos responsáveis pelo bárbaro regime que durante mais de 15 anos raptou, torturou, violou e assassinou milhares e milhares de chilenos.
Facto: em 1967 o partido de Allende emitiu o seguinte comunicado: "O Partido Socialista como uma organização Marxista-Leninista propõe a tomada do poder como objetivo estratégico a ser conquistado por esta geração, para estabelecer um estado revolucionário que irá libertar o Chile da dependência económica e cultural e iniciar o processo do socialismo. Violência revolucionária será inevitável e legítima. Constitui o único caminho para se chegar ao poder político e económico. A revolução socialista poderá ser consolidada apenas destruindo-se as estruturas burocráticas e militares do estado burguês."
Facto: em 1971, numa entrevista, Allende declarou: “nós precisamos expropriar os meios de produção que ainda estão em mãos privadas (...). O nosso objectivo é o socialismo marxista total e científico".
Facto: das 2.279 mortes constatadas durante os 17 anos do regime Pinochet (por mim inequívoca e peremptoriamente condenáveis), aproximadamente metade ocorreu logo após o golpe de 11 de setembro de 1973, a que não será alheio o facto de se ter vivido uma guerra civil e não uma onda indiscriminada de execuções sumárias.
”É certo que disse, e bem, que Pinochet foi repatriado não pelo seu peso político actual mas para evitar o julgamento da política externa americana, mas não o ouvi dizer, e podia ter dito, que os principais responsáveis pela manutenção desse regime foram , não só Nixon e Kissinger (que o idealizaram e isso é dos livros de história), mas também Reagan (já tem o castigo que merece...) e Thatcher ( figura vergonhosamente branqueada pela “história” e que ainda não teve o castigo que merecia...), que ao longo da década de oitenta, numa postura cega, fanática e irresponsável que lamentavelmente fez escola no mundo anglo-saxónico e da qual ainda hoje sofremos dramáticas consequências, foram armando militar e economicamente o sinistro general.
Se colocar no mesmo saco Thatcher, Reagan, Nixon e Pinochet (os bad boys), evocando iguais «castigos», não é maniqueísmo, vou ali e já venho...
”Quanto ao período em que Allende governou, ele também não disse e também poderia ter dito que o que então aconteceu foi, salvaguardando as distâncias, aquilo que tem acontecido com Hugo Chavez na Venezuela, que aconteceria em Portugal se por exemplo Carlos Carvalhas ganhasse umas eleições, e que espero não venha a acontecer no Brasil onde Lula as ganhou, ou seja, uma gigantesca ofensiva do grande capital e da comunicação social ( uma das suas faces) ferreamente unidos e aliados a todos os grandes e pequenos exploradores que rebuscando todas as suas forças nacionais e internacionais (essa gente não brinca em serviço) tudo fez para boicotar e sabotar a economia, gerando uma instabilidade constante que pudesse preparar o terreno para aquilo que veio a suceder, cativando simultaneamente alguns ingénuos apoiantes sedentos de ordem e estabilidade mesmo que conseguida com muitos litros de sangue.”
Facto: Em Janeiro de 1972, o Congresso aprovou democraticamente o impeachment do ministro do Interior, por falhar na protecção dos direitos à propriedade e à liberdade de expressão. Allende nomeou-o, de seguida, para Ministro de Defesa. Em Julho do mesmo ano, o novo ministro de Interior sofreu novo impeachment, tendo sido apontado por Allende para um alto cargo administrativo. Em Dezembro, o Ministro de Finanças também sofreu um impeachment por acções ilegais contra trabalhadores em greve, mas foi transformado em ministro da Economia. O desrespeito de Allende pelas regras do jogo, pela Constituição e pelo Congresso foi regular.
Facto: Em Julho de 1971, a Direcção Geral de Carabineiros apresentou um relatório ao Senado, dando a conhecer a ocupação ilegal de 339 indústrias, 658 herdades, 218 terrenos urbanos e 145 estabelecimentos educacionais, por parte dos extremistas. Acções que obtiveram da parte do governo de Allende uma anuência tácita (o sobrinho de Allende, Andres Pascal Allende, era um dos líderes do MIR).
Facto: registaram-se centenas de mortes durante o período de terror, ocorrido no mandato de Allende. Lembro as palavras de Baltazar Castro, socialista, escritor e apoiante de Allende, cuja propriedade foi atacada pelos extremistas: "O Chile foi destruído pela venalidade e mediocridade de Allende e seus colaboradores".
”Não percebo portanto porque é que Luís Sepúlveda tem sido alvo de tanta discussão.
Quanto aos onzes de setembro, o de 2001 sendo pretexto para duas guerras onde terão morrido muito mais seres humanos do que naquilo que as causou, acabou por ser tão trágico como o anterior. Curioso é que se somarmos as vítimas...
Lá está a habitual e atroz contabilidade dos mortos, tão ao jeito do relativismo e das comparações do que não se pode comparar...
...a esmagadora maioria do número de mortos de um e de outro processo teve a patrociná-la a mesma e já habitual bandeira. (a propósito, o Afeganistão continua sem electricidade, água potável e a produção de ópio triplicou desde que os EUA o invadiram, palavras do insuspeito “primeiro ministro” das forças de ocupação em entrevista ao insuspeito “Time”, reproduzida pela “Visão”).
A este propósito eu nunca me irei esquecer, no meu dia a dia, de quem no nosso país neste período da história esteve e está ao lado da violência, da opressão e da guerra (Durão Barroso, Paulo Portas, Luís Delgado, José Manuel Fernandes, José António Saraiva, Henrique Monteiro, António Ribeiro Ferreira, Pacheco Pereira e Inês Serra Lopes).
Tudo carniceiros, gente hedionda, ao serviço do capital e dos grandes interesses...
”Já agora uma pergunta: Qual foi na história universal a última guerra que não teve a participação directa ou indirecta de Americanos ou Judeus? Eu sinceramente de momento não me lembro...
Meu caro Zé Luis: o teu anti-semitismo é notório e já longo...
”Passando à cineasta alemã devo dizer que ao contrário do que frequentemente acontece contigo (Sepúlveda não será um bom exemplo, mas lembro-me de Saramago ou de Brecht...), consigo distinguir perfeitamente estética e política.
Leni Riefenstahl fez dois filmes esteticamente extraordinários, “O triunfo da vontade” e “Olimpia” que não fosse a causa que serviram seriam hoje considerados marcos na história da cinematografia mundial e mais um motivo de orgulho para a nossa Europa.
Provavelmente o que tinha de talento faltou-lhe em clarividência política para evitar que a sua figura ficasse ligada ao que ficou, mas não deve nem pode ser crucificada por isso. Quanto a mim quando se fala de Leni, não imagino à minha frente suásticas mas sim as maravilhosas imagens com que filmou, por exemplo, a maratona dos jogos olimpicos de Berlim em 1936, numa das mais belas sequências da história do cinema.
Não esquecer que Wagner foi, embora morto, também utilizado abusivamente pela propaganda nazi a propósito das suas opiniões acerca dos judeus (as quais eu até seria capaz de subscrever), e confundir a beleza de Parsifal, Lohengrin ou Tannhauser com a violência das SS ou os horrores de Auschwitz e Bierkenau (que por acaso já tive oportunidade de visitar) parece-me um completo absurdo.”
E pronto. Manda mais, Zé Luis.
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